Noite adentro

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Respirei fundo, tentando, inutilmente,
esquecer a dor do meu ferimento.
O vento balança os pelos das minhas orelhas, e atravessa a cicatriz.
Os pequenos pássaros do campo, já estavam aninhados nas árvores que começavam a surgir, formando um bosque.
Tikani olha o tempo todo para mim.
Ele não vai ficar calado por muito tempo. Seu humor melhorou, está calmo e não parece mais triste.
A luz da lua atravessa os galhos e as folhas deixando todo o ambiente iluminado por sua luz cinza.
O Corvo e a coruja desviam habilmente dos galhos
e voam mais baixo.
Ando olhando para minhas garras, não estou triste agora, não posso ficar triste por deixar minha mãe, já a deixei uma vez, não entendo o porque
de estar sentindo isso.
- Ei. - a voz de Tikani me chama, ele parou de andar e está olhando para mim. - Por que está assim?
- Assim como?
- Parece estar desanimada.
- Eu... - não quero falar, apenas abaixo a cabeça e espero que ele diga algo.
- Venha aqui, ande ao meu lado, você está quieta demais. - sua voz é baixa e gentil.
Não percebi que estava um pouco afastada dele.
Muito afastada...
- Já vou. - o respondo dando alguns passos e ficando ao seu lado.
O som dos grilos chega a ser irritante, eu e Tikani escutamos algo...
- Deve ser um coiote... - ele fala mexendo as orelhas tentando descobrir o local
de onde está vindo o som. Faço o mesmo.
Suindara pousa em minhas costas e sussurra:
- São quatro coiotes, estão devorando uma grande carcaça.
Nos entreolhamos.
- Está com fome? Eu estou faminto. - Tikani fala e logo em seguida lambe o focinho.
Sinto meu estômago se contorcer, estava tão distraída com meus pensamentos que não senti fome.
- Estou sim, vamos. - falo com a voz um pouco mais animada.
- Por aqui. - a coruja diz abrindo suas asas e dando um grito ensurdecedor.
Aiii... por que ela fez isso?
Não interessa, consciência, o que importa é que achamos comida,
embora eu ache que quatro coiotes iram dar trabalho.
- Tikani, minha pata... é melhor você ir primeiro.
Porcaria...
Ele olha para mim com uma cara de indecisão.
- Mas... como vai chegar lá? Da última vez que te deixei sozinha acabou machucada. - seus olhos observam a minha pata.
- Sigo o seu rastro, além do mais, o Corvo sempre está comigo. - não sei onde ele está agora... mas aquele pássaro velho sempre aparece do nada, deve estar mais próximo que eu imagino.
- O que está esperando? Vá! - gritei para ele que apenas resmungou algo que não consegui entender e correu.
Agora é minha vez de tentar andar rápido.
A cada passo que dou amaldiçou aqueles lobos miseráveis que fizeram isso comigo e torço para que essas feridas cicatrizem o mais rápido possível.
Abaixo a cabeça para farejar o rastro de Tikani com mais precisão.
Mais alguns passos e ouço rosnados.
Me apresso... ou pelo menos tento me apressar e chego ao local onde a carcaça, Tikani e quatro coiotes com os pelos eriçados estão.
É a carcaça de um jovem alce, as costelas já sem pulmões e com os intestinos espalhados pelo chão.
Tikani levanta a orelha e percebo que ele notou minha presença, rosna para um dos coiotes que tenta se aproximar demais.
Ando até ele, tentando não deixar que os coiotes vejam minha pata machucada. Mostro os dentes para eles, que recuam mais.
Apesar de serem pequenos ainda podem causar problemas.
- Miseráveis! - o maior coiote rosna.
Tikani não liga para seu rosnado e começa a procurar por um pedaço de carne.
- Vamos desistir? - um deles pergunta.
- Vamos esperar. - o que aparenta ser mais velho e experiente diz.
Por um breve momento me lembro daquele dia em que esperei os lobos terminarem de comer enquanto eu me tremia de fome, não quero que eles sintam isso.
Estão com os focinhos entupidos de sangue, já comeram o suficiente...
Boa observação, consciência, eu também preciso me alimentar.
Arranco os músculos que restaram em suas patas dianteiras e os engulo rapidamente.
O carne está impregnada com o odor dos coiotes.
Os coiotes se afastam e observam, nos lançado olhares hostis, algum lobo deve ter matado esse alce, nenhum deles é capaz de fazer isso.
O Corvo apareceu, arranca um dos olhos já sem vida do alce morto e o engole.
Tikani está roendo as vértebras do alce, enquanto eu tento tirar a carne que fivou presa entre os ossos.
- Já acabaram? - um dos coiotes pergunta num tom de voz raivoso, enquanto o mais velho olha diretamente para mim.
- Não, e acho melhor você ficar calado antes que eu o deixe igualzinho a essa carcaça. - Tikani rosna, toda sua cara esta coberta de sangue.
- O inverno foi difícil para você, não foi loba? - o menor e que aparenta ser o mais novo do pequeno grupo me pergunta.
- Foi sim. - falo com a voz ríspida.
Não entendo o porque dele ter me perguntando isso, talvez deva estar observando meus ossos à mostra.
Ainda estou magra demais.

Comemos o suficiente e logo voltamos a seguir Suindara, ouço ao sair do bosque os coiotes resmungando, olho para o céu e observo as estrelas.
Não me lembro a última vez que parei
para observar o céu durante a noite, é tão lindo.
- Aquele coiote velho quase me mordeu. - Tikani diz sacudindo os pelos caídos. - Está olhando para as estrelas?
- Sim... acho elas mais bonitas que a lua.
- Hmm, eu me lembro de quando levaram meus irmãos, eu observava as estrelas enquanto Kaira dormia dentro da casa, ela sempre adorou ficar lá dentro, dizia que era quentinho, eu preferia ficar sozinho do lado de fora do que ficar lá dentro, mas quando amanhecia ela saia e ficava o dia todo comigo, eramos inseparáveis.
Tikani fala enquanto olha para o céu.
- E a sua mãe? - eu sei que ele não me respondeu naquele dia, mas eu realmente quero saber mais sobre ela.
- Ela já estava morta...
- Ah... como ela era? Qual era o nome dela?
Ele fica calado por um minuto mas logo me responde:
- Liv, e pelo que eu ouvi dos outros cães, ela era muito gentil e alegre. - ele suspira. - E a sua mãe? Não Nerta, mas
a sua mãe verdadeira, sabe algo sobre ela?
- Não, nunca soube nada sobre ela. - ninguém nunca me contou nada, nem o Corvo e nem minha " outra " mãe.
- Nunca me contaram nada.
- Ah, seus olhos estão mais brilhantes hoje. - ele fala.
Involuntariamente mexo as orelhas.
- Ora, seu... - rosno num tom brincalhão.
- Ei, o que foi que eu fiz? - ele sorri e finge estar com medo.
Me alegro ao notar que minha pata está menos dolorida.

O Sol já começava a surgir no horizonte, bocejo, estou cansada.
Suindara novamente pousa em minhas costas e fala:
- Podem parar, continuaremos mais tarde. - Ela estica as asas e desce das minhas costas. - Minhas asas estão doloridas.
Me deito ali mesmo sob a grama, Tikani também, adormeço rapidamente.

Oiiii! Demorei não foi? É que eu estava um pouco desanimada, essas coisas, vou tentar publicar capítulos com mais frequência agora, ok?
2,14 k de visualizações!!! Meu Deus eu não acreditei quando vi isso me digam o que acharam do capítulo😙😙😙 amo vocês!!!

RakshaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora