02 - Jean

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Quando entro no meu escritório pra fazer algumas ligações e cuidar de alguns papéis percebo que não estou só.

Perto de uma prateleira de livros a menina de olhos de mel está sentada lendo um livro mais quando me vê o seu olhar de assustada faz eu me sentir culpado.

- você gosta de mexer no que não é seu também?

- eu gosto de ler, e como aqui estava aberto eu achei que não teria problema.

- ah sim, voce sempre acha que pode invadir lugares e que não vai ter problemas pelo visto.

- sabe senhor, eu estou me sentindo bem melhor, acho que vou embora amanhã cedo.

Mesmo estando toda roxa e até andando com dificuldade ela acha que pode sair por aí, debaixo de sol pra ir sei lá pra onde.

- tudo bem, se quiser posso pedir pra algum de meus funcionários te deixar onde você quiser.

- é... eu acho melhor não, eu vou andando.

- pra onde você vai?

Ela fica me olhando como se tentasse achar um lugar, uma resposta pra minha pergunta.

- você não diz de onde veio e não sabe pra onde vai. Como pode esperar de mim que eu deixe você ficar a vontade se não me dá nenhum tipo de informação? Olha menina eu tenho um império e um nome a zelar, não posso ter meu nome envolvido em qualquer coisa que seja errada.

- não tem nada de errado comigo, bom hã...eu nunca fiz nada...ilegal.

Ela deixa o livro na prateleira, que eu percebo ser Dom Casmurro de Machado de Assis e passa por mim, sua resposta não me convence, o modo como relutou em dizer ou expressar sua resposta me diz que sim, tem alguma coisa errada, talvez não seja ilegal como ela disse, mais tem alguma coisa

Seus cabelos são cheirosos.
Foco Jean

- então porque não me conta pra que eu possa confiar em você e pra que você possa ficar por mais tempo?De repente você pode até arrumar algum trabalho aqui na fazenda.

- trabalho? Eu preciso mesmo de trabalho.

Ela me olha com os olhos marejados e cheios de esperança, bem pertinho de mim.

- senhor, eu queria trabalhar, eu sei que não me conhece, não sabe de onde eu vim, mais confie em mim? O que eu posso te dizer é que não fiz nada de ruim, a única coisa que eu queria era paz.

Isso não me diz nada mais ao mesmo tempo me diz muita coisa.
Ela realmente está fugindo de alguém e algo me diz que foi esse alguém que a deixou nesse estado.
Talvez um ex namorado possessivo.

- você não tem medo que a pessoa que fez isso com você descubra onde você está?

- ele não vai descobrir.

Como eu previa: ex namorado possessivo, joguei o verde e colhi maduro.

- porque tem tanta certeza?

- eu estou em outro estado.

O que?
Ela vem fugindo desde onde?

Eu sou um cara muito fã das mulheres, tanto que gosto de ter várias ao mesmo tempo, mais a única mulher forte que eu conheci na vida e que valia a pena era a minha mãe.
Minha mãe sempre lutou muito pra chegar onde chegamos hoje. Eu não nasci em berço de ouro e desde que me entendo por gente minha família trabalha.

Meus pais eram muito humildes e novos quando se casaram até que ele ganhou um pedaço de terra e uma cabeça de gado de um patrão muito bom na época em que era capataz.

Esse patrão dizia que começou assim e que se meu pai fosse ambicioso e inteligente ele também construiria a vida a partir disso.
Com o tempo ele foi plantando, colhendo e juntando dinheiro, com o dinheiro junto comprou mais uma cabeça de gado, dessa vez uma fêmea e a partir daí vieram mais cabeças e a plantação também foi rendendo, expandindo, até ele ficar conhecido em toda região, estado, enfim.

Eu admirava gente forte, admirava quem corria atrás, admirava quem não se acomodava e admirava pessoas que tivessem coragem de tomar atitudes que mudasse as suas vidas. E eu estava de frente de uma pequena mulher cor de chocolate que estava me impressionando  com os poucos, bem poucos detalhes sobre o que eu já desconfiava. E se ela estava fugindo de alguém violento e queria tentar a vida em outro estado, eu ajudaria. É parece que puxei o coração mole da minha mãe afinal.

- você quer me dizer de qual estado era?

Ela fica me olhando ponderando se podia me dizer ou não.

- vitória é só o estado, estados são enormes, nao vou atrás do seu ex de cidade em cidade.

Seu olhar se fixa no meu assustada.

- sou do estado de são Paulo

- como fez pra chegar aqui?

- eu subi na carroceria de um caminhão e vim parar aqui.

- de lá aqui, dependendo da cidade são mais de 8 horas de viagem, você viajou tudo isso machucada desse jeito?

Eu estava com a garganta embolada.
Ela era tão frágil, como pôde ter aguentado?
Percebo que ela abaixa a cabeça logo que percebo seus olhos marejados.

Olho pra ela e tento me aproximar, pra sei lá, tentar acalma- lá, conforta-la, nem sei porque eu me aproximo, mais ela se afasta, e coloca as mãos espadas na frente do corpo.

- não, por favor, não chegue perto de mim.

Eu começo a me afastar de costas mesmo.

- eu sinto muito pelo que fizeram com você menina. Assim que você melhorar, você vai trabalhar aqui, com o que você achar que pode fazer, você quer?

Ela sorri em meio as lágrimas

-siiiiimm....

- você será remunerada e pode morar aqui até achar alguma casa pra alugar e se sustentar sozinha. Estamos entendidos?

- estamos Jean.

- é senhor Jean, não somos amigos, só estou tentando ser educado como minha mãe pediu.

Eu saio do escritório a deixando sozinha, vou lhe dar uma chance porque percebo que é isso que ela quer, trabalhar, além de ter paz, como ela mesma disse.

Espero que não me arrependa.

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Ooooo Jean, tu tava indo tão bem lindo?

Abrigo SeguroWhere stories live. Discover now