Vento guia

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   Andamos em sincronia, num silêncio absoluto e não demorou muito para o nosso grupo se afastar consideravelmente da fronteira do nosso território - seu cheiro de folhas de bordo e grama molhada, não alcança mais as minhas narinas.    

Meu coração se aperta, de novo, ao pensar que deixei Tikani e Azul por um tempo.

Quando uma coruja retorna da sua procura por inimigos, que por sorte ainda não damos de cara com nenhum deles, outra parte imediatamente.

Uma delas havia dito que um pequeno grupo de caça - formado por lobos brancos, estava rondando mais ao leste, e que se fossemos rápidas, não sentirão o nosso cheiro.

- Ainda bem que o clima está ao nosso favor, por enquanto - Suindara fala depois de um longo bocejo, que pensei que seu bico se partiria em dois. - está chegando a minha vez.

- Sim, a chuva pode nos atrasar um pouco, mas vai apagar nossos rastros e dispersar nosso cheiro. - Tepi responde com a voz baixa e pela sua expressão parece estar um pouco mais relaxada, seu nervosismo está passando.

Apenas assinto, minha atenção está voltada para Dikeledi e Kaia, as duas trocam algumas palavras de vez em quando, mas falam tão baixo que não consigo entender nenhuma. Kaia olha de soslaio para mim algumas vezes, ignoro esses olhares, ela parece um filhote curioso.

Talvez Dikeledi tenha lhe contado sobre eu ser especial.

Um vento forte indo para a mesma direção que nós, bagunça nossos pelos e quando olho de relance para cima, vejo as nuvens cinzas sendo levadas por ele, tapando a luz do Sol, que estava tão brilhante e morno esta manhã.

O som das hastes de capim secas, sendo balançadas, parecem esconder uma armadilha, como se algo fosse atacar a qualquer momento.

Ignoro este pensamento e aproveito meu tempo para organizar outros pensamentos - que talvez não sejam tão bons e que eu os dispensei por muito tempo.

Deixo minhas orelhas atentas aos ruídos ao longo do caminho, o focinho aos cheiros, os olhos nos meus passos e mergulho na minha mente.

 Se é que é possível, prestar atenção em algo enquanto sua cabeça está divagando.

Talvez eu possa começar a organizá-los desde aquele incidente com o alce, quando comecei a ver o corvo sem motivo aparente, aquilo foi assustador, mas de alguma forma ele me salvou, quase me matando do coração em seguida, mas me salvou da morte e graças a isso Nanook está vivo também, graças ao meu instinto - que segundo Dikeledi, me torna uma guardiã, logo depois disso, assim que fui conversar com Sune, ele me chamou de especial.

E ainda consegui ver um ancestral.

Talvez eu não seja nenhuma dessas coisas, talvez eu esteja ficando louca.

Talvez...

É tudo verdade.

Meus pelos se arrepiam assim que escuto a resposta e me dou conta de quem é o dono da voz.

- Corvo... - sussurro, as palavras sendo levadas pelo vento na esperança de que ele possa ouvir e meu espanto se dissipando como vapor.

- O que ele está fazendo aqui? - Suindara pergunta para mim, no mesmo tom de voz baixo que usei para sussurrar.

- Não faço ideia. - respondo e me obrigo a olhar para cima.

O corvo paira no céu, muito acima de nós, as nuvens agora, mais escuras, conseguem deixar suas penas de um preto infinito, é como olhar para um poço sem fundo.

RakshaWhere stories live. Discover now