Vinte e três

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Seja lá o que fosse aquilo dentro do meu peito, era estranho. Acelerava meu coração do nada, fazia minhas bochechas esquentarem. Minhas mãos começaram a suar em cima do colo, e eu sentia que se me levantasse naquele momento, cairia de joelhos no chão. Não tive coragem de olhar nos olhos de Hakon ao perguntar:

— Casamento?

A voz saiu fraca, quebradiça. Senti os olhos dos três garotos sobre mim, um diferente do outro. Hakon respirou fundo uma, duas, três vezes. Seu peito afundou uma última vez antes que sua mão fina se apoiasse em um dos meus joelhos.

— O quanto está disposta a sangrar por seu reino?

Seria uma hemorragia eterna. Ter que passar o resto da vida ligada a alguém naquele nível, sem nem poder escolher quem seria. Meus olhos estavam loucos para buscar a resposta, que eu sabia que encontraria no olhar dele. Naquela prata derretida ao redor das pupilas dilatadas, eu sabia que poderíamos conversar. E se ele me pedisse pra não fazê-lo, eu obedeceria sem pensar.

— Isso não é justo. — Dalibur se levantou do chão, indignado. — Hoje em dia ninguém mais se casa por laços políticos! Desde muitos séculos atrás.

Milo se ergueu logo depois, cruzando os braços fortes na frente do peito largo, encarando o chão, apenas. Ele sabia o que aconteceria se cedesse, se me olhasse nos olhos. Alheios a nós, a discussão entre Dali e Hakon continuou.

— A não ser quando é preciso mais que sorte para reerguer um reino como aquele.

Senti minha boca secar, uma confusão se formando em minha mente. nunca na vida havia me importado com aquele tipo de coisa, no fundo sabia que acabaria me casando por interesse. Por que agora era diferente?

Senti meus ombros cairem. Aquela situação, com certeza ainda era melhor do que o palácio caro em que eu vivia, sempre com medo e escondida pelos cantos. Mas por algum motivo, a forma como meu futuro fugia do meu controle naquele momento... era quase como as sombras de Brank me penetrando, e me impedindo de andar. O olhar perdido de Milo me mostrava, que não era só eu quem pensava aquilo.

O sol se pôs depois que andamos mais alguns quilômetros em silêncio. Nenhum deles tocou no assunto novamente, e eu estava ocupada demais pensando para me preocupar. Apesar do cansaço ardente, minhas pernas continuavam me guiando. Eu notei que os garotos esperavam um sinal, um indício de que eu estava cansada para parar. Por que desde o começo era assim que funcionava. Quando meu fôlego faltava, a respiração falhando, era aí que encontrávamos um lugar para dormir. Mas naquele dia fui mais longe. O chão se aproximava, e eu não queria parar de andar. Queria me exaurir e dormir, até poder acordar para treinar.

Atingimos o chão em duas horas. E eu ainda não estava cansada, mas eles sim. Observei inexpressiva, enquanto montavam o acampamento improvisado, uma pequena barreira erguida para nos proteger, um fogo mágico de Dalibur no meio da clareira minúscula. Era maior que as grutas em que havíamos nos enfiado nos últimos dois dias, mas o céu coberto pelas folhas enormes das árvores ampliava o espaço. Hakon caiu no sono logo depois de comer a carne magra de coelho que Milo havia caçado em poucos minutos. Dalibur avisou que daria uma volta, me deixando sozinha com o irmão pela primeira vez em horas.

— Se quiser, posso fazer um encantamento para te ajudar a dormir.

Milo percebeu o quão agitada eu estava. Sua testa estava franzida em busca de aprovação para sua idéia. Eu quase me contorci ao ver aquela imagem, um calor estranho subindo pelo meu estômago. E por falar em estômago, haviam quantos dias que eu não vomitava de dor ou exaustão? Me sentia mais leve a cada minuto perto deles, longe do castelo vermelho. em meio a pensamentos sobre isso, acabei me esquecendo da oferta de Milo. Mas outra coisa, mais importante, me fez parar.

A Herdeira brancaحيث تعيش القصص. اكتشف الآن