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Não sinto meus pés sobre o chão mesmo que eu esteja olhando para eles agora mesmo, quase totalmente cobertos pela neve fofa que se acumula ao redor das minhas botas. O vento gélido corta a minha pele descoberta enquanto passo as mãos sobre os braços em uma tentativa falha de amenizar o frio que sinto, olhando ao redor e tentando descobrir qual quer que seja o lugar onde estou.

Meus olhos percorrem a imensidão branca ao meu redor, como um campo aberto completamente coberto pela neve, que continua a cair do céu sobre a minha cabeça. É quando percebo a silhueta caída na minha frente e caminho de forma desajeitada e rápida até ela, a fim de saber quem está no chão diante de mim. O corpo que parece ser masculino está virado de barriga para baixo, coberto por uma capa escura com um capuz.

Me abaixo ao seu lado recosa e minhas mãos trêmulas pelo frio seguram em seus ombros, o virando para cima com dificuldade. O corpo do homem rola devagar para perto de mim e me afasto de súbito, não me preocupando em conter o grito que sai da minha garganta, tombando para trás logo em seguida, sentindo a ardência em meus olhos anunciar a chegada das minhas lágrimas, assim como o aperto em meu peito e a falta de ar nos meus pulmões.

O rosto de Erwin está virado para cima, os olhos arregalados para o céu nublado, as feições contorcidas em uma expressão de desespero, medo. Um de seus braços está faltando e as feridas abertas em seu abdômen são assustadoras, assim como o sangue que mancha a neve, criando uma mancha ao seu redor. Me aproximo dele, esticando as mãos até o seu pescoço, apoiando a sua cabeça e pressionando meus dedos indicador e médio contra a sua jugular, esperando inutilmente para sentir seu pulso, que não veio.

- Erwin? Ah, não! - Exclamo, desejando que ele pudesse me ouvir, mas permanece imóvel e rígido enquanto sacudo novamente seus ombros na intenção de fazê-lo acordar.

O desespero é crescente em minhas entranhas e sinto que vou engasgar em meu próprio choro enquanto soluço alto o seu nome, pedindo que volte para mim. É quando, de súbito, Erwin abre os olhos e os direciona para os meus, sua mão segurando o meu pulso com força, me sujando com o seu sangue. E então, a voz rouca e arrastada sai de sua garganta como um som gutural, fazendo com que um arrepio percorra toda a minha espinha:

- Foi você quem me matou. A culpa... É sua, Amarie.

Me sento sobre a cama em um pulo, sem tempo para reprimir o nome de Erwin, que escapa entre os meus lábios quase como um grito. Sinto meu coração bater rápido em minha caixa torácica e levo uma mão até o peito, como se aquele gesto fosse capaz de acalmar a mim mesma.

- Amarie? - A voz grave de Erwin atravessa o cômodo até meus ouvidos e suspiro aliviada ao vê-lo na minha frente, escorado na escrivaninha próxima a janela de seu quarto com uma xícara em mãos.

Não me contenho e afasto o cobertor pesado, escorregando as pernas para fora da cama sem me importar quando meus pés tocam o chão gelado, caminhando a passos rápido até o homem brevemente confuso, que apoia a xícara sobre a mesa quando me aproximo dele. Não lhe dou tempo de perguntar mais nada e o envolvo em um abraço, apertando seu tronco contra mim com força, sendo retribuída quase que de imediato.

As mãos grandes acariciam as minhas costas devagar e sinto um nó se formar na minha garganta, se desfazendo em lágrimas em seguida. A imagem de Erwin naquele estado, mutilado e morto por minha causa está gravada na minha mente como que a ferro e a ideia de o perder daquela forma é perturbadora demais para que eu não sinta medo, mesmo que tenha sido apenas um pesadelo.

- Amarie, está me assustando. - Erwin diz devagar e me afasto um pouco para o encarar. Pela primeira vez, vejo algumas olheiras sob seus olhos azuis, e seu cabelo não está tão alinhado como sempre. - Teve um pesadelo?

Lionheart I Erwin SmithWhere stories live. Discover now