14. Caixas - Giovanni

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Durante a mudança para o novo apartamento, ao final das férias de verão, mantive meu corpo ocupado ao colocar coisas nas caixas, carregando-as e desencaixotando. No entanto, não conseguia distanciar meu pensamento do beijo na praia.

Revia diversos acontecimentos do semestre com ambivalência: minha atração física por Emily era incontestável, assim como a admiração que eu nutria por sua personalidade e suas ideias. O dilema estava no que eu devia fazer com isso, depois de meu comportamento irresponsável.

Foi um erro lamentável eu ir atrás de Emily na praia, como eu podia ser tão ingênuo em achar que nada aconteceria. Sentia meu coração acelerar a cada passo que me aproximava dela, e mesmo assim fingi que isso era normal. Como foi fácil me autoenganar!

Meu começo de conversa não foi bem recebido por ela, mas eu sentei-me ao seu lado mesmo assim, ela estava aborrecida e em meu íntimo eu queria saber o porquê.

Emily levantou-se silenciosa e de forma graciosa sacudiu a areia de suas pernas e mãos. Ao vê-la afastar-se, num impulso andei até ela e peguei sua mão, o pior erro de todos! Confuso, encarei-a pensando em algo para dizer que justificasse minha ação, sem ser capaz de qualquer explicativa racional. Mesmo agora, enquanto eu colocava os livros na nova estante, não encontrava o porquê de ter feito aquilo.

Aquela garota me pegou desprevenido quando abriu um sorriso luminoso e deu um passo em minha direção; nossos rostos ficaram próximos e em instantes toda a minha capacidade de raciocínio evaporou-se, tornando o desejo o mandante. Envolvia-a com meus braços e a puxei para mim. Quando nossos lábios se tocaram num beijo, tive a certeza que ela também me queria. Sentia as mãos de Emily em meu cabelo e sua boca úmida colada à minha. Minhas mãos preparavam-se para tocá-la com mais sedução quando recuperei a razão ao dar-me conta do que eu havia provocado.

Recordar novamente como abandonara o meu código de ética ao seduzir uma aluna, com todo o agravante dela estar sobre influencia do álcool e em um momento que aparentava fragilidade, só aumentava a dúvida de quem eu realmente era. Pensava desde então que aceitaria como justiça Emily sentir-se ofendida e que eu perdesse meu emprego quando ela relatasse o fato a Sérgio.

A política da faculdade era contra envolvimentos com professores e alunos, embora muitos relacionamentos se desenrolassem de modo oculto pelos corredores.

A cada nova caixa trazida ao novo apartamento, a ligação do RH da faculdade informado minha demissão parecia ser o correto a acontecer-me. Mesmo arrependido de meu comportamento, não era realmente remorso o que meu coração parecia sentir. Quanto mais eu pensava como fora errado ter me aproveitado da situação para beijar uma garota tão jovem, mais eu queria repetir o erro. Em alguns momentos, conseguia bloquear minha culpa e pensar que talvez Pedro tivesse razão.

Na viagem de retorno daquele último feriadão de mergulho, Pedro manteve-se calado algum tempo até que se virou para mim sorrindo de um jeito debochado.

— A Ruiva comeu sua língua? – ele riu e virou-se para o volante. — Então tive sorte de escapar de seus dentes.

— Do que está falando? – enraiveci-me com sua ironia sem sentido, minha cabeça já latejava de culpa e não precisava dele para agravá-la. — Continua bêbado?

— Giovanni, deixe de ser sem graça. Me conte os detalhes: ficaram só nos beijinhos ou a Ruiva liberou tudo?

— Do que está falando?

— Uma das garotas com quem tive a honra de terminar a noite me contou uma história curiosa. Ela foi fumar um cigarro, um pouco afastada da praia, e viu uma garota ruiva beijando um dos instrutores. — Pedro sorriu divertido, enquanto eu o olhava apavorado como se fosse um menininho completamente desprotegido sendo pego comendo doces antes do jantar. — Não vá dizer que não era você! A Ruiva estava atacando outro instrutor? — ele estacionou o carro no acostamento e me fitou sério. Engoli em seco. — Giovanni, você me surpreendeu. Sempre condenando minha atitude com as alunas e agora agarra uma na praia! — ele riu ao procurar a térmica no banco traseiro. — Isso é um bom começo.

