Onze

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A cozinha era composta por elementos básicos, um fogão a lenha, uma pia pequena e um balcão onde nós três estávamos amontoados para cozinhar. Pelo que Dalibur havia insinuado, era lá que comeríamos também. Descasquei as batatas em silêncio, usei todas as minhas forças para ignorar a dor na coluna enquanto apreciava o silêncio confortável presente ali. Os garotos não se falavam em momento algum, cada um cumpria sua função e assim terminamos a sopa, mais cedo do que o planejado. Fiquei feliz por ter feito algo, mesmo que uma coisa tão pequena que me trouxe dores irritantes. Limpamos a mesa e nós sentamos para comer, o silêncio ainda nítido. Foi Dalibur quem o quebrou primeiro.

— Obrigada pela ajuda, adiantou bastante.

Não consegui segurar o sorriso, a gratificação que foi ser útil. Talvez meu destino não fosse apenas fraquezas e dores afinal. A sopa estava deliciosa, o sabor que eu não sentia a anos inundava minha boca naquela noite. Sempre comi como um dragão, mas não por apetite ou fome. Era porque todos me diziam como eu precisava me alimentar mais, em todas as vezes que me viam. Ninguém além da minha família sabia o quanto eu comia. Ou melhor... a família que eu pensei ser minha.

Encarei aqueles dois garotos na minha frente, que devoravam suas tigelas de sopa quase que com movimentos sincronizados. Eram bem parecidos em rosto, e eu poderia presumir que eram irmãos. Eu estava prestes a perguntar a eles justamente isso, quando meu olhar caiu para outro ponto em Dalibur, um detalhe que eu não havia reparado. Ele usava uma camiseta desbotada com um símbolo costurado na altura do peito, mas não qualquer símbolo. Era uma dragão cuspidor de gelo, o símbolo do reino branco. A marca conhecida por todas as terras, que fora proibida por muitos reis de adentrar em seu reino. Ali eu soube, que independente do custo, aqueles garotos me levariam até meu destino.

— Me diga o que sabe sobre o reino branco.

Dalibur engasgou. O outro garoto paralisou e deixou a colher cair na tigela, com um baque surdo.

— O que você tem com isso?

O amigo de Dalibur parecia indignado. Seus olhos de aço me perfuravam a alma com fúria bruta em apenas um olhar. Senti que poderia doer olhar demais naquela direção, por isso abaixei os olhos para minha refeição inacabada.

— Estou sendo perseguida. — Admiti. — Meu pai e meu irmão mais velho querem minha cabeça, e o único lugar em que estarei segura é no reino branco.

A mão enorme do garoto desceu contra a mesa, me fazendo pular junto com os talheres de madeira. Meu coração se acelerou quando ele começou a falar, cada palavra despedaçando parte das minhas esperanças.

— O território branco é o mais perigoso pra você agora. Existem centenas de tropas vermelhas e prateadas posicionadas por toda a costa, eles recusam os barcos que chegam, as ruínas são totalmente controladas por saqueadores e impedidas de se reerguer pelas mãos dos rebeldes. É um caos, e você não sobreviveria nem a caminhada até o porto.

Meus olhos permaneceram caídos. Eu deveria pedir desculpas? Por ser uma tola ingênua que nunca aprendeu nada além de como segurar os gritos ao apanhar. Comecei a planejar a partir dali, como fugir daquela situação. Porque enfrentá-la não era uma opção. Se voltasse, acabaria morta, e jamais salvaria Axel. Se avançasse sem a ajuda dos garotos, morreria de fome nos primeiros dias de viagem, e se avançasse com eles... morreria logo depois ao ser pega, e pior... os levaria comigo.

— Não é só isso que sabemos sobre o reino branco.

Dalibur começou. O outro garoto cujo o nome eu não sabia, lançou a ele um olhar tão petrificante, que me encolhi um pouco. Mas isso não intimidou Dali.

— O rei branco teve um casamento antes da conhecida rainha branca. E desse casamento ele teve um filho que nunca foi citado nas histórias do massacre. — Meu coração começou a acelerar. — Quando se casou com a rainha, ela cuidou da criança como se fosse sua. E como sabem, ficou grávida.

— Não sabemos se é verdade. — O garoto retrucou.

— No dia do massacre, — Dalibur continuou, ignorando a interrupção do outro. — o corpo do rei nunca foi encontrado. Nem a do filho dele. Ele não tinha o poder explosivo da rainha, mas com certeza tinha o do pai. E se sobreviveu, é sua única chance de conseguir entrar no reino branco sem ser esmagada.

Um irmão. Eu tinha um irmão, de verdade, um que se lembraria dos meus pais. Lágrimas involuntárias se formaram nos meus olhos, meus lábios trêmulos não foram capazes de esconder o sorriso. Dois dias no escuro me fizeram perceber o que eu buscava, era ele. Eu sabia, sentia que ele estava vivo em algum lugar, e precisava encontrá-lo. Talvez meu pai estivesse lá também, são e salvo só esperando por mim. E no fim... eu nem teria perdido tanto afinal. Sim, se eu encontrasse meu irmão, tudo aquilo valeria a pena.

— Eu vou achá-lo.

O garoto de olhos cinza deu uma risada amarga, depois de engolir uma colherada de sopa. Eu tinha até me esquecido do jantar.

— Todos nós tentamos. Por que acha que vai conseguir?

Um sorriso interno se escancarou dentro do meu peito, a certeza completa que eu nunca tinha armazenado por nada na vida. Mesmo com as fraquezas, o corpo inútil e uma mente nada perfeita, ali eu soube. Podia encontrá-lo. Mas ainda não tinha certeza de como. Abri a boca para explicar parte da verdade, mas uma batida forte contra a porta me calou. E em seguida o olhar sério de Dalibur seguido da frase:

— Vá para o armário. Agora.

Sem ousar questionar, me levantei às pressas e me joguei contra o pequeno armário da cozinha, graças aos deuses bem vazio porque metade dos elementos havíamos usado. Fiquei quieta e prendi a respiração depois de fechar as portas, e escutar aquela voz tão conhecida:

— Kafenia está aí.

Não era uma pergunta.

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OIOI LINDOS  tudo bem?

Se você chegou até aqui, tenho um aviso:

Vou começar a postar de acordo com o ritmo em que escrevo. Se correr tudo como o planejado, volto a postar um cap por dia, como era antes. (Durante a semana). Mas estou um pouquinho enrolada com faculdade, ent pode ser q não de certo ok? De qualquer forma obrigada a todos que estão lendo, não deixem de expressar suas opiniões! (Amo os comentários de vcs)

Até logo, beijinhos 😘 ❤️

A Herdeira brancaWhere stories live. Discover now