O início de tudo (parte 2)

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O mais alto empurrou o rapaz contra a parede, sem deixar qualquer abertura para ele escapar, continuando:

— Nós te avisamos para não pisar nessa escola de novo, aberração — murmurou o jovem, emanando o forte hálito de cebola. — Quem consegue ter esse cabelo? Isso é... nojento.

Um golpe atingiu a vítima no estômago, fazendo Mael arregalar os olhos ao sentir a garganta secar em instantes pela falta de oxigênio. Sufocado, perdeu o equilíbrio das pernas e caiu no solo. A única coisa que conseguia ver era um sorriso aterrorizante se formar na face adiante, que repetia:

— Você nunca deveria ter nascido! Monstro! Por sua culpa que todos morrem e ficam doentes!

— Isso... não é verdade.

Ele novamente foi golpeado, sendo obrigado a segurar o estômago pela dor fulminante que se espalhava pelo corpo. Sua testa suada o obrigou a conseguir ar com a boca aberta, mas esse ato era torturante, similar à ideia prolongada de ser rasgado por dentro.

— Você é o mal dessa vida! — gritava o colega. — Merece morrer!

— Nã- Não sou...

— Ainda diz isso? Vou mostrar onde é o seu lugar.

O violento estudante parou o ataque ao sentir algo tocando o seu ombro e olhou, avistando uma mão o segurando, que ao caminhar pela extensão do estranho braço se deparou com um homem de cabelos de fogo e olhos castanhos, dizendo:

-—Saiam daqui antes que ganhem outra advertência.

O trio concordou de imediato com o mais velho e apressaram os passos para fora do corredor, abandonando sua presa que agradecia por ele ter aparecido - ainda que sua dor não o deixasse dizer em palavras - ou estaria em apuros incomparáveis.

O jovem se assustou ao ver a mão diante de si, vagando os olhos pela roupa formal social que realçava a beleza do companheiro. Não era atoa que existiam boatos de que algumas meninas se arriscavam a reprovar apenas para ter mais um ano de aula com ele.

Ciente de quem era, o rapaz segurou a mão do professor, que o ajudou a se levantar.

— Deveria tomar mais cuidado com eles. Não é a primeira vez que fazem isso com você — o mais velho disse. — Por que não avisa para a coordenação?

— A coordenação já sabe disso, mas não adiantou nada. Eles me conhecem desde a creche, sabem onde moro. Já estou acostumado com isso.

— Acostumado a ser humilhado? Deveria procurar algum psicólogo. Pensar assim não é bom, muito menos saudável.

— Eu sei, mas não acho que isso vai resolver os meus problemas.

— Então resolva. Não fuja usando outras coisas como desculpa.

Mael mirou para o professor imediatamente, estranhando a fala dele.

— Você não está assim apenas por causa do seu cabelo, está? — questionou o professor, não recebendo uma resposta do aluno que temia que o mais velho soubesse mais do que o necessário. — Como está o Luca? Soube que ele ficou com uma menina incrível. Sorte, não? Mudar de escola e ainda namorar com a menina mais popular da escola. É uma pena que nem todos tenham essa sorte.

— Sorte? Não chamaria isso. Ela é só uma menina normal. Tudo bem que é rica e linda, mas e daí? Ele por acaso conhece ela? Só idiotas pensam que a beleza vale mais que o sentimento.

Mael fechou os olhos com força ao perceber que tinha dito demais. Lentamente, mostrou as esferas receosas e mirou para o homem imaginando-o espantado, segurando-se para não dar-lhe uma advertência, mas se surpreendeu ao notar que o mesmo continuava sereno.

O profissional tocou o ombro do aluno e o apertou sutilmente, mostrando um gentil sorriso.

— A culpa não é da menina, Mael, e sim de quem fez.

O garoto assistiu as costas do adulto se afastar, repetindo a fala que ouvira diversas vezes na mente. Em seguida, apertou a alça da bolsa com força, na esperança que assim a dor de seu peito sumisse com o ardor da palma. As lembranças eram sufocantes. Dolorosas demais. 

Sem conseguir permanecer no mesmo lugar, apressou os passos para fora daquele corredor, atravessando o longo caminho rapidamente, alcançando os portões da liberdade escolar para seguir até a sua moradia.

— Filho, o que está fazendo aqui em casa tão cedo?

O rapaz ignorou a mãe com as sacolas de compras e passou pela porta aberta, correndo em direção ao quarto sem exitar. Jogou o pesado corpo na cama e enterrou o rosto no travesseiro.

Não queria saber de mais nada. 

Perguntava-se: "Por que isso teve que acontecer comigo? O que fiz para merecer isso?". Não importava quantas vezes questionasse, a única resposta que tinha eram as lágrimas que corriam pelo seu rosto. Era doloroso olhar para o passado e perceber que era insignificante, mas o pior era saber que estava sozinho. Ninguém o entendia. Ninguém poderia lhe ajudar.

Uma batida na porta ecoou dentro do ambiente, mas nenhum barulho foi pronunciado pelo o rapaz que se escondia ainda mais no interior do travesseiro plumoso. Não queria ver a mãe agora e desejava que ela entendesse isso e lhe desse privacidade, e assim ela fez, dando uma última batida até deixar a porta sem pronunciar qualquer som.

Mael estava triste por tê-la ignorado, por pensar que possivelmente seria o culpado de suas lágrimas, mas não tinha forças para explicar, sequer conseguia pensar. Necessitava ficar a só com os próprios pensamentos e, talvez assim, de alguma forma, percebesse que aqueles sentimentos eram apenas ilusões desde o começo, tal como a dor.

Cansado de chorar, ajeitou-se na cama e mirou o teto, porém seus olhos caíram ao perceber uma estranha figura ao seu lado. Na escrivaninha havia um livro da qual em seguida foi segurado pelas mãos curiosas do menor, reconhecendo o objeto velho que seus pais tanto guardavam de herança.

Seus dedos deslizaram sobre a capa de couro, formando uma curvatura nos lábios do rapaz ao sentir as formas estranhas contra a sua pele.

O polegar caminhou em direção à ponta do livro e o puxou, revelando as páginas. As írises azuis de Mael se arregalaram em desgosto ao avistar as páginas praticamente em branco. As letras estavam claras demais para serem lidas, sequer conseguia decifrar o idioma, e apesar de perceber que nas páginas tinham figuras, estas também estavam demasiadamente gastas. 

O jovem então fechou o livro inútil e se atentou aos detalhes de sua capa. Apesar de ser velho, sua beleza era tentadora, com espessuras e profundidades côncavas diferentes a cada forma. Não tinha mistério algum esperando ser decifrado e nem valor para um museu, ele era apenas velho, como dizia os seus pais.

A Pedra dos SonhosWhere stories live. Discover now