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A água goteja da torneira e cai direto na banheira, fazendo o som melancólico ecoar pelo banheiro vazio exceto por mim, imóvel dentro da água. Depois de algumas horas com Erwin decidi que deveria tentar me recompor, afinal, nada traria Lina de volta, não importa o quanto eu implorasse ao seu corpo sem vida. Afundo mais o corpo na água morna, controlando o impulso repentino de afogar a mim mesma ali. Por que eu não voltei antes? Poderia tê-la alertado e evitado isso, talvez? Mas isso também não me ajuda em nada.

- Preciso me recompor. - Murmuro para mim mesma com os olhos fechados enquanto ouço a água gotejar mais uma vez na água quase parada da banheira. - Por ela.

Lina sempre detestou ver as pessoas tristes, é um fato. Nunca houve um ser humano que se sentisse mal perto dela. A lembrança de seu sorriso invade os meus pensamentos e agradeço internamente por tê-la feito dormir antes de ir, de ter como sua última imagem o rosto terno e adormecido. Mas mesmo que meu subconsciente me advirta para não chorar e me entregar ao desespero outra vez, é inevitável não sentir a pontada aguda em meu peito que se espalha pelo restante do meu corpo, fazendo com que eu o abrace e aperte em uma tentativa falha de confortar a mim mesma.

- O que você está fazendo aí atrás? - Perguntei assim que dei conta de quanto tempo faz que Lina mexe nos fios compridos do meu cabelo.

- Fique quieta, estou quase acabando. - Ela resmungou irritada de volta, arrancando uma risada divertida de mim.

Lina era uma péssima cabelereira, podia sentir os nós se formando no meu cabelo, pensando no pesadelo que seria para os desfazer mais tarde. Entretanto, sua proposta havia funcionado. Lina havia me dito que me faria um penteado para esquecer da bronca horrível que havia levado do Capitão mais cedo.

Os fios loiros pairam ao meu lado na água, se movendo devagar para todos os lados. O real motivo de não o ter cortado em anos era Lina, afinal, ela sempre gostou muito dele. Desde o nosso primeiro encontro, quando ela ainda não sabia falar, as mãozinhas se agarraram com força nas mechas claras e brincaram com elas até adormecer, assim como havia feito tantas outras vezes. Meu corpo inteiro estremece novamente e ouço o barulho da porta, me mantendo imóvel sem me importar com quem quer que seja que esteja vindo.

- Amarie? - A voz de Sasha me chama do outro lado da divisória que separa a banheira e os chuveiros do restante do banheiro. Respiro fundo, desejando por um momento que ela saísse sem que eu precisasse a responder.

- Sim?

- Está tudo bem? Hange ficou preocupada, já fazem algumas horas que está aqui. - Ela responde, parecendo apreensiva.

- Está sim, não quis preocupar ninguém. - Respondo enquanto me levanto, deixando a água escorrer pelo meu corpo antes de esticar o braço para o roupão áspero pendurado ao lado da banheira. - Eu só precisava muito de um banho.

Caminho devagar sentindo o choque térmico dos meus pés descalços, aquecidos pela água contra os azulejos frios do chão do banheiro enquanto junto o cabelo por cima do ombro, o secando com uma toalha escura, a sentindo cada vez mais úmida em minhas mãos. Vou até a outra área do banheiro, onde Sasha está me encarando preocupada. Ela também parece abatida, afinal, se tornou amiga de Lina no instante em que a viu pela primeira vez. Minha mão aperta com força o cabo de madeira da escova e respiro fundo enquanto começo a desfazer os nós com dificuldade.

- Você... Quer que eu te ajude? - Sasha pergunta tímida e a encaro por alguns instantes, aceitando sua ajuda logo em seguida. - Hange me contou que você ficou furiosa quando ela tentou cortar o seu cabelo.

- Ela é assustadora com uma tesoura na mão. - Respondo com uma risada anasalada. - Obrigada, Sasha.

- Está tudo bem. - Ela responde. Fecho meus olhos por um instante enquanto sinto os dedos delicados da garota passearem entre os fios do meu cabelo enquanto o desembaraçam com cuidado. Aquela sensação é como ser abraçada em um dia muito frio, como uma mão grande e quente que me afaga as costas devagar, me passando segurança. Tenho vontade de chorar de novo, mas dessa vez, me contenho.

Lionheart I Erwin SmithOnde as histórias ganham vida. Descobre agora