trinta e sete

60 10 5
                                    


— Eu sei de toda a verdade. Meu pai...

— Seu pai mentiu, Emma.

— Você não ouse desonrar a memória do meu pai! — aponto para ela, cheia de fúria. — Quem você pensa que é, para falar assim dele?

— Ei, gente! — Ryan se aproxima, preocupado. — Não é para ser assim. Não briguem.

— Ryan, nos deixe a sós.

— Mamãe, eu não vou...

— Vai. — ela diz, olhando nos olhos dele. — Eu quero falar com a Emma sozinha. — Ryan não parece querer sair. — Filho, eu estou bem. Juro. Preciso ter essa conversa com a sua irmã.

Com muita resistência, Ryan concorda e vai para a cozinha. Permaneço em pé e com os braços cruzados, enquanto Ingrid se senta novamente na poltrona.

— Não vai se sentar?

— Estou bem assim.

Ela ri.

— Você e Ryan...

— Somos iguaizinhos. Eu já sei. Agora pula para a parte em que você vai encher a memória do meu pai de mentiras.

— Não é nenhuma mentira o que vou dizer.

Continuo com os braços cruzados, esperando que ela diga o que tanto quer dizer.

— Eu fui embora, porque descobri que seu pai tinha outra. — Ingrid diz, sem rodeios.

— O que? Isso é mentira.

— Emma, você era um bebê. David pode ter sido um ótimo pai para você, mas foi um péssimo marido para mim.

Encaro-a por alguns segundos, até decidir me sentar e ouvir o que ela tinha a dizer. Eu já a odiava pelo abandono, não era possível que ela faria com que eu a odiasse ainda mais.

— E quem era ela? — pergunto.

— Conhece todos os moradores daquele seu prédio onde morava?

— Alguns. O síndico, o pessoal do meu andar... ah, e a Janeth.

Ingrid sorri por um breve momento, quando menciono aquele nome.

— Seu pai saia de manhã, dizendo que iria trabalhar, mas ele apenas subia mais alguns degraus e ia se deitar com aquela mulherzinha.

— Quando eu tinha uns sete anos, lembro de Janeth morando conosco. — digo. — Eles namoraram por uns dois anos e depois ela voltou para o apartamento dela.

— Então eles ficaram uns dez anos juntos. Quando parti, foi na véspera do seu aniversário de três anos.

— Não... meu pai disse que você aparecia para me ver até que fiz três anos. Que sumiu assim que nasci.

— Parti antes que você fizesse três anos. — ela reforça. — Foi quando confrontei seu pai, com a amante que eu sabia desde que estava gravida de você. Desculpe o linguajar, mas seu pai não queria comer a mulher gravida dele e sim a vizinha do andar de cima.

Eu estava atônita. Não pela forma com que ela falou, mas por pensar em meu pai daquela maneira.

— David era um pai incrível. Eu sei. Eu via. E foi apenas por esse motivo, que não trouxe você comigo. A forma como você era ligada a ele, você não era comigo. Toda vez que seu pai estava fora, você ficava muito agitada. Chorava, não queria comer, dormir..., mas bastava ele chegar e pegar você no colo, que tudo mudava. — ela sorri, olhando para o tapete debaixo de nossos pés. — Não trazer você, foi para o seu bem. Pela sua felicidade.

Solto uma risada irônica, secando algumas lagrimas que escorreram pelo meu rosto.

— É. Eu fui uma criança bastante feliz, por crescer sem a presença da minha mãe.

— Apesar de todo sofrimento que seu pai me causou, eu não quis separar vocês. Sabia que ficar longe de você, o levaria a ruína.

Tinha um fio solto, no short em que eu estava usando. E para não encarar Ingrid, que me observava esperando uma resposta depois de tudo o que falou, fico enrolando o dedo naquele fio.

— E quando eu te liguei para pedir ajuda? — questiono, sem encará-la.

— Me ligou?

— Mesmo sabendo que você não me queria, quando meu pai morreu, eu precisei de você. E você lembra do que disse?

— Eu nunca recebi uma ligação sua, Emma. Nunca tive seu telefone.

— Como não? — a olho. — Você até disse que seu único filho se chamava Ryan e que era para nunca mais ligar.

Com um certo esforço, Ingrid se levanta da poltrona que estava sentada e anda até mim. Ela se esforça mais um pouco e senta-se do meu lado. Quando ela toca a minha mão, eu hesito.

— Emma, eu nunca diria algo do tipo. Acredita em mim. Não foi comigo que você falou.

Dou de ombros.

— Já passou mesmo.

— É. — ela diz. — Passou. E acho que nada do que eu disser, vai mudar o seu sentimento sobre mim.

Apenas balanço a cabeça.

— Mas eu quero mudar isso. — continua e dessa vez deixo que ela segure minha mão. — Creio que Ryan tenha dito a você sobre minha condição médica, então não posso mais perder tempo em relação a nada. Não espero que me perdoe, ainda mais por pena. A única coisa que eu quero viver, é ter a minha família junto de mim. Você e Ryan.

Eu e Ryan tínhamos conversado por horas, mas em nenhum momento ele citou o que Ingrid tinha. E sendo a pessoa orgulhosa que sempre fui, também não perguntei.

Ainda me sentia enganada com tudo e não conseguia acreditar no que ela disse sobre meu pai, mas não me resta mais nada. Agora eu só tenho Ryan e... minha mãe. E não era hora de continuar sendo a menininha orgulhosa e rancorosa que eu era.

Estava na hora de finalmente mudar de ares; de rotina; de vida! Esquecer o que vivi em Seattle e com John, não vai ser uma coisa fácil, mas eu realmente estava disposta a fazer acontecer. 

Era hora de finalmente recomeçar e ter uma família de novo.

Hotline BlingOnde as histórias ganham vida. Descobre agora