Capítulo 13 - Matteo

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Matteo viu Beatrice sair enquanto suas mãos ficavam suspensas no ar. Ela não era mais sua, não lhe devia satisfação. Ele já não tinha sequer o direito de perguntar nada e o único responsável por isso era ele mesmo. Cada palavra proferida por ela fazia seu duro coração sangrar, cada adaga que era lançada dos seus olhos verdes eram sua culpa.
Enquanto via seu vulto correr portão afora, Enquanto via seus cabelos castanhos balançar pelo vento, Matteo se sentia o pior dos homens e sabia que todos os dias passados sem sua li, eram sua punição. Poucas vezes ele havia se arrependido de algo, e sem dúvidas, tratar Beatrice daquela forma seria uma dessas vezes mais sombrias da sua vida. 
Ele sabia que não poderia obrigar Beatrice a ficar ali, mesmo ansiando tê-la por perto, por isso, permitiu que ela entrasse naquele carro e o deixasse. Deixa-la ir era diferente de desistir. Ele não desistiria, mesmo que não soubesse como lidar com aquele amontoado de sentimentos controversos. Beatrice continuava sendo uma Grecco e como tal, o nome a seguiria assim que sua identidade fosse revelada.
— Matteo, nós precisamos... Giovanna disse ao tocar seu ombro.
— Agora não Giovanna. Disse tirando a chave do carro do bolso e correndo até ele.
Matteo iria atrás dela, mesmo sabendo que a sua presença não era bem vinda. Mesmo que Beatrice dissesse repetidas vezes que o odiava, Matteo sabia, no fundo do seu ser que ela não o havia esquecido. Ele sentiu isso quando a tocou. E sentiu isso em seus olhos agora.
Dirigindo pelas ruas estreitas da Sicília, Matteo seguia o táxi que rapidamente ao entrar numa avenida movimentada  se perdeu entre os carros. O trânsito lento o impedia de se mover com destreza, os diversos táxis iguais não o deixava ter uma visão clara de onde estava Beatrice. Socando o volante com raiva se amaldiçoou mais uma vez.
— Carlota! Ele disse, enquanto fazia uma curva perigosa e entrava em piora rua, saindo da avenida.
Matteo dirigiu na direção da casa da senhora, pois não imaginava outro lugar que Beatrice poderia ir.
Matteo tocou a campainha dias vezes e ninguém atendeu. Ele começou então a bater na porta enquanto suas mãos suavam.
— Dio Mio! Quem morreu? A mulher gritou, enquanto destrancada a porta e os ferrolhos.
— Desculpe senhora, mas... Eu preciso conversar com Beatrice. A mulher arregalou os olhos enquanto soltava o gato que estava em seus braços.
— Beatrice? De onde tirou que ela está aqui?
— Por favor senhora, eu só preciso saber que ela está bem aqui para me tranquilizar.
— Minha menina não está aqui! Ela apareceu? Está aqui na nossa cidade? A mulher perguntou esperançosa e Matteo soube que de nada ela sabia.
— Sim, ela... Ela retornou.
— Bendito seja Deus! A mulher disse com a mão sobre o coração. 
Matteo tentou se desvinciliar das milhares de perguntas da senhora enquanto imaginava estar perdendo seu tempo. Assim que a agradeceu, correu de volta ao carro e bateu a cabeça no volante, tentando pensar onde ela estaria.
Sentiu um frio na espinha ao imaginar que Beatrice poderia estar na mansão Grecco, mas essa ideia foi descartada ao lembrar que os homens que vigiavam aquela fortaleza lhe informariam sobre a presença dela ali.
"— Ozan preciso que descubra em qual lugar da cidade Beatrice está! Ele mal esperou Ozan atender."

