Primeiros dias

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Novamente o sonho, o pedido de ajuda.

Percebi que podia ir mais longe, que três passos não era mais o limite, mas antes que meu avanço fosse significativo a relva se desvaneceu sobre os meus pés e eu despertei sobressaltada sentindo um aperto no peito.

O sonho estava mais nítido, mais completo, era como se de verdade, eu estivesse naquela floresta prateada, como se eu pudesse sentir até mesmo o cheiro de orvalho e ouvir o barulho do vento a castigar as árvores. E aquele uivo...

Seria possível que fosse minha loba me chamando? Que fosse ela tentando se aproximar?

Não dava para saber, mas tinha a ver com lobo e por isso eu me sentia um pouco ansiosa, e até mesmo esperançosa. Tinha uma estranha certeza de que o sonho só iria embora quando eu finalmente conseguisse me aproximar do lobo que chamava.

Com a mente nublada e ainda inebriada pela sensação ruim de ser arrancada do próprio sonho olhei para a janela aberta, senti a brisa cheia de aromas chegar.

Era uma simples janela aberta, mas estava cheia de significado para mim, pois essa amplitude de espaço, com a possibilidade de correr, andar e me aventurar por qualquer lado sem nenhum tipo de restrição... Era uma reviravolta e tanto.

Não havia mais harém, nem muros e principalmente não havia um castelo com um tirano dentro.

Sentia uma imensa gratidão pelo povo Lican, pela liberdade que me ofereciam, porém ainda tinha a sensação de ter recebido uma mesa farta quando roguei por um prato mais cheio e então eu estava com receio de não aguentar comer tudo o que era oferecido.

Até então parecia simples deixar o humano de lado e recomeçar como uma Lican, mas a verdade é que eu era uma novata que sequer compreendia os costumes lupinos e por isso me sentia um peixe fora do lago, ainda tentando descobrir como respirar, como me adaptar.

Já fazia dois dias desde o ritual. No primeiro dormi como uma pedra, não vi quando fui trazida para a vila e mesmo aqui dormi uma boa quantia, despertando vez ou outra quando vinham me ver.

Nunca antes dormi tão bem, sem pesadelos, sem tormentos do passado, somente fechar os olhos e acordar, mas já estava cansada de ficar na cama.

Fora o sono pesado nada em mim tinha mudado, eu tinha procurado qualquer coisa, qualquer diferença por mais tênue que fosse, mas eu continuava a mesma.

Porém o ritual era uma realidade, e mesmo que nenhuma loba tivesse tomado meu corpo, as cicatrizes não mentiam e meu corpo e mente também não. Eu estava entre os Licans, estava, segundo Jena em um tipo de transição, uma mudança singela que viria aos poucos e sua velocidade seria de acordo com meu progresso interior.

Eu tinha entendido a maioria das coisas, só não sabia como a loba ia se manifestar, mas torcia para que acontecesse logo, somente para ter certeza que tudo tinha corrido como devia naquele ritual.

— Celi?

Distraída em minhas ruminações costumeiras não percebi o dia mais claro, nem mesmo os passos de Jena que apontou a cabeça na porta fazendo seu cabelo rubro cair em cascata, tinha um sorriso no rosto, mas uma ruga de preocupação marcava a junção das sobrancelhas, ela tinha problemas, e não sabia disfarçar tão bem.

Eu poderia dizer que era por causa da idade, mas depois desses dias entre eles eu já não me enganava pela aparência jovem, havia muita idade naqueles olhos verdes e mais uma vez me perguntei quantos anos ela tinha.

— Vamos comer garota, está pronto.

Sensibilizada com aquele olhar triste dela e sem saber como ajudá-la com isso, ofereci um sorriso amigo e na mesma hora a expressão dela suavizou como se aceitasse minha oferta.

No reino Humanis oferecer um sorriso para uma mulher era o mesmo que oferecer uma arma para começar uma briga, não se podia almejar receber um sorriso amigo em resposta, não quando todas disputavam com todas.

Sentindo uma súbita alegria, pois a cada dia fica mais fácil, mais gostoso levantar e sair pela porta, lavei o rosto e me vesti rapidamente, tudo isso sem deixar o sorriso morrer.

Começava a sentir câimbras com o gesto já que minha bochecha não estava treinada para isso, mas não conseguia evitar, essa era a primeira vez na minha vida que podia caminhar rumo ao novo sem ser empurrada por ninguém.

Estavam me dando tempo sem me apressar com nada e isso tudo isso estava engordando meu coração desnutrido.

Ao sair do quarto encontrei Jena me esperando no corredor, com os braços cruzados encobrindo parcialmente os seios firmes e pequenos.

— Vamos menina, até parece que não está com fome.

Com uma energia de fazer inveja Jena me segurou pela mão e me rebocou para fora.

Assim que alcançamos a estradinha o cheiro de carne chamuscando aguçou minha fome ao ponto de me fazer salivar.

As meninas ao longe acenaram assanhadas me chamando para me juntar a elas. Um gesto amistoso que fez com que meu apetite e minha alegria aumentassem na mesma proporção.

Com a ajuda delas eu ia conseguir abandonar os costumes que segui por quase trinta anos.

Jena me encarou por cima dos ombros e ensaiou um sorriso. — Seu cheiro mudou. Primeira vez que sinto cheiro de alegria em você.

Achei estranho saber que meu corpo era um delator, esconder algo quando o cheiro me denunciaria parecia até uma bobagem, mas já que guardar segredo entre os lobos parecia algo impossível achei por bem começar a agir como se eu já fizesse parte de tudo há muito tempo.

— Bom, quanto a isso não sei o que responder, por hora o único cheiro que sinto é de carne assada.

— Fazendo piada, hein. Eu gosto disso.

Acabei sorrindo porque descobria que também gostava disso. Não tinha como ficar indiferente ao jeito deles.

Ao seu modo, foram gentis desde o início e mais uma vez agradeci mentalmente essa gentileza, pois esse tipo de coisa eu não via com frequência entre os humanos. A camaradagem entre eles era basicamente era uma lenda.

Mas aqui existia, e a primeira coisa que Jena havia dito é que minha integração poderia demorar, mas eu tinha esperanças e começava a querer falar mais, conversar, conhecer...

Devolver o esforço deles me esforçando para me tornar uma Lican de verdade.

Devolver o esforço deles me esforçando para me tornar uma Lican de verdade

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Ai gente, obrigada por esperarem, olha só um cap para vocês. Curto, mas... Apesar de não oferecer muita informação, é aquele coringa, tá bom? Beijinhos. 


Tratado dos Párias - Supremo Alfa.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora