Abstinência

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Celina

Calafrios percorriam minha pele, meu corpo estava dolorido, eu tinha sentido calor a maior parte do tempo, mas agora o frio me atormentava. Muito frio e mesmo enregelada e tremendo sentia meu corpo molhado, eu estava suando profusamente.

Implorei para que me dessem a bebida doce que me fazia sonhar e esquecer que eu só estava me escondendo para não sofrer mais, no entanto eu tinha a consciência, ainda que esmagada por vários pensamentos desconexos, de que fazia algum tempo que não recebia a dose calmante da qual eu dependia para não sofrer.

Estranhamente essa dependência me fazia pensar em minha mãe. Desde de pequena eu percebia que ela era instável, e sempre culpei papai por isso, mesmo que na época eu não visse nada demais, ele não a feria fisicamente, mas mentalmente ele a atormentava e por isso, eu nunca, enquanto eu mesma era normal, a vi ter um dia de paz. Ela tentava, disfarçava, mas era assombrada por fantasmas.

Mas, ainda assim, ela estava estranha, mais do que o normal.

Antes ela dizia "Volte Celi" e eu tentava e me agitava e chorava e então ela me dava a bebida levemente doce enquanto pedia para que eu me acalmasse e eu me acalmava assim que bebia.

Mas depois de um tempo, quando eu tentava voltar, ela dizia "Não, por favor não." e então a bebida ficou mais doce e ainda mais doce e com isso eu parei de tentar voltar porque era mais fácil não tentar.

Essas lembranças chegavam sem aviso e iam embora sem dar adeus, era uma tortura lembrar tanta coisa e não ter noção de quando aconteceu.

E mesmo que o tempo fosse confuso eu sabia que o que acontecia comigo não tinha relação com as lembranças que chegavam. No entanto, a batalha era semelhante.

Todas as vezes que tentei reclamar, pedir ajuda, Tiago apareceu, mas nunca me ajudou, porque não entendia que meu choro era um pedido por socorro.

E o mesmo acontecia agora, ninguém parecia entender que eu pedia socorro, que eu precisava da bebida para continuar viva, porque eu não podia viver sem ela. Eu sentia isso dentro de mim, eu estava morrendo, sabia que estava, meu corpo sofria tanto que eu tinha certeza que iria falhar a qualquer momento, meu coração estava cansado demais e podia parar, pois estava se esforçando demais para bater rapidamente.

Meu corpo não estava suportando suar tanto e ficar quente por tanto tempo, eu não conseguia mais continuar, precisava da bebida como precisava de ar, mas eu já sabia que não me dariam, pois não me deram quando chorei, nem quando gritei, nem quando implorei.

Eu não conseguia entender porque tudo para mim era assim, porque todos que se aproximavam me faziam sofrer.

Não era possível que minha vida não tivesse significado, tinha que significar algo mais do que sofrer. Devia ser um daqueles carmas femininos que o monge cristão vivia a dizer que acontecia, que éramos amaldiçoadas por isso estávamos fadadas a vir ao mundo somente para pelejar nas mãos de tantas pessoas.

Antes eu sabia quem eram os que me infligiam dor, mas agora eu não sabia de nada, nem mesmo tinha a mínima ideia de como vim parar aqui.

Quem eram esses afinal? Porque estavam a fazer isso comigo? O que fiz a eles?

Nada... Isso eu sabia, não fiz nada para eles, aliás, nunca fiz mal a ninguém que me fez mal, essa era a parte mais triste. Existem humanos fazem outros sofrer simplesmente porque gostam disso.

***

— Deixe-a aí nessa esteira. Celeste vai me ajudar a banhá-la.

— Limpou essa banheira, Jena? Tenho certeza que ela está aí desde a guerra da Supremacia.

Tratado dos Párias - Supremo Alfa.Where stories live. Discover now