Through the time • Ruel

By onerwel

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Ruel, Joshua e Clarissa são melhores amigos desde que nasceram. Suas famílias, pertencentes à alta elite da I... More

1 - Younger
2 - To Joshua
3 - Waiting for you
4 - To Clarissa
5 - Helpless
6 - To Ruel
7 - Meet me inside
8 - Lookout
9 - No Promises
10 - The one that got away
11 - We Know
12 - Don't let it break your heart
13 - Someone you loved
14 - My dear London
15 - That would be enough
16 - What if I told you a story?
17 - The London Post
18 - How lucky we are to be alive?
19 - If these walls could talk
20 - What comes next?
21 - When we were younger
22 - Runaway
23 - The sky is the limit
24 - Anyone else
25 - Perfect on paper
26 - Too late
27 - Ruin
28 - If I can't have you
29 - Wondering
30 - The night of the nights
31 - London Gossip
32 - Who tells your story?
33 - The News
35 - After the rain
AVISO!

34 - Eclipse of the heart

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By onerwel

1989

— Ruel devolva minha tiara agora! — Clarissa gritou irritada.

— Não! Vem pegar! — o menino loiro respondeu momentos antes de começar a correr, subindo as enormes escadas do castelo de Norfolk com Clarissa logo atrás de si — Josh, pega! Vou segurar ela! — Ruel então jogou o objeto para o amigo que já estava quase no topo da escada e se virou para segurar a menina, ela se debateu para escapar de seus braços.

— Me solta! Joshy, não entre na biblioteca! Não entre na biblioteca!

Apenas três segundos após os gritos da pequena Clarissa cessarem, Joshua virou para a porta à direita e entrou na biblioteca. Apenas os três sabiam o que significava entrar naquele cômodo no meio de uma perseguição por um objeto.

Ruel finalmente largou Clarissa e olhou para ela antes que corresse.

— Você sabe as regras! Agora vai ter que esperar que ele saia para poder procurar sua tiara.

A menina cruzou os braços, encheu as bochechas e ficou ali parada nesta exata posição, irritada, mas sem ter o que fazer, até Joshua aparecer no corredor novamente. Sem a tiara em mãos.

— Pronto! Agora vai procurar! — o garoto de cabelos escuros disse.

Clarissa deu a língua para ele.

— Isso não tem graça! É a minha tiara favorita.

— Então a encontre! — Joshua provocou.

Clarissa começou a caminhar em direção à livraria com os pés pesados, como se estivesse marchando contra o chão de madeira com ambos os amigos atrás de si.

— Onde escondeu a tiara? — Ruel perguntou ao amigo para que pudesse se juntar à brincadeira.

— Atrás dos livros na estante número dois. — Joshua sussurrou para que só Ruel pudesse ouvir.

Já dentro do cômodo, Clarissa começou a procurar pelo objeto, esperando as instruções dos amigos.

— Frio! — Joshua gritou.

Clarissa deu mais alguns passos.

— Tá esquentando! — Ruel gritou.

Clarissa seguiu na mesma direção, até a segunda estante.

— Tá fervendo! — Ambos gritaram ao mesmo tempo com entusiasmo.

Clarissa procurou entre os livros, porém não achou a tiara. Tentou na segunda prateleira, também não encontrou. Terceira, nada. E então, a quarta e última. Nada também.

— Não está aqui.

Joshua riu.

— É óbvio que está, você que não quer procurar mais! Preguiçosa!

— Eu já procurei tudo, não está aqui! — a menina gritou irritada.

— Eu tenho certeza que está aí! Escondi na estante número doze, está é a estante doze!

Ruel juntou as sombrancelhas confuso e se virou para o amigo.

— Josh, você disse número dois. Essa é a número dois.

— Não, eu disse número doze!

— Josh, você me disse com cada palavra, número-dois. — rebateu Ruel pronunciando as últimas palavras lentamente.

Os ombros de Joshua caíram, e ele desistiu.

— Tudo bem, admito, eu não lembro onde escondi a tiara.

— Como uma pessoa não se lembra onde colocou algo? — perguntou Clarissa irritada.

— Todas essas estantes são iguais, tá legal? Eu me perdi!

