Novembro

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       Novembro foi o aliviar de todos os castigos para Raquel, no dia dois Alberto e Adelaide fizeram vinte e cinco anos de casamento, isso trouxe alguma animação à casa austera que se abriu para receber familiares e amigos numa grande almoçarada onde se discutiam negócios, onde se falava bem do regime e se falava dos presos, onde se bebia e fumava charutos, onde os primos todos se riam do primeiro bastardozito do primo Gonçalo, afinal de contas, que homem é que nunca engravidou uma mulher e esqueceu a existência do filho? o primeiro bastardozito do Gonçalo mas não o primeiro da família. 

        Raquel permanecia calada e sempre que falava era uma inconsciente marioneta dos seus pais, as primas falavam de moda, falavam mal de outras mulheres, elogiavam o arroz doce da avó Emília e trocavam receitas, tentavam saber se Raquel tinha namorado, pretendente ou noivo, elogiavam o anel de noivado de Sabrina e falavam sobre a cerimónia que se ia dar em Junho, já se sabia que a madrinha Manuela oferecia o vestido, feito à medida com os melhores tecidos das lojas da baixa, com véu claro que sim e pérolas brancas.

"Estás a ver Raquel? A Sabrina vai ter um lindo vestido e umas belas jóias, se quiseres isto arranja um noivo, o tempo foge menina e eu ainda te quero ver casada!" disse a tia Manuela no meio da conversa do vestido de noiva.

"Oh tia, eu ainda preciso de acabar o curso, tenho tempo para isso depois!" respondeu Raquel.

"Oh Raquel, estudar anos e anos para quê?, assim que casares e fores mãe não vais concretizar nada disso, vais ficar em casa a cuidar dos teus filhos, estás a adiar e a adiar mas não podes fugir das tuas obrigações, pensa é em arranjar um marido que te sustente, sabes que graças à cadeia de lojas da família tens sempre trabalho e dinheiro fácil, nem precisavas de adiar o teu dever de mulher e de estar a adiar a tua vida!" a prima Tita disse de forma muito assertiva e tais palavras foram como uma pedra no coração de Raquel.

 Raquel ficou com os olhos cheios de lágrimas.

"Com licença prima Tita, eu estou a fazer o que mais gosto e quero ser professora, não estou a adiar nada, pelo contrário!" tentou engolir o choro.

Adelaide e Sabrina olhavam-na de forma reprovadora por ter dito tal coisa, o tio Horácio já muito alegre aproximou-se ainda a fumar o seu cachimbo e apertou a bochecha de Raquel.

"Minha cara sobrinha, és uma Espada Gonçalves, economicamente nunca ficarás despida, as nossas loiças e a cadeia de lojas são um verdadeiro império, nem precisas de fazer muito, olha à tua volta, que maravilha, champanhe, charutos, marisco de comer e chorar por mais, bebe um copito de abafado aqui com o tio!" o homem dava palmadinhas nas costas da sobrinha e depois rodopiava no meio da sala alcatifada.




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