𝟏.𝟎𝟑 'sobre coisas que queimam o âmago

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Porquê ela estava ali novamente. E ele não esperava que ela pudesse voltar.

— Você voltou.

— Eu voltei.

Aquela sensação esquisita lhe apossou o peito, numa ansiedade indescritível que a fazia questionar se estava dizendo a coisa certa. O mesmo tipo de sentimento que costumava ter quando se conheceram. Quando costumava se perder em suas palavras, apenas encantando os olhos castanhos. Quando via alguém diferente do que o garoto triste de quem as garotas tanto falavam. Quando o ouvia tagarelar por horas a fio, apreciando como quase nunca existiam momentos de silêncio entre os dois. Ela havia sentido tanto a sua falta, e agora estava tudo quebrado.

— Você cortou o cabelo — ele apontou o óbvio. — Ficou bonito.

— Obrigada... — ela disse, lutando contra a vontade de passar as mãos nas bochechas. Com receio, disse aquilo que andou ensaiando durante todo esse tempo: — Sabe, a gente não precisa ficar nesse clima estranho. Nós terminamos e acontece. Antes de tudo éramos amigos, não?

— Sim... — Ele hesita. — Amigos.

Como na primeira vez que se viram, ele estica uma das mãos para poder apertar a sua. O mesmo garoto cantando Away Haul Joe ainda estava ali, parecendo ridiculamente forte e maduro e bonito, mas ainda ali. Amélia não pode deixar de sorrir e sentir seus olhos arderem - o âmago sendo consumido pela saudade que reprimiu durante todas aqueles meses.

Ele estava onde sempre esteve. E ela continuava a admirá-lo.

A Leconte estendeu a destra e apertou seus dedos contra os dele, sentindo o calor das palmas. Ela paralisou. Talvez por nostalgia. Déjà-vu. E não quis soltá-lo nunca mais.

Mas foi ela quem quebrou o contato e ofereceu o seu mais bonito sorriso.

— Você até que joga bem, menino Blythe. Sempre te achei meio desajeitado.

— Agora você me ofende? Engraçado, não é, Amélia?

— É o meu jeito. não posso mudar.

E assim como todo o resto, Gilbert não queria que mudasse.

Amélia parecia sempre diferente. Todas as vezes que a via, todas as vezes em que seus olhares se encontravam, era como se fosse a primeira vez.

Os cabelos estavam curtos, mas os cachos continuavam sedosos, tão escuros quanto a cor de seus olhos. E ela estava perdendo aquele sotaque britânico adorável que costumava ter, mesmo falando meio enrolado, mais devagar do que antes. Havia perdido até mesmo aquele hábito esquisito que tinha de passar as mãos nas bochechas sempre que alguém a encarava demais.

Ela parecia tão diferente e mesmo assim tão igual.

pensei nela enquanto mexia numa colmeia e tentava extrair o mel. pensei no seu corte de cabelo durante o jantar, imaginei todas as coisas que ela havia feito durante todo esse tempo fora. pensei nela usando calças e podendo fazer o que quisesse sem medo ou vergonha do que poderiam falar ao seu respeito. Amélia Leconte e seu ego imbatível e invejável.

Era muito cedo para perguntar sobre a França? Muito cedo pra saber se havia conhecido alguém novo?

4

— A Ruby não está cobrindo o jogo? — perguntou Gilbert depois de um tempo, parando sobre o gelo com seus patins depois que nossa "conversa" acabou. A neve voou de seus pés assim que paramos perto das meninas novamente. Anne estava com o caderno nas mãos, se responsabilizando pelo placar e desenvolvimento do jogo, apesar de ter chegado atrasada e pegado a partida pela metade.

blue boy, gilbert blytheWhere stories live. Discover now