A menina cruzou os braços novamente, mas dessa vez, estava furiosa, seu rosto era um completo tomate de tão vermelho, como se estivesse prestes a explodir.

— Eu não acredito que vocês perderam a minha tiara favorita!

Antes de Ruel sequer conseguir responder algo, Clarissa saiu correndo, chorando pelo corredor afora.

— Vamos procurar a tiara dela, vem. — ele disse para Joshua.

Mesmo após o dia inteiro na biblioteca dedicando-se com afinco à esta tarefa, eles nunca encontraram o objeto.

1801

— Mamãe? — Clarissa chama chegando à sala de estar de sua casa.

— Estou aqui, querida. — a mulher respondeu de imediato.

A jovem entra no cômodo e encara Ava.

— Me chamou?

— Oh, sim. Temos que conversar sobre algo.

As mãos da matriarca estavam para trás, como se estivessem escondendo algo que Clarissa não pudesse ver. A jovem continuou de pé encarando a mãe, esperando que ela começasse.

— Quero conversar com você sobre isso. — Ava tira uma das mãos das costas e mostra um pequeno jornal para ela, que se aproxima e pega o pedaço de papel dobrado das mãos da mãe para ler.

— Um baile dos Vincent? Por que o Sr. Vincent está dando um baile?

— Não sei, mas certamente esta não é a parte importante.

— E qual é então?

Ava encara a filha com um olhar pensativo, como se estivesse calculando cada ação que tomaria a seguir.

— Que você irá nele.

Clarissa pensou estar ouvindo coisas, mas depois de alguns segundos encarando sua mãe, ela se conteve em responder com apenas duas palavras.

— O que?

— A senhorita irá no baile dos Vincent. É simples.

— Mas eu não acabei de passar por um escândalo? Não estou na boca da sociedade? Mais uma vez...

— Sim, e é justamente por isso que você precisa ir à esse baile. Toda a alta sociedade de Londres estará presente. E é por isso... — a mulher mais velha endireitou sua postura e pensou ter ouvido Clarissa sussurrar "toda a alta sociedade" de um modo debochado, mas preferiu ignorar — que a senhorita irá ficar próxima de Joshua durante todo o evento.

O que? — Clarissa se permitiu rir no momento — A senhora só esqueceu do detalhe de que o Sr. Bassett e eu não estamos mais juntos.

Os olhos de Ava agora estavam severos, olhando com dureza para Clarissa.

— Pois trate de dar um jeito para que isso não seja mais a realidade.

— Estou ouvindo direito? Mamãe, a senhora esqueceu do que o Sr. Bassett disse para mim? Por que todos vocês agem como se eu fosse uma louca? Além do mais, todos sabem de meu passado com o Sr. Vincent e todos os boatos que nos rondam, acredito que essa não seja uma jogada bem pensada de sua parte. Aparecer em um baile em sua casa mais luxuosa?

— Pense novamente em suas palavras, Clarissa Stuart Williams! Está falando com sua mãe! — Ava estava levantando uma das sombrancelhas arrogantemente, coisa que sempre fazia quando estava irritada — E além do mais, aparecer em um baile organizado por ele junto à Joshua só irá calar os boatos.

— Não irei me casar com Joshua, mamãe! Não hei de perdoar o que aconteceu. Ele duvidou de mim, de meus sentimentos e fidelidade.

— Palavras ditas em meio à uma situação em que falamos coisas que normalmente não pensamos, pare de implicância! Trate de encontrar um jeito de perdoá-lo, pois a senhorita irá ao baile dos Vincent acompanhada do Sr. Bassett, você queira ou não. Acredite Clarissa, estou fazendo isso para o seu bem.

Meu bem? Afinal, a senhora sabe o que significa meu bem? Ditando o que devo fazer com minha vida?

— Já lhe dei liberdade demais, Clarissa. Você me pediu para esperar até seus dezoito anos, pois estava apaixonada por um garoto que não ligava mais para a sua existência depois de perceber que havia coisas mais importantes para se importar, como um futuro duque deve fazer. Eu prometi que esperaria, mesmo já sabendo o fim que isso teria. Eu cumpri minha promessa, você teve seu tempo. Agora, é você que tem que cumprir sua parte. Acha que não percebo? Como tudo começou a dar errado entre você e o Sr. Bassett depois que o Sr. Vincent voltou? Não sou cega, Clarissa. Sou sua mãe. Sei a escolha que você fará se tiver que fazer isso sozinha, não irei permitir que cometa esse erro.