Matteo sabia que Beatrice precisava de tempo, e que ele  tinha que  tentar ser paciente, mas paciência não era seu forte e o tempo não era seu aliado. Suas mãos apertaram o volante até que os nós  de seus dedos ficassem brancos, cada momento sem tocá-la o fazia se odiar ainda mais.
— É tudo culpa sua! Gritou olhando para seu reflexo no retrovisor. Além da dor de perder a mulher que o amou incondicionalmente,  saber que havia aberto uma ferida nela e que era responsável por deixa-la sozinha o consumia.
Dirigindo pelas ruas arrasado, Matteo prestava atenção nas pessoas, cada uma que levava sua vida. Cada um daqueles rostos desconhecidos tinha uma história, uma família, um trauma e uma luta. Cada um deles tinha uma família,  um amor, ou uma decepção. Todos seguiam com sua vida driblando todos esses pormenores de tristeza, solidão e luta. Ele seria capaz de fazê-lo? Seria capaz, depois de conhecer a dor, de conhecer a perda, de conhecer o escuro, continuar agora sua vida sem ter mais o amor e a luz que havia ofuscado tudo o que ele conhecia?
Matteo dirigiu até o único lugar no qual poderia colocar toda raiva que sentia para fora, mesmo sabendo que a dor que o sufocava continuaria ali. 
Batendo impacientemente na grande porta de metal, o barulho estridente na rua deserta se fazia assustadoramente alto.
Pôde ouvir os xingamentos de homem vindo do outro lado da porta enquanto batia mais uma vez.
Managgia! Estou indo che diavolo.
Ele mal esperou Enrico abrir e entrou no local, indo em direção ao enorme saco de pancadas pendurado no meio do ringue. Tirando o casaco, Matteo foi como um anjo vingador até o saco preto, ouvindo ao longe a voz de Enrico que provavelmente o xingava. Matteo não conseguia focar em nada, apenas no saco a sua frente, deixando pra fora da sua mente a voz do homem e ouvindo apenas o zumbido do seu coração em frenesi e desespero.
Matteo começou a socar o objeto usando toda sua força, o material áspero que revestia o saco. A dor em sentir o material áspero machucar os nódulos das suas mãos era bem vinda. Sentir aquela dor em sua pele lhe dava a satisfação de poder externar um pouco a dor em seu coração.
— Maldito sentimento! Ele gritou  enquanto continuava seus golpes.
Matteo perdeu a conta de quantas vezes havia ido ate aquele lugar depois que ela foi embora. Por mais que aquele ringue o lembrasse dela, o seu ódio era a forma de não se despedaçar por inteiro no processo.
— Chega bambino! Você vai se machucar assim! Enrico disse, o segurando pelas costas e o puxando fora do ringue. Matteo estava louco por uma luta. Ele pagaria para ter alguém em quem descontar sua raiva e frustração. 
— Me solta!
— Tome! Enrico empurrou uma garrafa de whisky para ele,  que virou um gole enorme na boca,  dando boas vindas à queimação na sua garganta. 
— Beatrice voltou. Ele disse, desabando ao chão,  exausto e sobrecarregado. Matteo se encostou na parede e virou mais um gole, enquanto levantava a cabeça para o teto e sentia seu cabelo suado e molhado atrapalhar sua visão. 
— E ao que parece, essa volta não deu muito certo. O amigo disse, se sentando ao seu lado. 
— Ela me odeia.
— Amor e ódio estão muito conectados e podem se confundir. 
— Não tem nada de conexão! Pelo amor de Dio! Matteo disse, virando mais um gole da bebida, sentindo a dormência em seus dentes. 
— Amor e ódio não se excluem bambino! Movem-se num mesmo campo e, apesar de possuirem aspectos aparentemente distintos, a relação entre estes dois sentimentos envolve uma ligação entre eles. Assim como o amor pode se tornar ódio,  o ao contrário também acontece e sabe porque? Porque ambos despertam sentimentos profundos naquele que os sentem. 
— E se esse ódio for permanente? E se eu não conseguir ter a minha luz de volta?
— Isso será consequência das suas escolhas impensadas. Algumas almas vem a nossa vida para nós modificar e se vão... Elas foram apenas uma ponte que precisávamos para ver a vida. Enrico disse, enquanto Matteo entendia que Beatrice podia estar perto, mas nunca mais ser sua.
— Beatrice não veio pra ser ponte de nada! Ele falou nervoso. — Ela veio para ser fortaleza. Para ser o muro de sustentação.
— Um muro precisa ser cultivado meu filho, ele envelhece e se não não reposto as peças faltantes, ele quebra, se parte é cai.
— Eu estraguei tudo Enrico, é tudo culpa minha!
— E o que você fez para consertar tudo?  
Matteo ficou em silêncio. 
— Bambino tem coisas que levam tempo, nem tudo acontece da maneira que desejamos. Disse Enrico pegando a garrafa e dando um longo gole em seguida. — Sei que está acostumado a ter tudo do seu jeito, mas existem coisas que estão fora do seu alcance.
— Eu não posso perdê-la! Falou em um sussurro sôfrego olhando a suas mãos feridas.
— Você não pensou assim quando a expulsou. Você não pensou nas consequências ao tira-la da sua vida. Porque naquela época você podia viver sem ela e agora não? O que mudou?
— Eu... Eu a senti ir embora e isso me matou.
— Você deu valor a partir do momento que perdeu. Enquanto a tinha, o nome Grecco havia sido mais importante para você,  porque você não sabia que a ausência dela era muito pior do que qualquer ódio que sentia. Só percebeu isso quando ela já não estava mais.
— Eu... Meu Deus! Matteo disse abaixando a cabeça e apoiando nas duas mãos.
— A garota está confusa, ela passou por muita coisa. Enrico disse dando tapas amigáveis em seu ombro. — E você precisa entender isso! Amar também é esperar. E o tempo vai cuidar tudo. Vou pegar algo para sua mão. Disse se levantando.
Tempo, tempo esse quero sufocava cada maldito dia. Tempo esse que o desesperava, pois temia que a cada dia que passasse sem sua presença, uma hora ela poderia entender que ficar sem ele era melhor, que ela poderia sobreviver e respirar sem ele. E Matteo? Era nítido para ele que isso não iria acontecer. Beatrice era sua luz e sem ela sua vida era um amontoado de escuridão. 
Após Enrico colocar as ataduras nas suas mãos, Matteo quis voltar para casa, mais exatamente para o único lugar que ainda tinha resquícios da sua presença: seu quarto.
Aquele lugar havia sido o seu refúgio, o cheiro dela ainda residia ali junto as suas roupas, as vezes ele se via cheirando alguma peça na esperança de que diminuísse a sua saudade.
 
