Dimitri

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A aurora dava o ar de sua graça em tons laranja e violeta e eu continuei ali, a correr, alienado ao tempo.

Mantive o ritmo seguindo o trajeto demarcado há muito tempo para as rondas, uma coisa desnecessária já que desde a batalha sombria não havia mais sinal da existência de leviatãs.

Mas era uma maneira de gastar o tempo e evitar agir precipitadamente, precisava por os pensamentos em ordem, pensar de forma mais objetiva, mas a fúria continuava a instar meu caçador a vir à tona, continuava a me fazer enxergar tudo vermelho.

Não estava bravo com Jena, nunca delegaria a ela qualquer culpa, e mesmo sabendo que a ratazana de minha irmãzinha tinha feito de propósito para me causar uma sincope nervosa, também não estava bravo com ela.

Minha raiva era da situação, do maldito lobo que tinha reivindicado a alma de Jena para si quando não tinha esse direito.

Ela tem outro companheiro...

A frase ficava martelando em meus ouvidos, roendo minhas entranhas como ácido. Mas o significado dela para mim era completamente diferente, Jena não tinha outro companheiro, ela foi vítima de uma coisa cruel, aprisionada contra sua vontade, presa pela alma... Uma violação das regras naturais tamanha que não dava para encaixar em nenhum pensamento.

Nunca fui bom para lidar com a raiva, por isso eu precisava ficar longe, gastar energia e pensar sobre toda essa merda.

Pensar que dentre os lobos que tinham costumes semelhantes em relação a união de companheiros existiu um alfa que ofertou Jena aos seus lobos como se fosse um mero pedaço de carne fazia com que a sede de vingança viesse com força.

Mas se vingar de quem? O lobo nem mais existia.

Kinag... Eu sempre tinha ouvido falar sobre ele e suas crueldades, sobre a maneira torta com que ele guiava sua matilha, mas ouvir não era o mesmo que ver.

Em minha tenra idade sombria não pude participar das guerras, no ápice da mesma fui posto a dormir como meio de proteção e só recebi a ordem de sublevação quando apenas focos de batalhas aconteciam, e mesmo nessa época não participei de nada, só me era permitido participar das notícias que chegavam.

Na época eram conversas que muito me interessava e inclusive fascinava. Pois meus irmãos viveram essa época obscura, puderam participar de perto e lutar contra isso enquanto eu, novo demais para tal apenas ouvia o nome dele que era citado muitas vezes, justamente pelo grau de sua crueldade.

Na época quando ele foi derrotado pelo próprio filho me contentei em saber que tal inimigo dos sombrios não mais caminhava na terra. Sentia um tipo de orgulho por meus irmãos terem lutado contra a matilha dele e ficava decepcionado quando eles contavam que a guerra da Supremacia os forçou a uma trégua até eliminar o perigo maior para as raças que eram os leviatãs.

Então as coisas acalmaram quando as raças assinaram o Tratado.

Tudo isso, as histórias sobre o pai de Laican sempre me enojaram e fascinaram a mesma medida, mas nunca, até agora eu tinha imaginado que eles forçavam o laço de companheiro.

Isso não era muito diferente do que os humanos faziam na época do rei Júlio onde vendiam suas mulheres, leiloando as virgens e negociando as já "usadas".

Não, não era diferente, o que Kinag fazia era desrespeitoso e cruel, pois mesmo não vendendo as lobas, ele as oferecia como troféu para seus melhores lobos, como reconhecimento por sua lealdade.

A desculpa para começar essa prática? Havia menos chances de se encontrar companheiros, porque a guerra reduziu a raça Lican para menos da metade, era isso o que o pai de Laican dizia.

Tratado dos Párias - Supremo Alfa.Where stories live. Discover now