Ava ficou encarando Clarissa por longos segundos, então a mulher mais velha se virou de repente e começou a caminhar até a porta, mas quando estava perto da saída deu meia-volta e encarou a filha, se recordando de algo.

— Já havia me esquecido, mais tarde iremos à cidade escolher os tecidos para os vestidos do baile.

Ava então saiu do cômodo, fechando a porta atrás de si, deixando uma Clarissa sem saída e atordoada com suas palavras para trás.

Como tudo começou a dar errado entre você e o Sr. Bassett depois que o Sr. Vincent voltou.

O mais estranho é que pela primeira vez, Clarissa pensou sobre a situação.

E sua mãe estava mais que certa.

•••

Ruel estava de frente para o castelo de sua família. A grandiosidade de seu título agora de pé, pedra por pedra, diante de seus olhos. O lugar estava exatamente do mesmo jeito que em sua memória, nem um ramo de folha a mais. Os jardins lado a lado, divididos por uma estrada de pedra no centro que levava até a enorme escada de entrada, onde se encontravam empregados enfileirados do primeiro ao último degrau. Duas enormes torres nos dois extremos da parede de entrada sustentavam a beleza e grandiosidade do lugar. Janelas em arco cobriam quase toda entrada frontal. O brasão de sua família oscilando em uma bandeira no alto de uma das torres laterais.

— Vamos entrar, sua graça? — Anthony perguntou aparecendo à seu lado com uma mala em mãos. Ruel balançou a cabeça em afirmação, então caminharam até o topo das escadas do lugar. Quando abriram as portas, tudo estava exatamente igual, limpo e brilhoso com o mesmo cheiro de madeira de sempre. Os cuidadores do local cuidaram bem dele.

— Vou dar uma caminhada aos arredores, você pode arrumar suas coisas e auxiliar os empregados. — Disse Ruel ao mordomo.

— Sim, senhor. — Anthony responde e se retira.

Ruel não conseguia descrever o mixto de sentimentos que estava sentindo naquele momento, olhando para todas aquelas paredes e corredores, lembrando do passado. A última vez que esteve naquele lugar tinha apenas oito anos. Correndo ao lado de Clarissa e Joshua pelos enormes aposentos, se jogando nos braços de seu pai quando chegava ao final de um corredor ou dormindo nos braços de sua mãe em um sofá após chorar a tarde inteira por ter se machucado em uma brincadeira. Ali fora seu lar por muito tempo, sua família costumava passar as férias no castelo, todas as lembranças do local eram maravilhosas e traziam memórias saborosas de sua infância invadindo a cozinha para roubar os biscoitos da Sra. Crowley. Um lar que fora tomado dele, assim como todas as outras coisas de sua vida, assim como sua família, seu amor, seu amigo, sua presença e existência como homem. Agora tudo o que lhe restava era seu título e a importância que carregava com seu sobrenome. Ruel Vincent van Dijk não existia mais, aquele garoto sorridente e feliz, que tinha tudo e todos, não existia mais. Agora só havia o resto, a carcaça que também estavam tentando arrancar dele. Só lhe restava erguer a cabeça e continuar caminhando e resistindo.

As paredes internas carregavam retratos de sua família no corredor principal do lugar, seu tatatataravô, tataravô, bisavô, avô, pai e agora ele, em um retrato pintado enquanto ainda estava em Amsterdã, trazido para o castelo quando voltou à Londres. Ombros largos, cabelos dourados, costeletas e sua roupa oficial de duque com todas as honrarias grudadas no peito. Sempre que olhava para aquela imagem se lembrava de seu pai e de suas palavras quando teve de assumir o título à força.

Tenho certeza de que tomou a decisão correta. Será um ótimo líder.

O maior sonho de Ruel era se igualar à inteligência e estratégia inabalável de seu pai. Ser um líder nato como ele fora. Talvez Ralph estivesse certo quando disse tais palavras. Talvez não. Mas o que Ruel estava planejando para a noite do baile definiria isso de uma vez por todas.

As consequências iriam lhe contar se estava no caminho certo.

Se poderia um dia sequer, honrar a memória de seu pai.

