Treze

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Hakon se levantou em um salto, e agarrou minha mão. Antes que eu tivesse tempo de raciocinar, estávamos correndo, ou melhor, eles estavam me arrastando aos tropeços floresta adentro. Hakon me pegou pela mão, mas quando Milo percebeu que o uivo ficou mais alto, ele mesmo agarrou meu pulso, e junto com Dalibur que empurrava minhas costas, fugimos na direção das árvores mais altas, na direção das montanhas. Ao contrário de outros reinos, a terra vermelha não tinha muita variedade em animais. Isso porque os poucos seres que possuíam magia foram expulsos muito tempo atrás, deixando nossas florestas repletas de animais irracionais e selvagens, sem nenhuma proteção. Graças ao abandono das pequenas criaturas doces e mágicas às terras vermelhas, os animais selvagens se tornaram ainda mais selvagens. E mortais. Em um reino comum, não precisaríamos correr de lobos, porque eles teriam no mínimo dois metros a menos.

— Suba ali.

Não foi uma pergunta quando Dalibur se abaixou atrás de mim, e agarrou minhas coxas. soltei um grito quando fui impulsionada para cima, na direção de um galho onde Milo me esperava com braços estendidos. Ele me agarrou pelos cotovelos, e puxou meu corpo para si com um impulso que me fez parar em seu colo. Meu coração estava acelerado, eu só não tinha certeza do motivo. Mas ignorei o rubor das bochechas quando me arrastei para longe de Milo, dando espaço para Hakon subir. foi na vez de Dalibur, que o uivo nos petrificou. Estava tão alto, que os pelos da minha nuca se arrepiaram.

— Salte!

Milo gritou para o irmão, que mais olhava em volta procurando o lobo, do que se preocupava em se salvar dele. E como se o medo o tivesse invocado, no exato momento em que Dalibur se virou em nossa direção, olhos completamente negros surgiram às suas costas. Minha barriga congelou, quando captei o movimento das garras brilhantes em sua direção, a enorme boca aberta para dilacerar... uma pata, apenas uma pata do animal seria capaz de rasgar Dalibur até o osso. Foi só nisso que pensei, quando me joguei do galho.

Atordoada, caí bem atrás de Dalibur quando aterrissei, comendo terra e tossindo, entre ele e a fera. O garoto, que ainda não tinha visto a criatura, tentou me puxar para trás. Mas não deu tempo. Fechei os olhos no instante em que aquela pata enorme cheia de garras desceu contra o meu peito, e esperei. O ar que eu havia prendido no peito, ficou lá, porque a dor não veio. Uma luz explodiu ao nosso redor, tão forte que ultrapassou minhas pálpebras fechadas. Senti um calor reconfortante, me esqueci do chão logo abaixo dos meus pés. E então, um líquido grosso me atingiu, quente como a luz, repleto de dor e agonia. Aquele era meu sangue? Eu estava morta?

Abri os olhos para a noite, para o céu que havia voltado para a escuridão. Eu estava viva. Olhei para trás, para o rosto atônito de Dalibur me encarando... ele estava vivo. Meus olhos caíram para meus braços finos, manchados pelo sangue negro, viscoso e fedido. Eu estava prestes a perguntar o que tinha acontecido, quando Mali e Hakon desceram da árvore. Eles encararam meu corpo sujo, e depois algo atrás de mim. Quase me esqueci... do lobo. Girei o corpo para encarar a fera, ou o que havia restado dela. e uma parte de mim adorou, quando viu a cabeça decepada da criatura, jogada há alguns metros de distância do corpo.

— Como você fez isso?

Perguntei a Dali. O garoto franziu a sobrancelha, como se eu tivesse dito um absurdo terrível. Ele abriu a boca para falar alguma coisa, mas Hakon apoiou uma mão em seu ombro direito.

— Vamos achar um local para passar a noite.

— De preferência perto de um rio.

Milo comentou antes de seguir seu caminho, as mochilas e sacolas de pano balançando atrás de suas costas. Não questionei mais antes de segui-los, planejando guardar energia para a caminhada, e não falando. Seguimos assim, depois do susto do lobo sem nem sequer uma para da para conversar, uma caminhada constante pela floresta. Já começava a amanhecer quando Milo voltou a analisar o mapa, parando bem perto da entrada de uma pequena cidade. Ainda estávamos escondidos pela mata, o que ajudava nosso disfarce.

— Bom... já estamos na rota das montanhas. É mais fácil arranjarmos um lugar pra ficar aqui.

Obedecendo a ideia de Milo, cobri a cabeça com o capuz grosso e esperei que ele nos guiasse. Seria assim então, viajaríamos durante a noite e dormiríamos de dia, usando a noite como disfarce enquanto não resolviam me procurar de verdade. Hakon saiu da mata primeiro, mancando devagar até a estrada. Depois, foi a vez de Milo. Antes que eu desse um passo, senti uma mão firme agarrar minha cintura, me dando apoio pra continuar. Dalibur. Ele percebeu minha respiração ofegante e o suor na testa, mesmo com meus esforços para esconder o cansaço. Aquela única mão, me puxou para cima e diminuiu minha dor, um mínimo movimento que me aliviou completamente. Era magia. Eu não fazia ideia do que era aquele tipo de magia que aquele garoto, mas era bom.

E assim caminhamos, lado a lado bem atrás dos irmãos, concentrados no caminho daquela cidade desconhecida. Desconhecida para mim, porque Hakon parecia saber exatamente para onde estava indo. Cruzamos uma rua de pedras completamente deserta, a cidade não havia acordado. Viramos algumas vezes por ruas de casas, pequenas lojas e dois bares cheios. O único lugar onde parecia haver alguma alma viva naquele momento. Hakon nos guiou até um beco mais afastado do vilarejo, onde as paredes eram só paredes, sem janelas ou portas. A não ser por uma única abertura no final do beco, uma espécie de porta, mas com uma barreira mágica. Um pequeno olhar para Milo, e o garoto estendeu uma mão para a barreira. A parede se contorceu, revelando uma imensa estalagem com muitas acomodações.

— Como você conhece esse lugar?

Dalibur perguntou indignado. Milo deu de ombros.

— Eu só abri, é Hakon quem conhece.

Dali estreitou os olhos para o irmão mais velho.

— Você tem muito pra explicar.

Um sorriso, foi a única resposta que Hakon nos deu antes de passar pela porta adentro. Quando entrei pelo salão, meu queixo caiu. Era quase tão grande quanto o quarto de Brank, o que já era enorme. Em uma mesa enorme estavam posicionados alguns servos, com roupas brancas e pretas, aparentemente nos esperando. Hakon se aproximou deles, e disse:

— Um quarto para quatro.

Dalibur arregalou os olhos, e se adiantou, me deixando para trás.

— Ela não pode dormir conosco! É uma dama!

Milo revirou os olhos, e descruzando os braços afastou o irmão com apenas um dedo.

— Como vai protegê-la a uma parede de distância gênio? Não temos dinheiro pra dois quartos de qualquer forma.

Dali abriu a boca pra falar, mas a fechou quando percebeu a verdade ali. Foi só depois daquela pequena cena, que eu me aproximei com cuidado, sentindo meu corpo dolorido novamente, e apoiei uma mão nas costas rígidas de Dalibur.

— Eu não me importo Dali.

Eu havia dito seu apelido, sem notar até que saísse da minha boca. Mas para minha sorte, ele não disse nada.

A Herdeira brancaWhere stories live. Discover now