Infância I

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Osamu respira fundo. Realmente fundo. Seus pulmões se contraem para uma inspiração lenta e longa; se soltando no mesmo ritmo logo depois. Sua expiração sai levemente alta.

Seus olhos se abrem, a visão do pequeno Miya Osamu de onze anos ainda não mudou. Com mais uma inspiração, se seguindo por dedos agora macios se estendendo até a altura de seus olhos; os esfregando lentamente em círculos.

A visão não muda.

Algumas piscadas, tentando focar sua visão no espelho.

A visão não muda. Miya Osamu, de onze anos, acompanha todas as suas piscadelas.

Osamu não quer ficar nervoso. Seus dedos vão em direção ao reflexo no espelho; o material é frio contra seus dígitos. Seu coração pula uma batida a cada movimento que o reflexo segue de si mesmo.

Só pode ser um sonho.

Para testar sua teoria, Osamu se afasta do espelho, dando outro trabalho para suas mãos. Ele estende sua palma para cima. Suas mãos agora são pequenas, sem as cicatrizes e manchas usuais de anos de vôlei e de sua carreira culinária.

Suas mãos são limpas e macias, claras e sem nenhum resquício de idade ou trabalho. É como a mão de uma criança jovem deve ser.

Mas não deveria ser a mão dele. Osamu engole em seco enquanto passa para a próxima parte de seu corpo.

Seu rosto também é macio. Osamu consegue sentir a gordura usual que ele costumava ter quando era bem mais novo; a carne de suas bochechas possuem um volume bem mais excessivo do que ele se lembra. A linha de sua mandíbula é menos afiada e bem menor também.

A única coisa que não mudou foi seu cabelo. As mechas escuras continuam com a mesma textura de que Osamu se lembra. Mesmo com esse detalhe, o coração de Osamu ainda não encontrou razões para se acalmar; pulsando com tanta força que Osamu começará a acreditar que em algum momento o órgão pularia para fora de seu peito.

"Só pode ser um sonho." Osamu repete para si mesmo. "Só pode ser um sonho, certo?"

Ele não está convencido. Em uma determinação rápida, Osamu deixa seu polegar e seu dedo indicador fazerem o trabalho. Os dois dígitos vão diretamente de encontro com a carne de seu braço esquerdo, se juntando para pressionar a região em um beliscão. A pele fica avermelhada conforme Osamu a agarra com cada vez mais força, sem se importar com a dor que vem junto dela.

Osamu continua, mesmo que pequenas gotas úmidas surjam no canto de seus olhos. A dor é necessária para que Osamu acorde desse sonho bizarro. Não, não um sonho. Um pesadelo, um pesadelo extremamente bizarro e assustador.

O ato é em vão, mas Osamu continua a apertar até que a dor se torne insuportável. Ele se solta da região com um gemido, colocando instantaneamente a mão sobre o local; em outra tentativa falha para aliviar a dor que continua a latejar.

Ao olhar para o espelho, Osamu vê que o pequeno Miya Osamu continua a o encarar, imitando sua expressão de dor.

Não é um sonho.

"Porra." Osamu pragueja em um gaguejo. "Não é um sonho."

Com o choque de realidade, Osamu não vê motivos para esconder seu nervosismo. Sua mente está cheia de perguntas, que continuam a vir como uma cascata. O que está acontecendo? Como isso aconteceu? Por que isso aconteceu? Vou voltar ao normal? Como faço para sair dessa situação?

Não há resposta para nenhuma dessas perguntas.

Sua ansiedade aumenta conforme as perguntas surgem. Osamu tenta vasculhar suas memórias anteriores em busca de uma pista. Não havia nada de extraordinário em sua semana; ele acordou, ele trabalhou, ele fez seus afazeres do dia e ele dormiu. O que poderia ter ocasionado a situação em que ele se encontrava?

Wherever You Will GoWhere stories live. Discover now