8. Zonas de (des)conforto

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Revisando algumas de suas anotações sobre os pacientes que tivera no dia, Kitty ouviu a campainha tocar. Estranho... Não esperava por ninguém àquela noite. Provavelmente, se tratava de outro entregador de pizza perdido nas redondezas. Sempre a mesma história. Levantou do tatame que ficava de frente para seu sofá, juntou as papeladas que tanto mexia e colocou na mesinha de centro da sala de estar, indo ver quem estava do lado de fora do apartamento. Através do olho mágico, enxergou Brittany. Ah, graças... Não estava com saco para dar uma de GPS outra vez. Sem mais delongas, destrancou a porta para a amiga.

— Oi...

— Oi, B.

— Desculpa aparecer assim, sem avisar.

— Imagina. Aproveita que é a única que tem esse direito. — A Wilde piscou, divertida, se atentando ligeiramente ao desânimo da outra loira. — O que houve?

— Eu e a Marley terminamos ontem. Foi pra valer, dessa vez... Senti que tava na hora.

— Ah... — Ela assentiu, devagar. — Quer um abraço?

— Quero.

Brittany alcançou a psicóloga, dando um enorme suspiro no decorrer da ação. De fato, a loira era um ser de alta previsibilidade. Não que Kitty se importasse com isso. Adorava, na realidade. Pessoas transparentes a agradavam bastante, seu trabalho já cumpria com a tarefa de sobrecarregá-la com todo tipo de gente que se possa imaginar, então ter pessoas como Brittany em seu círculo pessoal a trazia certa paz. Era fácil, fluído.

— Nem um pouco carente você.

— Não consigo evitar. — A Pierce riu dentro do abraço e apertou os olhos, cabisbaixa. — Perdão.

— Tudo bem. Bota pra fora, Britt. Esse é o caminho mesmo... — Ela abriu um sorriso e deu alguns tapinhas nas costas da mais alta. Isso era difícil para Brittany, Kitty sabia. Decidiu facilitar um pouco para a amiga e soar descontraída, esperando que a mesma se abrisse por conta própria... Como sempre. A Pierce tinha uma leve dificuldade de despejar tudo o que a importunava de uma vez só, então o melhor caminho era esse. — Contanto que não haja violência, tá valendo.

As duas ficaram alguns segundos em silêncio, até Brittany voltar a falar.

— Queria me importar menos, Kitty... — Confessou.

— Bobagem. Você não seria você, caso se importasse menos.

— É... — Ela deu um passo para trás, desfazendo-se do enlace. — Mas, eu não suporto esse clima de briga que tá lá em casa. Sei que o melhor foi terminar, só que passei o dia todo pensando que deveria ter deixado pra fazer isso quando a Marley já tivesse longe. E meus pais... Vão saber do término uma hora ou outra. Isso se já não sabem, né. Não quero ter que lidar com eles também, pelo menos não agora.

— Essa parte é inevitável. Mas relaxa, Britt... Pensamentos assim sempre vão vir, quer a gente queira ou não. Fica com a consciência limpa. Se você sentiu que tava na hora de botar um ponto final na sua história com a Marley... É isso. O resto vai se ajeitando com o tempo, ainda é muito recente. Não precisa entrar em pânico.

— Como você consegue?

— Como eu consigo o que? — Katherine quis saber.

— Ser tão zen o tempo todo. Queria eu ser desse jeito, sério.

— Ah, é só por fora Britt... E são anos de meditação, yoga e terapia, você sabe. Mesmo assim, dou umas surtadas aqui e ali de vez em quando, porque ninguém é Buda, vamos combinar né.

— Realmente...

Elas riram.

— Vem, vamos entrar logo vai. — Kitty puxou Brittany apartamento adentro, guiando-a até o meio da sala. Mas antes, a Pierce se livrou dos calçados, fechou a porta e permaneceu de meias, deslizando-as pelo chão limpíssimo do lugar. Tudo era tão... Tão... Impecável e minimalista, talvez? É. Essas eram as palavras... Ela quase tropeçou num robozinho aspirador de pó, que agora lustrava os pisos e a amiga não conseguiu evitar uma gargalhada com a cena. — Cuidado aí!

Nós - BrittanaWhere stories live. Discover now