• 🌧 || 08. obrigada

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— Lili.

— Isso, ela é legal? Vocês só são "amigos" a algumas semanas mas estão sempre juntinhos. — Concordo com a cabeça. — Estranhos. Mudando totalmente de assunto, o que vai fazer nesse trabalho de arte? Acabei de sair daquela aula e não entendi nada! Só sei que minha pareceria é Camila.

Dou uma risada e desejo boa sorte a meu amigo. Camila é, sem dúvidas, a pessoa mais mandona que eu já conheci. Me despeço de Kj e vou em direção ao meu carro, sentindo meu estômago se revirar, mas eu não sei o porque.

***

Às três em ponto eu estava entrando no estúdio de arte, vejo Lili sentada com a mesma roupa que estava mais cedo. Sem perceber que eu estava lá, me sento ao seu lado e faço um barulho com a garganta. Ela dá um gritinho e arregala os olhos em minha direção. Começo a rir.

— Devia ter visto sua cara. — Ela franze os olhos verdes em minha direção e cruza os braços.

— Não acredito que fez isso... — Ela abaixa a cabeça e da uma risadinha. — Bem, vamos começar?

Concordo imediatamente.

— Todo mundo da sala provavelmente vai se matar fazendo um quadro renascentista. — Ela diz pegando um Ipad de dentro da sua mochila. — Mas, o que quase ninguém se toca é que, os quadros renascentistas não precisam ser necessariamente aqueles cheios de detalhes... — Ela entra em uma pasta no Ipad e me mostra uma foto. Arregalo os olhos e presto atenção no que ela falava. — Esse é o O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, todo mundo conhece esse quadro e se mataria pra fazer. Conhece a Monalisa?

Concordo com a cabeça, hipnotizado no jeito que Lili fala.

— Ela é um quadro renascentista muito fácil de fazer uma releitura. As pessoas só focam nas pesquisas mais fáceis que no final são mais difíceis, entende? O nosso vai ser esse aqui... — Me mostra a foto de uma mulher. Concordo com a cabeça, fingindo entender. — esse quadro é La Velata. Parece difícil mas eu juro que vai ser fácil.

— Se você diz... — Dou de ombros. Eu só estava aqui mais pela companhia do que pelo trabalho. Se esse trabalho fosse entrega a algumas semanas atrás eu não estaria ligando, mas agora... agora eu tenho motivos para ligar.

Pisco algumas vezes quando vejo Lili levantar e ir até um armário, o abrindo e pegando um tela branca. Volta ao meu lado, com um sorrisinho animado, e se senta. Observo meio perdido, depois de algumas vezes fingir saber desenhar com Lolla, nunca havia tocada em tinta ou pincéis.

— Parece tenso, vai ficar legal. — Lili pousa a mão em meu braço esticado em cima da mesa e rapidamente tira, corando e abrindo seu estojo rápido. Tento ignorar a sensação boa de quando sua mão macia tocou meu braço.

Durante os próximos 20 minutos eu fiquei só olhando Lili desenhar com um lápis de grafite na tela. Sua expressão relaxada e concentrada estava prendendo meu rosto de uma forma que não deveria prender.

Respiro fundo quando vejo ela morder os lábios. Balanço a perna, tentando parecer tranquilo. Ela olha pra mim, meio assustada.

— Está se sentindo bem? — Pergunta preocupada. Dou de ombros e me inclino em direção a tela. Ela sorri e me entrega. — Está ficando assim, vamos ter que marcar outro encontro para terminar de pintar e fazer os detalhes.

Eu, novamente, fico impressionado com o seu talento. Não entendo o porque de esconder tudo isso, sei que se começasse a mostrar ia se dar muito bem.

— Por que desenha? — Entrego a tela e olho o rosto de Lili. Ela respira fundo e fica tensa. — Se não quiser falar...

— Antes de conhecer a Nessa, aqui nessa escola mesmo, ninguém falava comigo. Ninguém mesmo. Eu tinha 7 anos, era nova, meu pai dava aula de biologia para os adolescentes do ensino médio... foi um ano difícil. — Não posso imaginar em quão ruim pode ter sido esse ano para ela, na verdade nunca tinha prestado atenção nesse tipo de coisa. — A gente já tinha aula de artes nessa época, três vezes na semana, eu me apaguei a arte desde então. Pintar, desenhar, criar imagens virou meu porto seguro, até Nessa chegar no quarto ano.

— Uau... — Ela concorda.

— Como nesse ano que fiquei sozinha, todo mundo achou que eu era estranha, só porque gostava de arte e ficava sozinha a maior parte do tempo, e como crianças podem ser bem malvadas, sou conhecida assim. — Inclino a cabeça quando escuto a voz de Lili fica trêmula. Seguro sua mão em baixo da mesa. Ela olha pra mim e sorri. — Tiera que começou a implicar comigo, na verdade. Só virou essa coisa toda por causa dela. Foi no sétimo ano, eu era diferente dela e de suas amigas. Quando elas já começavam a pensar em namorar, beijar, as milhares de festas que faziam, maquiagem e roupas curta, Tiera falando de você pra cima e pra baixo e eu simplesmente ficava quieta, ela implicou comigo. Com todo respeito mas, ela era, aliás é, insuportável. Você não percebe mas quando ela tem a oportunidade ela fica me lembrando de tudo o que eu passei, tudo por culpa dela! Se não fosse por ela, eu talvez pudesse me sentir mais confortável com metade dessa escola, mas não.

Vejo lágrimas caírem dos olhos de Lili e por instinto aproximo minha cadeira dela e a abraço forte. Ela passa os braços pelos meus ombros e me abraça também. Saber de tudo o que ela passou me deixou mal, enquanto eu ficava me preocupando em conseguir uma namorada ou em parecer o melhor no time de futebol, Lili estava sofrendo nas mãos de Tiera. Aperto os olhos e faço uma carinho em seu cabelo.

Ela se afasta e olha nos meu olhos. Me sinto hipnotizado por seu verde e aproximo meu rosto dela. Ela respira fundo e olha para a minha boca rápido, e depois olha para os meus olhos novamente. Passo minha mão por sua nuca, olhando para sua boca, assim como fez comigo. Ela sorri parecendo nervosa, e depois fechando os olhos. Meus olhos também pesam, e quando eu estava quase grudando nossos lábios o sinal da escola toca, fazendo Lili virar a cabeça para outra direção. Resmungo e coloco minha cabeça no pescoço de Lili, que da uma risadinha e se afasta, começando a guardar seu material.

— Nos vemos na segunda? — Ela se levanta. Concordo, ainda pensando no que teria acontecido se essa merda de sinal não tivesse soado bem na hora. — Certo... eu, ahn... vou indo, tá?

Concordo, ainda em silêncio. Ela olha pra mim por um tempo e depois vai. Eu queria poder me levantar e beija-lá, mas não acho que agora seja o momento certo.

— Lili! — Grito, correndo em sua direção. Ela para e se vira. Olho fundo para seus olhos meio arregalados, sinto minha respiração ofegante e a puxo para perto, a abraçando. Ela me envolve também. — Obrigada.

Beijo sua bochecha, mais perto da boca do que deveria, e saio correndo, tentando ignorar meu estômago de novo.

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as coisas começam a andar a partir de agora....

storm.Where stories live. Discover now