Matteo chegou em casa e encontrou Giovanna sentada nos degraus da escada, seus olhos estavam vermelhos e inchados, deixando evidente que ela havia chorado. A sua irmã também estava sofrendo, ele a conhecia bem, e assim como ele não tinha um vasto círculo de amizade. Ele sabia o quanto Beatrice significava para ela, e doía vê-la sofrer e não poder fazer nada.
— Matt o que houve com suas mãos? Perguntou se levando e caminhando rapidamente até ele.
— Não é nada demais. Mesmo que o ferimento tivesse ardendo não era nada perto do que sentia em seu peito
— Estava com o Enrico? 
— Sim, vou subir. 
— Você sabe onde a Bea está? 
— Não, eu não sei.
— Ela não quis sequer conversar. Abaixou o olhos marejados de lágrimas.
— Não podemos forçá-la, por mais que eu a queira aqui, não posso. 
— Eu fui muito injusta, e se ela nunca mais nos perdoar? Levou a mãos a cabeça..
— Vamos subir Giovanna, foi um dia longo. Disse ignorando a pergunta da irmã, ele não tinha uma resposta que pudesse aliviar a sua angústia.
Matteo ficou ao lado de Giovanna e a abraçou, fazendo com que ela o acompanhasse e subisse os degraus abraçada a ele, algo que talvez nunca tivesse acontecido.

****

Matteo havia acabado de sair do banho, aquela noite, claro, havia sido totalmente insone e ele esperou apenas o céu começar a apontar as rajadas laranjas para se levantar. Ao tomar o banho gelado, sentiu as gotas da água cortarem sua pele, o fazendo ver que estava vivo. Seus músculos retestados mostravam que seu corpo correspondia, mesmo que as vezes ele sentisse a inercia o dominar.
Se olhando no espelho, Matteo viu seus cabelos negros desalinhados e molhados, seus mamilos eriçados pelo frio e abaixo deles, a tinta preta da tatuagem se destacar.
Ele nunca imaginou que o significado daquelas palavras que tanto os unia, era o mesmo que os separava. Aquela homenagem para seus pais e de Beatrice para os dela, se chocavam ao saber quem cada um era. Matteo passou o dedo sobre a tinta preta enquanto sabia que havia cedido.
— Eu sinto muito mama e papa.  Ele sussurrou.  — Eu não posso levar adiante minha promessa em destruir todos os Grecco. Eu... Eu me apaixonei por uma e... Ela se tornou minha vida. Ele disse, suspirando enquanto uma única lágrima solitária caia de seu olho.
— Matteo! Giovanna gritou do lado de fora da porta o assustando.
— Que diabos Giovanna! Ele disse saindo do banheiro com apenas a toalha enrolada na cintura.
— Eu.. Ufa. Ela disse, enquanto tentava recuperar o fôlego.  — Eu coloquei um alerta no nome do maldito Ricardo Pasquali e o computador... Ele apitou hoje. Olha aqui! Giovanna disse, entregando a Matteo o Tablet que continha aberto sites de noticias. Estava em Português,  mas ele conseguia entender um pouco.

Ricardo Pasquali, homem respeitado no meio jurídico, Juiz que se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal foi acusado e assumiu a culpa por diversos crimes de violência sexual e pedofilia. Baseado no relato do próprio, foi descoberto um tráfico sexual de crianças em sites e em quadrilhas especializadas. O Ministro se encontra no momento foragido e não se sabe seu paradeiro.

Matteo olhou para Giovanna que mantinha os olhos arregalados e suspirou. Beatrice havia feito aquela gravação e provavelmente enviou ao seu telefone, pelo telefone dele as provas. De alguma forma, ela divulgou aquilo.
— O que... Matteo não teve a oportunidade de concluir o que iria dizer porque no mesmo momento entrou Ana esbaforida.
— Senhor! Por Deus! Não encontro a menina Aurora em nenhum lugar!

Continua...

Diurno - Entre A Luz E A EscuridãoWhere stories live. Discover now