Oito

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Durante todo o tempo em que corremos, Axel segurou a minha mão. Eu mal processava as figuras ao meu redor, o medo de Brank estar atrás de nós era maior. O que seria de mim agora? Herdeira do reino branco, dona de um poder mais que intenso... mas o que eu faria com isso? Se não sobrevivesse à fúria de Brank, minha única opção seria sucumbir. Olhei meu irmão de relance quando chegamos no jardim real, minhas pernas finas já não eram capazes de me levar além. A magia que havia concertado meu joelho oscilava, como se o esforço pudesse desfazê-la a qualquer momento. Meu irmão percebeu, porque parou de correr, e em apenas um movimento, me puxou para seus braços. Só percebi que estava em seu colo quando ele voltou a correr, o olhar fixo na paisagem além dos portões altos do castelo. Era meu castelo.

Meus olhos caíram para os pequenos gravetos que eu costumava chamar de perna. Mal existiam músculos ali, a finura deixava meu joelho nítido de uma forma nada bonita. Me perguntei o que meus pais biológicos achariam de sua filha agora, da fraqueza humilhante que eu carregava sobre os ombros ossudos. A floresta além dos muros se aproximava cada vez mais, nenhum guarda se moveu para nos questionar. Axel era reconhecido de longe claro, e eu estava aproveitando a vantagem. Suas mãos se enterraram nos meus quadris com delicadeza e firmeza, o único que sabia lidar com minha fragilidade sem deixar de me proteger. Aquele era Axel, meu irmão... ou não.

As lágrimas começaram a vir, o desespero da realidade fazendo com que meu peito se afundasse contra a escuridão dentro de mim. Axel não era meu irmão. E todas aquelas lutas que ele travou por mim, as barreiras que ergueu para me proteger... não havia significado algum. Eu não era nem sequer sua aliada, aquele não era meu povo. Para onde eu iria agora? Minha garganta se fechou. Minha mente girava em um turbilhão, mais rápida que as pernas do meu não-irmão correndo.

Mas antes que eu pudesse chegar na metade do pensamento, ele foi interrompido, por um grito.

— PAREM ELES.

Era Brank, que corria da porta do castelo em nossa direção, mais rápido do que eu achei que fosse possível. Não avistei Elize, apenas soldados confusos, se entreolhando e se perguntando a qual príncipe levariam sua lealdade. Mas eles temiam o temperamento e o poder de Brank, jamais haviam visto a extensão da força de Axel. Foi depois disso que meu mundo caiu.

Quando os soldados ergueram suas lanças em nossa direção, no momento em que conseguimos finalmente alcançar o lado de fora das muralhas, foi quando Axel ergueu seu poder em uma parede de gelo, que bloqueou as flechas que teriam nos alcançado. Ele me colocou no chão, e me olhou nos olhos. Eu pensei que iria me partir, só com a intensidade daquele olhar.

— Você precisa correr.

Comecei a balançar a cabeça de um lado para o outro, eu sabia que jamais teria chances.

— Eu vou atrasar eles. Consigo ganhar tempo, mas se formos juntos... vão pegar nós dois.

A onda de soldados começou a se aproximar, espadas e lanças nas mãos, ainda carregando olhares nitidamente confusos exibidos pelo outro lado da parede de gelo.

— O que eu vou fazer agora Axel?

Um nó se formou em minha garganta, me impedindo de respirar, de falar, de pensar...

Axel carinhosamente apoiou as mãos enormes nos meus ombros secos, me fazendo olhar em seus olhos azuis ciano. Ele jamais elevou a voz comigo, jamais perdeu a paciência ou reclamou de ter que me treinar até tarde. Ele sorria, me ajudava, me defendia e ensinava... me amava. E eu amava a ele mais do que pensei que poderia, o amava mais que a minha irmã ou meus falsos pais, ou até mais que a mim mesma. Ergui as mãos até suas bochechas, sentindo sua pele macia por alguns segundos.

— Eu sei que pensa que perdeu tudo. Mas está errada. — Axel ergueu a mão até a minha. — Eu sou seu irmão e nada vai mudar isso, nunca. E se faz alguma diferença, eu acredito em você. Sei que é forte o suficiente para sair daqui com vida, recuperar a magia que foi roubada de você, e se tornar a rainha que seu povo merece.

Aquilo aqueceu algo em mim. Eu sabia que ele não quis dizer força física, mas mental. Depois de toda tortura e dor, depois da esperança que eu havia alimentado por anos... Axel acreditava em mim, e aquilo era o suficiente. Mas uma preocupação pior passou a me incomodar:

— O que vão fazer com você?

Os soldados haviam chegado na parede espessa, mas não sozinhos. Brank estava logo atrás, o rosto contorcido de ódio, as mãos se erguendo na direção do gelo... Axel não respondeu. Não teríamos tempo para aquilo.

— Eu volto por você.

Foi a última coisa que disse a meu irmão antes que sua névoa nos engolisse, me dando mais uma vantagem para fugir.

Não escutei nada por um tempo, além do barulho baixo das folhas secas debaixo dos meus pés. Se Axel foi ferido, nenhum som revelou. Se os soldados continuaram me perseguindo, não chegaram cedo o suficiente para me alcançar, antes que eu arfasse uma última vez por ar. Meus pulmões ardiam, meus joelhos tremiam enquanto tentavam me manter inteira. Pela distância da névoa eu sabia que já estava segura, mas parar significava arriscar ser pega por outras criaturas naquela floresta escura. A luz preguiçosa não iluminava o suficiente para que eu visse com clareza, por isso tropecei. Foi um belo tropeço, que me derrubou em uma pilha de folhas e galhos pontudos. Nem me incomodei em reclamar de dor, o alívio de estar deitada compensou pela queda.

Quando pensei que era descanso o suficiente, decidi que me levantaria e caminharia em linha reta até a aldeia mais próxima. Mas não saí do lugar. Reuni a pouca força que me restava, e impulsionei meu corpo para cima, mas não fez diferença. Finquei as unhas na terra seca, me forçando para cima, e para cima, e... nada. Eu estava paralisada.

Foi depois disso que os uivos começaram, seguidos de passos muito, muito próximos.

A Herdeira brancaOnde histórias criam vida. Descubra agora