2.Palácio

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                           Pérola

    Eu sabia que socar o rosto de um Guarda Real não era a melhor forma de conseguir atendimento médico adequado para a minha irmã, mas o jeito como ele havia nos olhado com desprezo e indiferença me fez agir da pior maneira possível. 
     Agora eu estava diante do Rei de Hézeq. 
     O rei me olhava com uma mistura de confusão e preocupação. Eu já o havia visto em alguns pronunciamentos da família real, mas nunca com tamanha proximidade.
     Ele era muito alto, tinha cabelo enrolado e castanho claríssimo, que batiam na altura dos seus ombros. A junção do cabelo rebelde, expressivos olhos cor de amêndoas e o maxilar quadrado lhe davam um ar de superioridade e a certeza de que eu estava bem encrencada.
-O que está acontecendo aqui? – o rei perguntou de maneira firme.
-Essa miserável me agrediu sem razão alguma! –O soldado afirmou. 
-Miserável? Nós fomos atacadas! Minha irmã precisa de assistência médica agora mesmo, mas você não me escuta! –Gritei indignada.
-Não recebemos nenhuma notícia de ataque no reino vizinho, você pode muito bem estar mentindo, sua...
-Basta, soldado. –O rei disse.- Tobias, leve a moça ferida para que seja atendida na enfermaria e a outra para que possa se limpar e explicar o que realmente aconteceu. –O rei ordenou a um homem mediano que parecia ser um servo.
-Sim, majestade. -Ele fez uma pequena reverência.
   Minhas bochechas ficaram coradas pela lembrança do estado das minhas roupas rasgadas e minha pele extremamente suja, mas não havia tempo para me preocupar com aquilo. Minha irmã tinha cortes enormes pelas pernas e braços, cujo sangue estava sendo estancado pelo torniquete improvisado que eu havia feito no caminho até ali. Ela estava fraca e parecia alheia aquela confusão.
   O servo começou a nos guiar para dentro do palácio, mas ainda pude ouvir o rei repreendendo o soldado.
-Soldado, miserável é aquele que julga alguém pela aparência. Não cometa mais esse erro, entendido?
-Sim, vossa majestade. –O soldado respondeu em um tom de voz quase inaudível.
    Eu estremeci um pouco com o tom de voz do rei. Com certeza não queria estar na pele do soldado.
   Após passarmos por diversos corredores e portas que pareciam ser todas iguais, chegamos em uma sala branca com diversas prateleiras e medicamentos, logo uma senhora veio nos receber. Ela devia ter em torno de 60 anos, tendo diversas marcas de expressões no rosto e cabelos brancos. -Tobias, o que houve? –Ela perguntou preocupada.
-Essa jovem precisa de ajuda imediata! –Ele alertou.
    A senhora assentiu e me olhou com compaixão, logo outras moças vieram ajudá-la e em poucos minutos a minha irmã estava deitada numa cama e recebendo diversos cuidados.
-Eu apliquei uma medicação que fará ela dormir por algumas horas. O corpo dela precisa descansar, pois perdeu muito sangue. Fizemos curativos nas feridas e acredito que ela ficará bem dentro de alguns dias. – A senhora disse apertando a minha mão com gentileza.
-Agradeço pelo cuidado e atenciosidade. Eu nem sei o nome da senhora... –Falei hesitante.
-Meu nome é Laura, querida. Eu estou aqui para ajudá-las no que for preciso.  

-Obrigada, Laura. Meu nome é Pérola.–Abri um sorriso para ela.

-Agora deixe-me cuidar dos seus ferimentos, Pérola. Estou vendo esse corte na sua testa e acho que precisará de alguns pontos.

