Um recomeço...

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Já conta dois dias desde que saí pela última vez, toda aquela reflexão me fez ter uma recaída, a liberdade que no primeiro dia parecia maravilhosa, agora me lembrava de uma gaiola um pouco mais bonita que a primeira. Mas isso era a minha parte derrotada que resmungava ainda conseguindo certa influência sobre mim. Eu tinha ciência disso, e mesmo assim não tinha vontade de levantar, mas eu preciso...

Mais um pouco nessa cama e vou enlouquecer novamente, porque há o sonho que não me deixa dormir tranquila, que me fez acordar suada e ansiosa, com a sensação de que deixei alguém para trás. Nesses dois dias, tive o mesmo sonho todas as vezes que peguei no sono, e sempre começa da mesma forma, em uma floresta prateada, então ouço um lamento distante e sigo para essa direção, mas ao dar o terceiro passo a floresta se desvanece e eu desperto. É estranho, mas é como se não eu estivesse pronta para adentrar aquela floresta prateada, como se faltasse algo para me permitir andar por ela.

Eu queria que o sonho evoluísse, queria poder ver quem lamenta com tanta angústia, mas não posso mais ficar na cama esperando a conclusão de um sonho, eu preciso voltar a realidade.

Com um suspiro desanimado arrasto meu corpo para fora da cama e olho para a água que foi colocada na tina de banho. Com certeza fizeram enquanto eu dormia, penso no quanto eu devia estar frágil e a mercê de qualquer mão, porém não me fizeram nada, somente preparam tudo para quando eu acordasse. E isso pesa um pouco mais na minha consciência já abarrotada de culpa, pois pessoas que eu nem conheço estão tentando de tudo para me ver melhor e eu devo me esforçar um pouco mais.

A água ainda está limpa, e entrar nela dá uma sensação de prazer, faz muito calor aqui.

Após o banho o espelho novamente me incita a ficar de frente a ele. Não resisto e seguro o lençol com determinação, mas antes de puxá-la eu vacilo e o mantenho no lugar.

Eu já sei que é uma tolice pensar que minhas cicatrizes sumiriam com o esfregar de uma esponja, mas todas as vezes que esfrego minha pele eu teimo em repetir o processo várias vezes na esperança de que ela se gaste e volte a ficar lisa.

Resignada com minha compulsão por sofrer eu puxo o tecido e me encaro no espelho, busco a amenização dos riscos e não encontro, tudo continua como sempre. Visível e feio, fino e branco.

Como sempre, faço uma trança e ela caí pesada quando solto. Escolho um vestido simples e fresco, e finalmente saio do quarto para enfrentar mais um dia.

Rumo para o quiosque no centro da pracinha e monto o cavalete, e então começo a me animar.

Aqui fora podendo observá-los, mesmo que de longe, é melhor para conseguir recriar o que vejo.

Os corpos estão pela metade, o resto encobri com a água do lago, os cabelos encobrindo os seios, ainda é uma pintura um tanto extravagante, mas no geral, está ficando bonito.

— Muito interessante.

Tive um sobressalto com a voz repentina. Estava distraída.

— Desculpe assustá-la, mas hoje gostaria de te pedir que se sente um pouco comigo, que me dê agracie com uma conversa sem falas platônicas.

Hesito, não quero ofendê-lo, mas também não quero ser enganada por minha falta de conhecimento com os costumes do lugar. Talvez se eu mantiver a distância, não dê a entender que por causa do meu passado eu posso ser usada quando bem entenderem.

Ele parece compreender minha relutância. Aponta para o muro. — É uma vila simples, mas vê? É seguro.

Sem saber o que dizer, e ansiosa para ele saber que eu já me sinto segura aqui, assinto em concordância e seus olhos suavizam.

Tratado dos Párias - Supremo Alfa.Where stories live. Discover now