04

1.1K 160 72
                                    

Bato os nós dos dedos contra a madeira rápido e repetidas vezes, rezando para que Angela esteja em seu consultório. Ficava no andar de cima da casa simples em uma área mais periférica, numa rua estreita e mal iluminada. Me pergunto por que ela havia escolhido morar ali mas me repreendo em seguida, afinal, não é da minha conta e tampouco importa agora. Bato mais algumas vezes até que ouço os passos vindos do outro lado e dou alguns para trás. A figura preocupada de Angela surge à porta, se tornando confusa assim que olha para mim. Ela abre a boca algumas vezes e balança a cabeça, mas a interrompo antes que possa perguntar qualquer coisa.

- Eu posso entrar? - Minha voz sai embargada.

A mulher apenas assente e se afasta para que eu entre, fechando a porta atrás de mim assim que entro. O interior está quente, diferente da brisa gelada que sopra do lado de fora e fazia meus pelos se eriçarem. O choque térmico causa em mim uma breve sensação de conforto. Cruzo meus braços na frente do corpo e Angela coloca as mãos na cintura, esperando uma explicação, mas aponta para meu braço como se tivesse acabado de ver a maior obscenidade do mundo, cobrindo a boca com uma das mãos em seguida.

- Amarie... O que aconteceu? - Ela se aproxima, tocando com as pontas dos dedos a braçadeira em meu antebraço esquerdo. Engulo a seco antes de responder.

- A minha mãe biológica. - Minha voz sai trêmula. - Ela era eldiana. Eles... Eles me mandaram embora.

A mulher não diz nada e me encara, séria. Os olhos castanhos me fitam com algo que me recuso a acreditar ser pena e não demora até que eu sinta os braços da mulher mais velha ao meu redor. Apoio a cabeça em seu ombro e fecho os olhos, segurando ao máximo as lágrimas, afinal não posso chorar agora, não sei se conseguiria parar tão cedo caso o fizesse. Mantenho os olhos fechados, aproveitando da breve sensação de segurança que sinto quando ela deixa um breve afago sobre meu cabelo. Conheço Angela desde os meus sete anos, foi a mulher que cuidou de cada resfriado e ferimento que já tive desde que me lembro, além de que ela é uma das pessoas em quem mais confio.

Depois desta noite, a única.

- Escute. Eu estou com um paciente, você pode ir lá para baixo descansar um pouco. - Ela se afasta, me segurando pelos ombros.

- Não. - Respiro fundo a encarando. - Quero ajudar.

- Amarie... - Ela diz em tom de advertência.

- Eu preciso... Ocupar a mente com alguma coisa.

Angela solta um longo suspiro e assente para mim, inclinando a cabeça mais para o interior do consultório para que eu a seguisse. Caminho atrás dela e meus pés se movem automaticamente pelo caminho que já conheço há anos, até o armário perto da janela. Visto o jaleco rápido e prendo o cabelo para cima em um coque desajeitado. Puxo as mangas brancas para cima enquanto lavo as mãos na pequena pia que ficava no canto do cômodo, checando por um instante meu reflexo. É inegável o fato de que pareço mais abatida do que pensei estar. A água fria me desperta um pouco e balanço a cabeça, caminhando até onde a grisalha está, aparentemente, dando uma bronca no garoto sentado na maca diante dela, calado e imóvel.

- Querida, você pode terminar essa sutura? Se sente bem para isso? - Angela pergunta, atenciosa.

- Claro que posso. - Digo forçando um sorriso fraco para ela, ocupando seu lugar assim que ela se senta.

Ergo meu rosto para encarar o rapaz e prendo a respiração. Os olhos verdes caídos, o cabelo castanho bagunçado e o rosto tão abatido quanto o meu já eram conhecidos por mim. Me obrigo a soltar o ar dos pulmões devagar ao reconhecer o garoto daquela manhã, que procurava pelo irmão mais novo. Talvez eu deva perguntar a Angela o que aconteceu ao menino, afinal.

Lionheart I Erwin SmithOnde as histórias ganham vida. Descobre agora