Se descobrindo

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Após dois longos dias de tentativas e desistências finalmente eu tinha conseguido atravessar a larga estrada e chegar à pracinha.

Para outros poderia ser algo comum e rotineiro, mas para mim foi necessário um enorme esforço e um soma enorme de coragem.

Tanto que quando sentei no banquinho precisei de alguns minutos para me recompor, meu coração estava disparado e minhas pernas não paravam de tremer.

A aventura me fez soltar um suspiro quase desesperado e por fim quando me dei conta do enorme passo que tinha dado, fiquei exultante, pois era uma pequena, mas significativa vitória, pois foi ali, ainda tentando controlar a agitação dentro de mim que acabei por descobrir que não existe melhor maneira de vencer os pequenos demônios, o jeito é ignorar o temor e enfrentá-los.

Foi o que acabei fazendo várias vezes, primeiro foi vencer a vontade de correr para a casa, a sensação de exposição era aterradora, então me forcei a permanecer no banco, depois foi forçar minha cabeça a levantar e olhar para os lados, e essa foi minha segunda maior vitória pois consegui enfrentar olhares curiosos em minha direção sem sucumbir a vontade de baixar os olhos, claro que eles ajudaram, pois se tivessem se aproximado não sei o que eu teria feito, talvez eu tivesse corrido para casa.

Mas depois desse primeiro dia ficou mais fácil. Já não era tão terrível atravessar a estrada e chegar à praça e para manter uma rotina passei a trazer comigo cavalete e tintas, materiais que estavam no quarto quando cheguei e que foram muito úteis para me ajudar a alienar do medo, entretanto só consegui segurar o pincel com firmeza após dois dias, pois só então minhas mãos pararam de tremer a qualquer aparição de um morador da vila.

E mesmo agora, quase uma semana depois, o excesso de pessoas passando, me observando ainda me perturba e é por isso que continuo voltando, porque sei que ficará mais fácil se eu continuar a insistir.

Porém me sinto mais forte, pois estou lutando só, compreendo as coisas a minha volta por conta própria então, embora mais lento o progresso, a certeza de que dessa vez eu vou poder viver minha vida se torna mais sólida.

Bato o pincel na paleta escolhendo a cor azul, mas antes de pincelar qualquer coisa minha mão vacila quando percebo que o insistente líder da vila está se aproximando.

Parece que ele me vê como uma missão, pois só me deu paz para curtir a pracinha sozinha no primeiro dia. No outro ele apenas esperou eu preparar tudo para pintar e então apareceu, se apresentou e me chamou pelo nome, em seguida sentou e ficou fuçando o cesto de tintas, desde então não falhou um dia em aparecer.

_ Celina.

Novamente ele começa seu ritual da amizade. Agora que chamou meu nome ele vai esticar o pescoço para ver o progresso de minha pintura, então vai sentar no banco e arrumar as mãos placidamente no colo, sei que não vai durar muito porque parece que ele não consegue ficar sem fuçar o cesto.

Finjo não ouvir seu chamado na esperança que ele desista de mim e vá embora, mas começo a achar que ele não é muito astuto com sinais sutis. Na verdade, não me importo de tê-lo por perto, é essa insistência dele em conversar que me deixa ansiosa, pois falar é um demônio que ainda não exorcizei, mesmo que eu sinta vontade de tentar, pois assim eu poderia lhe fazer perguntas sobre o povo desse vilarejo.

Se eles sempre estiveram aqui é uma coisa que eu gostaria de saber, porque então ficaria a dúvida ainda maior...

Porque esses humanos se tornaram tão diferentes dos que vivem no reino Humanis? E porque eles não seguiam o código de conduta onde todas as leis baseadas no Tratado dos Párias vigoram?

Eu não conseguia compreender essa isenção de regras, era sabido por todos que as raças sobreviventes deveriam, por lei seguir as leis do Tratado e desde sempre humanos deveriam seguir o código de conduta Humanis, e aqui... nada disso acontece, as mulheres... elas têm liberdade, até mesmo as casadas.

Tratado dos Párias - Supremo Alfa.On viuen les histories. Descobreix ara