trinta e oito

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[MESES DEPOIS]

— O doutor Al-Madini não tem agenda para essa semana. — murmuro, olhando a tabela no computador. — Somente para daqui um mês. Posso agendar? — a mulher do outro lado da linha confirma. — Ok. Marcado para as duas da tarde. Tenha um bom dia.

Desligo o telefone e me empurro para longe daquela tela de computador.

Há meses, quando Ryan disse que tinha uma entrevista para mim, a última coisa que me imaginei fazendo novamente, seria atender ligações. Ainda mais para um massoterapeuta árabe, que mal fala a mesma língua que eu. Mas era o que me fazia sentir útil e me ajudava a pagar os mimos que gostava de me dar.

Meu celular toca e o nome de Ryan brilha na tela. Já eram cinco da tarde e aquela ligação significava que ele estava do lado de fora, a minha espera.

— Estou saindo. — digo, arrumando tudo no lugar, visto que só voltava na segunda. — Um minuto.

— Quer fazer alguma coisa hoje? Um bar? Balada?

Torço o nariz e rio ao mesmo tempo. Ryan era filhinho da mamãe e não saia quase nunca. Então para ele propor aquilo, alguma coisa tinha.

— Depende. — respondo, saindo do consultório. — Você vai encontrar com ela em qual lugar?

Quando saio do prédio, observo Ryan no carro. Ele sorri e balança a cabeça.

— Não tem ela.

— Claro que tem. — digo mais alto e jogo minha bolsa no banco traseiro do carro. — Então se quer que eu vá, vai logo contando.

Ele solta uma risada e da partida no carro.

O olho de lado, quando ele começa a falar sobre Abby, a garota do seu curso de francês. Ryan era um cara incrível. Apesar de ser todo engomadinho, que não gostava de nada errado ou fora do lugar, ele era um ser humano quase perfeito. Afinal, quem não gosta de cachorro-quente, não pode nem ser considerado gente.

Mas em compensação, ele era meu parceiro em tudo. Não teve um amigo de Ryan, que eu não tenha me interessado e ele não me ajudou a conseguir uns beijinhos. Só não passou dos beijos, porque eu não conseguia esquecer John de maneira alguma.

Era obvio que sua aparição em revistas e programas de televisão, não ajudava em nada. Principalmente quando noticiavam que ele estava com alguma nova namorada. Todo mês era a mesma coisa. Saia uma notícia dele com outra mulher e eu me afundava no meio dos cobertores e chorava até dormir.

— E então? — ele pergunta, quando termina de contar como conheceu a tal garota. — Você vai comigo?

— Ela vai levar alguém?

Ryan coça a nuca e balança a cabeça em negativa.

— Você não consegue chamar ninguém?

— Eu não. — digo. — Seus amigos não são para esse tipo de saída. É muito coisa de casal e eu não quero nada disso.

— Ah...

— Eu vou com você. Mas vou ficar sentada no bar, bem longe de toda a energia de encontro que vocês vão emanar.

Com o carro parado no sinal, Ryan solta seu cinto, me envolve em um apertado abraço e beija meu rosto repetidamente.

— Você é a melhor irmã do mundo.

— Eu sei. — me gabo, sorrindo sem parar.

Logo que chegamos em casa, vou diretamente para a cozinha em busca de algo para beliscar. Tinha uma porta ali, que dava para o deck. E por essa porta, eu podia ver que Ingrid estava sentada em uma das espreguiçadeiras que tinha ali fora.

Nós nos falávamos com bastante frequência. Eu compartilhava algumas histórias sobre minha infância ou adolescência e ela me dizia se já tinha ouvido aquilo pelo meu pai.

Descobri que Ingrid sofre de Parkinson. É uma doença neurológica, que causa tremores, lentidão de movimentos, desequilíbrio, além de alterações na fala e na escrita. E quanto mais o tempo passa, pior ela fica. Era quase impossível que Ingrid andasse da sala a cozinha, sem alguém para apoiá-la. Por esse motivo, Ryan e eu decidimos que não seria bom que ela ficasse sozinha e contratamos uma enfermeira.

— Olá, Leona. Ingrid.

As duas olham para mim e sorriem. Ingrid com menos vontade, já que eu não conseguia chamá-la de mãe de nenhum jeito.

— Emma, pode ficar de olho na sua mãe por alguns minutos? Eu preciso...

— Pode ir. — digo, me sentando na espreguiçadeira de onde ela saiu. — Como está hoje?

— Melhor que ontem.

Eu sabia que aquilo era mentira. A cara dela entregava a dor que devia estar sentindo. Mas se tinha algo que Ingrid não fazia, era se deixar abater por nada. E eu admirava aquilo nela.

Me ajeito ao lado dela e olho para o céu ainda azul. Eu seria capaz de cochilar, diante daquele cenário, se não fosse o barulho que vinha da praia.

— O que está acontecendo ali? — pergunto a Ingrid, já me levantando para

— Pelo que entendi, estão gravando uma serie policial.

Havia muitas pessoas na praia. A grande maioria atrás de câmeras. Uma mulher loira estava deitada na areia, com algo que parecia sangue por cima dela. Duas pessoas se aproximam dela e eu sequer preciso apertar a vista para reconhecer uma delas.

— John...

Seguro com mais força, o guarda corpo que me separa da areia. John estava gravando uma serie, bem na frente da casa onde moro. Qual a probabilidade? Com tanta praia em Malibu, ele tinha que gravar exatamente no lugar onde estou?

— Destino. — Ingrid fala.

— O que?

A olho. Ela retira os óculos escuros que usava e me olha.

— O que foi, filha?

— O que você disse?

Ela pisca algumas vezes, com o semblante bastante confuso.

— Eu não disse nada. — diz.

Dou de ombros e torno a olhar para a praia. Fico observando a cena sendo gravada, enquanto mato a saudade de olhar John pessoalmente. Apesar de seu cabelo não estar mais tingido de loiro e sim castanho natural, ele estava ainda mais lindo. Vê-lo ali, só reafirmou o que eu tanto queria negar.

Eu ainda amava John e sentia uma falta absurda dele.

Hotline BlingWhere stories live. Discover now