-Tudo bem. Obrigada.
   Então, deixei a senhora limpar e cuidar dos meus ferimentos sem atrapalhá-la. Após alguns minutos, Tobias interrompeu a conversa com uma das ajudantes da senhora Laura e se aproximou de nós duas.
-Senhorita, venha. Irei acompanhá-la até os aposentos para que possa se limpar.
-Não. Não vou deixar a minha irmã sozinha. –Falei determinada.
-Querida, não se preocupe. Eu ficarei com ela e de qualquer modo, o efeito do remédio só passará daqui a algumas horas. –Laura disse com carinho.
-Sim. Além disso, o rei deseja conversar com a senhorita. –Tobias disse enfaticamente.
-Tudo bem. –Concordei relutante- mas voltarei o mais rápido possível.
  Os dois assentiram e me despedi de minha irmã com um beijo na testa. Ela parecia estar dormindo um sono tranquilo, apesar de tudo que havia acontecido.
  Tobias me conduziu para um quarto muito aconchegante com decorações em dourado e branco. No castelo, haviam diversas bandeiras do Reino de Hézeq. Havia um luxo no palácio que constratava com a pobreza do povo.    
   Meu coração se encheu de raiva. Não era justo ver o povo passando tanta fome e miséria, enquanto os nobres viviam em um lugar tão suntuoso.   
   Algumas servas vieram me ajudar e entregar roupas limpas.
    Então, depois de um longo banho, a fim de tirar a sujeira do meu corpo, percebi quantos hematomas estavam gravados na minha pele. Não havia como ser diferente, Kiara e eu havíamos sofrido muito para escapar do Reino de Mishpaha com vida.
   As servas haviam deixado sobre a cama diversos vestidos, escolhi um vestido marrom liso, que mais se parecia com minhas roupas do cotidiano.
-Senhorita Pérola? –Tobias bateu na porta.
-Sim?- Respondi hesitante.
-O rei está aguardando a senhorita. –Ele falou temeroso.
   Respirei fundo. Eu estava tão cansada e ter que ver a face do homem responsável pelo sofrimento do meu povo não era agradável. Abri a porta e encarei um Tobias com uma expressão preocupada.
-Eu estou pronta. –Falei determinada.  
   Nós caminhamos por alguns minutos e haviam quadros de diversos membros da família real nas paredes do palácio e quando vi duas portas de ouro no final do corredor, sabia que havia chegado na Sala Real.
-Pode entrar, senhorita. Ele está te esperando. –Tobias fez uma reverência e retirou-se dali.
   Endireitei a minha postura e abri a porta.
    A sala era iluminada e havia uma mesa enorme no centro. Haviam diversos documentos e livros organizados em cima da mesa e tantos outros na estante. Então, sentado à cabeceira da mesa, o rei me encarava.
-Senhorita Pérola, sente-se. Gostaria que me explicasse o que você e sua irmã estavam fazendo em Mishpaha e o que você viu exatamente. –Ele perguntou interessado.
-Nós estávamos tentando vender tecidos para comprar comida, já que a terra de Hézeq está seca. Então, quando estávamos na feira de comerciantes, um grupo de homens vestidos de preto começaram a atacar as pessoas. Eles... Mataram crianças, idosos, jovens... Ficou claro que tinham ido lá para executar o maior número de pessoas possível.
-Eu lamento que tenha presenciado isso.-O rei disse com compaixão.
   Ele me encarava com pesar, mas por algum motivo aquilo acendeu a minha ira. A minha irmã e eu só havíamos corrido risco de vida, pois o reino estava arruinado.
-Majestade, o seu lamento não vale de nada se continuar dentro deste palácio, enquanto o seu povo vive na miséria e morre de fome. –Falei cada palavra friamente. –Agora se me der licença, preciso cuidar da minha irmã que foi ferida pela negligência do rei.
   A expressão do rei era de perplexidade. Eu podia ver a irritação em seus olhos amendoados e o seu rosto estava endurecido como pedra. Eu sabia que a minha ousadia havia ultrapassado os limites, mas era como me sentia. Levantei-me depressa e saí da Sala Real, sabendo que havia deixado o rei de Hézeq enfurecido.

A MajestadeWhere stories live. Discover now