No entanto, por causa da rainha, eu tinha visto meu mundo se dissolver praticamente da noite para o dia. Eu havia passado fome e me agarrado com unhas e dentes para chegar à posição em que me encontrava. Ninguém a tiraria de mim.

As ruas de Venda, serpeantes e abarrotadas de gente, eram tudo o que eu conhecia na vida, e seu submundo, tudo o que eu entendia.

Seus membros eram uma coalizão desesperada que apreciava a calidez do estrume de cavalo no inverno, uma faca em um saco de juta e a trilha de grãos deixada para trás, a cara fechada de um mercador que fora enganado por alguém ao se dar conta de que lhe faltava um ovo na cesta — ou, se eu estivesse me sentindo punitiva, a galinha inteira que o havia botado. Eu tinha me safado levando coisas maiores e mais barulhentas.

Eu gostava de dizer que roubava somente por causa da fome, mas isso não era verdade. Às vezes eu roubava dos lordes dos quadrantes só para tornar pior suas já miseráveis vidas.

Isso me fazia perguntar a mim mesma, caso algum dia eu me tornasse uma lady de quadrante, se eu deceparia dedos para garantir o meu lugar de poder. Porque eu havia aprendido que o poder poderia ser simplesmente tão sedutor quanto um pedaço quentinho de pão, e o pouquinho de poder que eu tinha sobre eles era, às vezes, todo o alimento de que eu precisava.

Com novos tratados assinados entre os reinos, que permitiram os assentamentos no Cam Lanteux, aqueles para quem e com quem eu roubava partiram, um por um, para viver em espaços amplos e dar início a novas vidas. Eu me tornei um pássaro cujas penas foram arrancadas, batendo asas depenadas, repentinamente inútil; mas mudar para um assentamento de fazenda no meio do nada era algo que eu não iria fazer. Algo que eu não poderia fazer.

Isso eu aprendi quando tinha nove anos de idade, viajando uma curta distância além das paredes do Sanctum em busca de respostas que me haviam escapado. Quando olhei para trás, para a cidade que desaparecia, e vi que eu não passava de uma mera manchinha em uma paisagem vazia, não consegui respirar e o céu rodopiou em um torvelinho vertiginoso. Isso me atingiu como uma onda sufocante. Não havia nenhum lugar onde me esconder. Nenhuma sombra na qual eu pudesse me desvanecer, nenhuma tenda para eu me abaixar atrás ou escadas para entrar debaixo e desaparecer — não havia nenhuma cama para me esconder embaixo, caso alguém viesse atrás de mim. Não havia lugar algum para onde eu pudesse escapar.

A estrutura do meu mundo se fora — o chão, os telhados, as paredes —, e eu flutuava, solta, sem nada para me prender. Eu mal consegui voltar para a cidade e nunca mais parti de novo. Eu sabia que não sobreviveria em um mundo a céu aberto.

Cuspir na cara da rainha tinha sido minha fútil tentativa de salvar a existência que eu havia entalhado para mim mesma. Minha vida já tinha sido roubada uma vez. Eu me recusava a permitir que isso acontecesse de novo, mas aconteceu mesmo assim.

Algumas marés não podem ser contidas, e o novo mundo deslizava em volta dos meus tornozelos como água na areia da praia, me puxando para dentro da corrente.

Meus primeiros meses no Saguão do Sanctum foram turbulentos. Eu ainda não sabia ao certo por que ninguém havia me estrangulado. Eu teria feito isso. Eu roubava tudo que estava à vista, e fora de vista também, e acumulava os itens roubados em uma passagem secreta sob a escadaria da Torre Leste. Nenhum aposento particular me era imune.

O lenço de pescoço predileto de Selena, as botas de Justin, as colheres de pau do cozinheiro, espadas, cintos, livros, alabardas da armaria, a escova de cabelos da rainha.

Às vezes eu os devolvia, às vezes não, concedendo misericórdias como se eu fosse uma rainha cheia de caprichos. Griz rugiu e me perseguiu pelos corredores na terceira vez que roubei sua navalha.

SWEET ARROW         {SHAWMILA}Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum