Olhos azuis

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Corri para longe dali.
Por que corri?
Não sei o motivo.
Será que me seguiram?
Não, estou bem longe daquele lugar.
Me sento embaixo de uma árvore, coloco o pedaço de carne no chão e tento organizar meus pensamentos que estão girando feito loucos na minha cabeça. Até minha fome sumiu,
estou bem nervosa pelo visto, quase nunca perco a fome.
Por que estou nervosa ainda?
Quer uma lista? Aqui sua lista:
•Você foi na toca dos humanos
quase foi pega se não fosse aquela lá, a irmã daquele outro que só te encarava
•você fez besteira
Ah sim, ele só me encarava, talvez seja esse o motivo de que meu coração esteja querendo sair pelas minhas orelhas de tão forte que está pulsando.
Não estou acostumada a ter ninguém me encarando, só quando tentam me matar ou me bater. É, é por isso mesmo. Ele me deixo nervosa me olhando com aqueles olhos azuis que pareciam fractais de gelo.
Respire. Estou respirando querida consciência.
Me acalmo um pouco e resolvo comer a carne, ela tem um aroma bem forte.
O gosto é ótimo, a melhor que já comi.
Pena que acabou logo.
Limpo minhas garras, patas e o meu focinho. Humm...
Que é que eu faço agora? A parte ruim de viver assim sozinha é que eu tenho muito tempo vago e não posso fazer quase nada, bem, como qualquer ser vivo que está passando por um momento tedioso, vou dormir, sim, dormir evita muita coisa.
Espere aí... onde é que o Corvo se meteu de novo? Por que diabos ele some assim? Não me importa vou dormir.
Me deito na neve, me enrolo como um filhote de esquilo. Não assim não vou conseguir dormir. Me estico um pouco. Agora sim. Pego logo no sono.
Acordo com a sensação de algo bem leve caindo sobre mim, está nevando o céu está cinza e eu estou coberta de neve me levanto e me sacudo para tirar os floquinhos de neve, eles caem
levemente sobre o chão. Sabe, quando neva o tempo parece parar e eu fico quieta contemplando, essas coisinhas tão delicadas, mas que quando se juntam são frias o suficiente para matar qualquer coisa, grande ou pequena. Sinto saudades de minha mãe esse é o meu primeiro inverno sem ela desde que decidi me virar sozinha, ela não queria me deixar ir embora. Agora acho que sei o motivo.
É melhor eu procurar um lugar para passar a noite, aquele tronco caído ali é perfeito, chego perto dele e entro está seco, confortável e aconchegante.
Odeio esses dias que são tediosos, eles me fazem pensar na minha vida, que não anda boa, aliás a única época boa da minha vida foi minha infância que foi curta. Ah que saudade de passar a noite ouvindo minha mãe contar histórias de lobos, ursos e corujas enquanto a lua estava alta no céu e o vento uivava do lado de fora da toca, era tão bom, eu não ligava para nada... hoje eu vivo assustada com tudo!
Sinto uma lágrima escorrer, ela cai no chão, observo ela congelar rapidamente.
Não sei se irei sobreviver a outro inverno e nem sei se irei mesmo sobreviver, preciso sair daqui essas terras tem tantos lobos que me odeiam, quanto corvos em uma carniça velha e podre.
Queria saber quem inventou esta história ridícula de que lobos que nascem em noites sem lua devem morrer, é uma idiotice sem tamanho, que mal eu posso fazer? Eu uma loba
solitária, fraca, que rouba restos e de vez em quando caça?
Talvez eu seja muito perigosa e não sei, só pode ser isso.
Por que ainda me deixam viver?
Para me torturar?
São tantas perguntas que eu tenho e poucas respostas. Isso me irrita!
Por que tem de ser assim?!
Durma, seu dia foi cheio, e você está uma pilha de nervos, vá dormir.
Dormir é o só o que me resta mesmo, mas não estou com sono no momento, querida consciência. Minha lágrima se tornou um pedacinho de gelo afiado e azul... azul... azul...
Os olhos azuis daquele, que ele era mesmo?
Um cão dos humanos, esquecida
Sei disso, mas ele era parecido demais com um lobo. Bom, não importa o que ele era, os olhos eram lindos.
Você só reparou nos olhos?
Estava nervosa e o olhar dele era ameaçador queria que eu olhasse para onde? Para o céu?
Ele também era grande
Era, mas que me interessa isso?
Ah, pelo uivo dos ancestrais, no que estou pensando.
Sou interrompida dos meus pensamentos por um bater de asas.
- Corvo? É você? - pergunto, ele leva pouco tempo para responder
- No que estava pensando ao ir lá? Estava louca?- Não estava louca, estava com fome o que é quase a mesma coisa.
- Eles poderiam te matar!- Gritou para mim, ainda estava deitada e não queria me levantar para levar bronca como um filhote remelento que se sujou de terra.
- Ultimamente todos parecem querer minha cabeça... - Falo tentando por um fim nessa conversa - Estou bem, não se preocupe comigo, posso me virar.
Ouço ele inspirar profundamente.
- Está bem. - Diz se ajeitando no galho de alguma árvore próxima- Só quero que saiba de uma coisa.
- Que coisa?
- Eu prometi a sua mãe vigiar você e...- eu o interrompo
- Você me vigiar? Você some a cada dez minutos! E mais, não preciso que ninguém me vigie!- por que preciso ser vigiada? Não sou mais um filhote!
- Você ainda é muito jovem Raksha, não sabe de muitas coisas...
- Então me conte, já que eu não sei.
- Ainda não tem idade para saber.
- Está bem, Corvo. Chega dessa conversa estou cansada.- Dou um longo suspiro - Você parece cansado também. Amanhã terminamos essa conversa?
- Hum, talvez amanhã, talvez...
- Pare de ser misterioso, me irrita profundamente. - ele parece rir disso -
Boa noite.
- Boa noite.- ele fala- sei e vejo muitas coisas Raksha, coisas que você nem imagina serem capazes de existir...
Mais uma de suas frases enigmáticas. Preciso dormir, o sono e o cansaço chegaram, que dia agitado, amanhã penso sobre tudo.
Adormeço olhando para os meus próprios pelos acinzentados e sentindo a neve cair sobre o solo.
Olhos azuis e pelos acinzentados invadem o meu sonho, não são meus pelos mas de um outro alguém que vi hoje.



RakshaWhere stories live. Discover now