38

463 59 12
                                    

O burburinho da conversa cessa no momento em que abro as portas da sala de reuniões e passo por elas ao lado de Mikasa. A garota me acompanhou após ter se recomposto. Todo o esquadrão está presente, além de Mike, Levi e Hange. Mikasa se adianta em ocupar a cadeira vaga entre Jean e Sasha e caminho para o meu lugar, entre o garoto com cara de cavalo e o Capitão. Posso sentir os olhares sobre mim e desvio o olhar de imediato para os papéis na minha frente. Há relatórios e algumas fichas, incluindo a minha.

- Bom, estamos todos aqui agora. - Erwin se levanta atraindo a atenção de todos. - Como vocês sabem, temos mais três titãs em posse agora, incluindo o Titã Fundador. Temos poder para acabar com tudo, de uma vez.

Erwin olha na minha direção por um instante e engulo a seco, minha mente ainda relutando em aceitar aquela responsabilidade para si.

- Apenas alguns dos presentes tinham conhecimento, mas Amarie é uma descendente direta da família do rei Fritz.

- O quê? Você... - Connie franze o cenho ao me questionar.

- Sim. Minha mãe era Dina Fritz, também sou filha de Grisha Yeager e irmã de Zeke. - Interrompo o garoto, que fica ainda mais confuso. - Eu não sabia até vir para cá.

Hange pigarreia e coloca os óculos no topo de sua cabeça.

- Desconfiamos quando vimos, nos diários de Grisha as semelhanças consideráveis entre Dina e Amarie. Depois disso ela teve contato com Eren e seu toque desencadeou uma corrente de memórias nele, como Historia e Rod Reiss também fizeram. - A mulher suspira. - Por isso a mantivemos aqui. Amarie aceitou assumir o Titã Fundador e lutar ao nosso lado, se necessário.

Se faz um breve momento de silêncio e Erwin volta a falar, discursando a todos sobre as diferentes possibilidades de atacar os inimigos e as variadas vantagens que o Titã Fundador lhes dava. Me encosto na cadeira com a postura relaxada e olho para meus companheiros, atentos ao Comandante, um por um. Seus rostos estão iluminados por um sentimento que eu não me lembro de ter presenciado entre eles: esperança.

Me pergunto como deve ser para eles, após tantos anos, finalmente ter um vislumbre de uma vitória verdadeira, para variar. Engulo a seco e cerro os punhos, sentindo as unhas nas palmas das mãos e fazendo um lembrete a mim mesma de que enquanto eu estava vivendo em uma casa grande e aprendendo medicina, todos eles estavam ingressando no exército enxuto da humanidade, prontos para dar suas vidas lutando contra os titãs, que nada mais eram que pessoas que homens como Robert simplesmente decidiam mandar para cá.

Em meu âmago, posso sentir a ânsia quase inexorável pela destruição dos nossos inimigos e de quem quer mais que fosse, desde que nos trouxesse a paz. Entretanto, sei que isso não sou eu. Talvez fosse a vontade de avançar da natureza do Titã de Ataque, ou até mesmo a teimosia de Eren. Entre as lembranças tristes e conturbadas de Eren, Lara Tybur e todos os antigos portadores do Fundador, encontro, finalmente, as minhas próprias. Soterradas assim como eu estava antes de acordar entre os caminhos confusa e com vidas demais em minhas costas.

- Eu não entendo. - Passei a mão pelo rosto, olhando para Eren e Ymir em seguida. Estamos todos sentados em uma pequena roda, nos encarando e ouvindo a garotinha pelo que pareceram horas. - Por quê?

- Porque já passou da hora. Os humanos de dentro da muralha já tomaram conhecimento dos seus inimigos do lado de fora. - A fundadora responde. - Não cometa o mesmo erro de Karl, Amarie. O povo de Eldia já fugiu e se escondeu o suficiente.

- Mas a renúncia à guerra...

- Eu posso quebrar o voto. - Ymir diz de pronto. - Mesmo que você não o faça da maneira que Eren faria, cumpra essa missão, Amarie. Restaure Eldia. Mostre a eles do que somos capazes.

Sou trazida de volta quando ouço meu nome ser chamado repetidas vezes. Aparentemente, estavam esperando alguma resposta de mim. Todos os olhares ao redor da mesa estão voltados para mim e respiro fundo, me levantando devagar e apoiando as mãos sobre a madeira escura. Novamente, me pego pensando no que seria o certo a ser feito, se matar inocentes mesmo que pela paz era justificável. Entretanto, a imagem de Lina vem à minha mente, a garotinha sorridente e alegre que durante tantos anos iluminou o meu dia e que foi condenada ao mesmo destino terrível que eu por ter se recusado a cultivar o ódio em seu coração.

Não me importo em conter a única lágrima que desce pela minha bochecha ao me lembrar da sensação desesperadora de ter seu corpo sem vida em meus braços. Assim como ter visto Angela morrer na minha frente sem poder fazer nada. Ver o que Ethan havia se tornado, submetido à própria loucura depois da morte do irmão. Todas as pessoas que confiaram em mim antes, todos os que me acolheram e, de alguma forma, me amaram, se foram para sempre. Não há nada que eu possa fazer para traze-los de volta, tudo o que me resta é vingar suas vidas perdidas.

Tudo o que me resta são as pessoas nesta sala. O meu esquadrão, que inúmeras vezes se colocaram em perigo para salvar a minha pele dos titãs, assim como eu cuidei deles e de seus ferimentos após cada batalha complicada e a cada território conquistado. Ainda me resta Hange, Mike e até mesmo Levi, que, apesar de sua carranca e grosserias habituais, estava lá para me livrar de Ethan quando eu precisei.

Ainda há Erwin.

Outra lágrima escorre pelo canto do meu olho ao me lembrar de que ele não tem muito tempo, assim como eu também não vou poder envelhecer ao seu lado. Quero que ele possa viver em um mundo onde exista paz, assim como todos os outros aqui, que já perderam mais amigos do que podem contar nos dedos. De súbito, percebo que é uma escolha que não devo tomar por mim ou pelo o que eu acredito, mas sim por eles. Devo dar a eles um mundo onde possam viver sem ter de lutar, passar fome ou se questionarem constantemente se estarão vivos no dia seguinte.

O povo de Eldia já pagou por cada uma das atrocidades que cometeu durante a guerra, as vidas tomadas por Marley já compensaram todas as que nossos antepassados já tiraram em algum momento do passado. Ymir está certa, já nos escondemos por tempo demais atrás dessas muralhas. Já deixamos que os inimigos nos subestimassem o suficiente. Cerro meus dentes enquanto limpo as lágrimas e encho os pulmões de ar antes de começar a falar.

- Eu quero restaurar o Império de Eldia à sua antiga glória. - Digo, atraindo olhares espantados. - Mesmo que para isso seja necessário ativar o Estrondo da Terra e esmagar nossos inimigos até que não sobre nenhum.

Silêncio.

- Eu posso ter crescido como uma deles. Eu posso ter odiado os Eldianos bem como foi ensinado a mim mas... - Minha voz falha. - Eles me tiraram tudo! A única família que eu tive está morta e se não fosse por vocês eu também estaria agora. Não me importo em matar inocentes no caminho, eu não me importo em ter piedade alguma deles. Marley merece todo o ódio daqueles que sofreram em suas mãos, assim como merece ser apagada da história.

Me calo quando percebo que meu tom de voz havia se elevado mais do que o esperado e encaro meus companheiros, surpresos. Meus olhos vão direto de encontro aos de Erwin, que sorri ladino para mim por um instante antes de fechar seu punho direito e o elevar devagar até o peito, onde sua mão fechada repousou sobre o coração. Arfei ao retribuir o gesto, que logo foi repetido por todos na sala.

Dentro de mim, o turbilhão de emoções pareceu se acalmar por um instante e, finalmente, senti que havia tomado uma decisão correta, para variar. Não seria fácil reerguer o Império e precisaríamos da ajuda da Rainha Historia para isso, entretanto, nesse momento sinto que nada irá nos impedir enquanto estivéssemos avançando pela nossa própria liberdade. Eren não estava totalmente errado, no fim das contas. Seu pecado foi agir por conta própria e prejudicar a todos, incluindo seus próprios amigos.

Eu me recuso a destruir todo o mundo como ele bem queria, entretanto, faço questão de transformar Marley em ruínas.

Lionheart I Erwin SmithOnde as histórias ganham vida. Descobre agora