Ritual da Lua Sangrenta- Parte 2

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Essa era a primeira vez que eu via alguém de tão avançada idade em uma posição de respeito. Se fosse no reino Humanis ela sequer existiria visto que uma mulher que não tivesse nenhuma utilidade aos homens era entregue ainda viva aos Leviatãs.

Esse destino assombrou minha época de servidão, e não só por causa de meu pai que me torturava com ameaças do tipo, mas também de muitos dos clientes dele e até mesmo de minha mãe que me implorava para obedecer porque não queria me ver ser jogada na prisão dos monstros.

Então aprendi ainda nova que ser útil era um meio de sobrevivência e que a idade era minha pior inimiga.

Por isso senti pela idosa um respeito imediato, ela tinha seu lugar no mundo e mesmo sendo a mulher mais velha que já vi na vida, a energia que desprendia dela era ancestral, vibrante e reverberava por meus ossos.

— Obrigada por se esforçar um pouco mais para ajudar uma pessoa como eu.

Falei subitamente, sem pensar, era como se aquele olhar branco me obrigasse a falar exatamente o que pensava, sem floreios, sem omissões. Eu não queria parecer tão depreciativa, mas não tive forças para lutar contra aquela energia.

A mulher me avaliou com seus olhos cegos. — Eu já vi sua loba, e é justamente de uma pessoa como você que ela precisa. Alguns lobos esperam eras para conseguir fundir sua forma a alma de seu humano. Outros sequer são aceitos de imediato, e para esses é necessário um bom tempo para criarem sintonia, e ainda tem aqueles que são rechaçados antes mesmo de conseguir conhecer seu destinado. Acaba que o pobre lobo se vê obrigado a retornar ao Nemeton, tendo que esperar uma nova chance, um novo humano ser destinado a eles.

Engoli em seco pensando no quão bom teria sido ter descoberto que tinha uma loba antes, quando meu pai era vivo, pois então eu não teria esperado e rezado tanto para que ele morresse logo, eu mesma o teria matado porque teria força para fazê-lo.

O pensamento me incomodou terrivelmente e achei por bem fazer algo para suplantar esse lado cruel dentro de mim. Não encontrei outra coisa senão fazer perguntas.

— Como dá para saber quando um humano é destinado a um lobo?

A mulher deixou um lado dos lábios enrugados subir na ameaça de um sorriso, tive a sensação que ela conseguia ler cada sílaba dos meus pensamentos.

— Todos os lobos no Nemeton são pares. Quando um encontra seu humano, ele deixa para trás seu par. Ambos ficam separados pelo tempo que for necessário, mas é algo natural, eles vão se reencontrar porque se um veio outro virá, quando um humano nasce com um lobo destinado, outro humano em algum lugar mesmo que distante, também já foi escolhido para trazer seu par.

— E como se encontram?

— Primeiro com um pouco de sorte, e quando isso acontece, o instinto faz o trabalho através do cheiro, da energia liberada pelo humano, do brilho nos olhos, está tudo ali, o par reconhece. A isso chamamos impressão de alma.

Tinha perguntas aos montes que queria fazer, mas emudeci quando ela fechou os olhos e levantou o rosto para o céu no momento que um facho de luar rosado e mais intenso banhou o seu rosto.

Estranhando a cor da luz emitida olhei para cima e fiquei fascinada, nunca a tinha visto a lua tão avermelhada, tão grande e parecia mais perto, como se tivesse se aproximado somente para espiar o que acontecia no interior da torre.

— Tire essa roupa para que a lua possa saudá-la. O momento chegou.

De cabeça baixa e constrangida eu o fiz de uma vez para não perder a coragem. Quando nada mais de pano restava para me cobrir apertei os lábios e puxei o ar pelo nariz.

Tratado dos Párias - Supremo Alfa.Where stories live. Discover now