Caminho

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A floresta estava escura, mas eu não ligava para isso. Andava lentamente seguindo o bater de asas do Corvo.
Meu ombro está latejando de dor e ainda um pouco de sangue escorre dele e da minha perna.
Estou tentando andar um pouco mais rápido, mas é simplesmente impossível no meu estado.
Minha respiração está descontrolada e tento manter o foco no caminho.
Cambaleio um pouco mais e sinto que vou cair. Paro e tento controlar minhas pernas. Parece funcionar e eu continuo andando.
A dor parece irradiar para todo meu corpo. Só agora percebo que tenho mordidas profundas em outras partes.
Não posso parar.
Agora não.
Mas tenho que tentar recobrar o fôlego.
- Corvo, pare!
- Outra hora, você precisa continuar!
- Não aguento dar mais um passo.-
Ele parece relutante em parar, mas tem piedade de mim. Sento na neve.
- Não temos muito tempo, amanhã ele virá atrás de você, temos que sair daqui o mais rápido possível.
- Para onde vamos?
- Para longe daqui. Onde os ursos fazem suas tocas.
Tento normalizar a minha respiração mas ela se recusa a fazer isso.
Meu ombro está dilacerado, perdi muito sangue. A minha perna está na mesma situação.
Por que tenho de sofrer desse jeito?
Lágrimas parecem querer surgir nos meus olhos, mas eu as repreendo.
Não é hora de seus questionamentos e eu te disse que era perigoso, agora aguente. Continue andando!
Tem razão consciência.
- Mostre o caminho Corvo.- Me levanto fazendo um grande esforço.
Ele nem chega a me responder apenas levanta vôo.
A lua voltou a brilhar, parece estar me dando forças para continuar.
Andei a noite toda. Estou simplesmente exausta.
A luz da manhã começa a se mostrar com seus raios coloridos.
Observo o lugar onde eu cheguei, há um rio já descongelado, árvores esparsas e uma fina neblina cobrindo tudo.
Preciso dormir, e é o que eu faço adormeço com a neblina me envolvendo.
Uma luz muito forte irrita meus olhos e me faz acordar.
O Sol está no meio do horizonte, mais forte que o normal.
Estou toda dolorida, a longa caminhada até esse lugar que eu desconheço, deixou meus músculos tão desgastados quanto os chifres de um carneiro velho.
Ainda estou deitada, mas consigo observar todo o local. Árvores altas, o rio já sem gelo, e a neve se transformando em poças de água expondo a terra gélida por causa do inverno.
Você conseguiu está viva!
Mais um dia!
Será que já cheguei?
- Corvo?- Nenhuma resposta.
- Corvo?- Grito novamente.
Ele responde dessa vez.
- Estou aqui.
- Onde estamos?
- Perto da toca de uma ursa que eu conheço, ela logo despertará de sua hibernação, com seus filhotes.
- Ela não vai tentar me matar?
- Talvez não...
- Talvez?!- pergunto em um sobressalto. Não posso fugir de uma ursa. Nem de nada pra falar a verdade.
- Talvez, mas por hora você deve limpar seus ferimentos.
Ele realmente sabe terminar uma conversa.
O pedaço de pele que estava pendurado no meu ombro secou, como vou tirar isso? Já sei,mas isso vai ser nojento.
- Pode tirar esse pedaço de pele seca do meu ombro? - Pergunto ao Corvo, ele está ciscando o chão e levanta a cabeça para me responder.
- Posso.
Ele começa a mordiscar a pele seca e a arranca sem muita dificuldade. Se eu morrer já sei quem vai comer minha carcaça. Que coisa estranha de se pensar.
Lambo a minha perna. Meu ombro parece estar mais seco que ontem. Termino de me limpar e me levanto lentamente, para beber um pouco de água. Está tão gelada quanto a neve que restou. Sacudo as gotinhas que ficaram no meu focinho.
Se aquele lobo me achar estou perdida, deve estar me procurando a essa hora, só de pensar nisso fico assustada. Não posso ficar muito tempo aqui.
Antes que eu possa pensar em outra coisa um amontoado de neve começa a se mexer. Uma ursa sai de lá, junto com uma bolinha de pelos marron, seu filhote. Ela está magra e seu pelo seco e escuro, não me nota.
O Corvo está lá, como ele conhece uma ursa?
Levanto bem minhas orelhas para poder ouvir a conversa.
- Eyra!
O Corvo é ignorado. Os olhos da ursa me encontram, ela ruge para mim e começa a correr em minha direção.
Começo uma corrida desesperada para dentro da floresta. Ouço seus passos pesados. Minha perna parece travada de dor mas eu não ligo continuo até chegar em um local cheio de árvores caídas e cobertas de neve. Me meto entre as árvores caídas e torço para que ela não me encontre. Não a escuto mais deve ter voltado para seu filhote.
Sinto o cheiro de algo pior que uma ursa enfurecida. Um lobo. Sei que cheiro é esse, de sangue e morte.
É ele.
Meus pelos se arrepiam e sinto o medo e a tensão percorrendo minhas veias.
- Você sobreviveu lobinha? Estou impressionado. - Sua voz invade meus ouvidos, não posso escapar agora.- Pena que você...
- Seu miserável...- Uma nova voz aparece. - Como você ousa tocar em minha irmã?!
- Não estou falando com sua irmã. Mas com a praga que me cegou. - Ele ri e continua seu discurso com... eu conheço essa voz! Tikani! O que será que ele fez com kaira? - Ela é muito bonitinha, a sua irmã. Foi fácil pegar...
O único som que consigo ouvir é um rosnado e a briga começa entre os dois.
Fuja! Agora!
Tenho que ser rápida.
Saio silenciosamente, mas para minha infelicidade ele me vê.
- Onde pensa que vai?
Ele tenta fugir das dentadas de Tikani, mas não consegue, está todo ensanguentado e com a orelha praticamente arrancada. Sorrio para mim mesma, era tudo que precisava ver.
- Não acho que você vai conseguir me pegar agora.- Falo olhando para sua cara nojenta.
- Agora não mas depois quem sabe...
- Vá embora, antes que eu te mate!- Era Tikani e falava no mesmo tom da noite que eu o vi, estava ensanguentado também, mas continuava de pé.
- Cão... se bem que você não parece um cão e sim um lobo... vou embora, pode ficar aqui perdido com esta pulguenta que depois eu vou matar.- Ele segue seu caminho e logo desaparece de vista.
Estou paralisada, o que foi isso que aconteceu agora? Como ele veio parar aqui? O que este infeliz fez com a Kaira? São tantas perguntas. Mas outra hora procuro as respostas.
- Você. - Era Tikani, estava ofegante e cansado. - Conhece aquele lobo?
- Conheço, graças a ele estou com essa ferida. - Aponto com o focinho para o ombro.- O deixei cego.
Falei com um pouco de orgulho na voz. Que coisa estranha para se ter orgulho.
Ele parecia confuso e perdido, então decidi ficar e ver se podia fazer alguma coisa. É melhor eu tentar conversar algo, antes que esse silêncio se torne estranho.
- O que está fazendo aqui?
- Eu o segui, ele... - Sua cara parecia se contorcer de raiva, não termina a frase e me olha. - Conheço você, minha irmã me falou que te viu na floresta.
- Ahh, sim. - Mesmo depois de uma briga ele continua lindo, agora posso vê-lo com calma, seus pelos são volumosos e a cor se parece com a minha, exceto seu rosto é completamente branco, ele é bem maior que eu, parece forte.
Mas no que diabos eu estou pensando?
Concentre-se na conversa.
- Não vai para casa?
- Não, é insuportável ficar lá com aqueles cães velhos.
- E sua irmã?
- Ela vai ficar bem.- Sua voz está baixa nem parece a mesma daquela noite.
Escuto um bater de asas. O Corvo pousa no chão, próximo a mim, Tikani o observa intrigado, como se o conhecesse à algum tempo.
- Ora se não é o cão lobo que eu vi crescer, o que faz aqui?- Então ele é um híbrido! Por isso que o achei diferente. Este pássaro velho conhece toda a floresta pelo visto.
- Porque estava seguindo um lobo, e o que você faz com ela?- Tikani continua o encarando, mas parece estar calmo.
- A acompanho. Raksha, é melhor irmos.- O Corvo olha para mim e aponta para a outra parte da floresta.- Aqui não é o seu lugar volte para casa.
Ele simplesmente o mandou embora, ah não...
- Você pode vir conosco.-
Ele olha para mim e parece estar se decidindo.- Se quiser.
- Onde a sua alcatéia fica?
- Bem... em lugar nenhum, não tenho alcatéia.
- Então eu vou.
Ele aceitou?!
Sim, ele aceitou. Esta foi a conversa mais longa que já tive com outro lobo, ou cão, tanto faz, ele vem comigo. Mal posso acreditar que ele vai me acompanhar...

RakshaWhere stories live. Discover now