— Não é começo de nada. Garanto que não vai acontecer de novo.

— Então assume que foi você? — Pedro tomou um gole do café que trouxera para nos manter alerta na estrada. Eu apenas queria desaparecer por ter sido descoberto fazendo algo irresponsável. — Sabia que estava enlouquecido pela ruiva, dava para ver seu ódio quando cheguei nela.

— Dá para parar de chamá-la assim?!

Minha voz elevou-se. Estava com raiva de mim por ter sido fraco e com raiva de Pedro por ser enxerido. Ele sorriu debochado e num impulso de cólera eu o acertei com um soco, Pedro colocou a mão no nariz choramingando.

— Giovanni, eu estava só brincando!

Ele limpou o sangue que começava e escorrer com a manga da camisa.

— Desculpe! Nunca havia feito isso antes. — soltei arrependido e mais envergonhado ainda.

Peguei uns guardanapos que haviam sobrado no porta-luvas do lanche que comemos no início da viagem e entreguei a ele. Por sorte, eu não tinha um soco muito forte e não causei muitos danos ao nariz de meu amigo. Culpado, ofereci-me para dirigir o resto do trajeto. Pedi mais algumas vezes desculpa, pois não me sentia no direito de lhe ter agredido. Ele permaneceu em silêncio ao meu lado com o nariz para cima alguns minutos, até que começou a rir.

— Nunca imaginei que seria você a me bater, sempre pensei que ia ser um namorado revoltado de alguma dessas mulheres que levo com frequência para o meu apartamento.

— Sinto muito. — tentei redimir-me novamente.

— Sem crise, eu mereci por ficar fazendo graça de sua garota.

— Ela não é minha garota.

— Vai continuar negando?! — olhei-o de canto. Ele sorriu brincalhão e fingiu proteger o nariz para evitar um novo soco. Arrumou-se no banco e suspirou. — Desde quando me falou que queria colocar a Emily como bolsista eu soube que estava interessado nela. — ele abaixou a cabeça em sinal de amizade. — Peço desculpas por ter sido um mau amigo e ter dado em cima dela.

— Estamos quites. — minha raiva passara no instante em que o acertei. Estranhamente, no momento pedir um conselho de Pedro pareceu algo cabível. — E o que eu faço agora?

— Sobre o quê?

— Ora... — Sentia-me encabulado. — Eu beijei uma aluna.

— Ela não queria? — ele arregalou os olhos surpreso.

— Na hora ela parecia estar em sintonia comigo.

— Então qual o problema? — ele deu de ombro. O observei com certa inveja, como ele podia ser tão tranquilo sobre tudo? — Ela já deve ser maior de idade, não vejo onde está o problema. Se ela não estivesse de acordo em te beijar teria te empurrado como fez comigo sem nenhuma cerimônia.

De repente, as palavras dele fizeram sentido. Emily não fora desmiolada ao ponto de deixar-se seduzir por Pedro, então de certa forma ela não estava só a procura de uma fantasia de professor e aluna, ela tinha optado por mim. Não que isso tirasse minha culpa, mas fazia com que me sentisse menos aproveitador.

— Giovanni, devia largar mão de ser tão controlado e seguir a vida com mais leveza. — ele tirou o guardanapo do nariz para certificar-se que o sangue parara. — Deveria ter curtido a noite. Afinal, perdeu uma ótima oportunidade, depois das férias ela provavelmente já estará envolvida com outro. Sabe como os interesses das jovens são volúveis.

— Isso seria um alívio. — soltei um suspiro.

— É muito pior do que eu pensava! — Pedro riu com meu desabafo. — Não queria só uma transa, não é? Cara, ela te fisgou de vez.

A risada de meu companheiro de viagem ecoou dentro do carro e de minha cabeça, como se ele estivesse ali do meu lado entre caixas de papelão. "Ela te fisgou de vez." E se isso fosse verdade, como eu poderia ser tão infantil em me apaixonar por uma garota dez anos mais nova? 


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