•••

O caminho até Norfolk foi calmo, mas cansativo e demorado. Clarissa estava em uma carruagem com sua mãe e seu pai enquanto Henry e sua esposa Jane estavam em outra, mais uma carruagem os seguiam com toda bagagem. O pequeno Michael havia ficado em casa com a babá, a presença de crianças não era muito apreciada em bailes. Os Williams iriam ficar por uma semana no castelo dos Vincent assim como todos os outros convidados, o que preocupava a mãe de Clarissa, pois todos os tipos de problemas, boatos e fofocas surgiam em casas de campo e castelos oferecendo hospitalidade aos convidados de um baile organizado pelos proprietários do lugar.

— Mamãe, por que a senhora está tão nervosa? — Clarissa perguntou após perceber que sua mãe não parava de balançar a perna quando estavam chegando perto da estrada para os jardins do castelo.

— Você conhece essas pessoas, Clarissa. Sabe quem estará presente? Lenora Brown. Está mulher nos odeia!

Clarissa revirou os olhos e olhou em direção à seu pai.

— Papai, por favor, diga à mamãe que ela não precisa se preocupar com uma briga causada por ela mesma há cinco anos após começar um boato dizendo que o Sr. Brown traía sua mulher.

— Eu o vi entrando em um bordel! Disse apenas a verdade, não é culpa minha se ela não queria ouvir.

— Se ainda estou morando sob o mesmo teto que sua mãe, querida. — disse seu pai — É porque nunca ousei contestá-la.

Clarissa não suportava as evasivas de John, ele nunca enfrentava Ava, sempre se obrigava a concordar com tudo o que a mulher dizia ser o certo. Por Deus! Aquele homem não parecia ter vontade própria.

— Um dia, papai. — começou Clarissa — Irá acordar com um boi em sua cama e quando se recordar, lembrará que mamãe lhe obrigou a colocá-lo lá. — Clarissa claramente não estava se referindo ao boi literal, mas seus pais não precisavam saber. Então riu após ver a cara de redenção do homem à sua frente sobre seu comentário.

Ao virar o rosto pela janela, Clarissa se chocou com a arrumação do lugar. Não que nunca tivesse ido à Norfolk, mas tudo estava...diferente. Mais luxuoso, demonstrando poder e riqueza. Candelabros apoiados nos peitoris de todas as janelas frontais. A bandeira dos Vincent oscilava em sua grandeza e glória, agora colorida e sombreada pelo sol do fim da tarde por trás do castelo. Os leões e espadas, elementos presentes no brasão dos Vincent, fincados acima da porta de entrada principal. Tochas de cada lado da porta e das janelas iluminavam todo o lugar e emanavam arrogância, como se desafiassem qualquer um que ousasse se aproximar com seu fogo.

Ava deve ter reparado nos mesmos detalhes, pois as únicas palavras que saíram de sua boca completamente aberta foram.

— Há quanto tempo não viemos aqui mesmo?

— Desde o século passado, provavelmente. — brincou Clarissa.

Não demorou muito até que as carruagens dos Williams passassem pelos arcos de entrada e estivessem paradas na porta do castelo, a alguns passos da escada.

O Sr. Williams foi o primeiro a sair, acompanhado logo depois por sua mulher e por fim Clarissa. Henry e Jane desceram de sua carruagem logo depois.

— Uau, não me recordava da entrada ser tão...esplêndida. — comentou Henry.

Sua mãe lhe deu um tapa no braço.

— Isso são modos de se falar da casa de alguém estando presente na residência? Não lhe eduquei assim.

Jane apenas ria ao lado do marido, se divertindo da situação.

— Mas eu estava apenas elogiando!

— Não interessa! Agora vamos, estou exausta.

Os Williams subiram a escada principal e entraram pela porta do castelo. Clarissa não sabia bem o porquê, mas mesmo sabendo que aquele era uma residência dos Vincent se assustou quando deu de cara com Ruel descendo as escadas para recebê-los. Como suas famílias eram amigas, Ruel havia convidado os Bassett e os Williams a chegarem mais cedo que o restante.

— Sr. e Sra. Williams, que prazer em tê-los em minha casa novamente, sejam muito bem-vindos! — Ruel disse enquanto caminhava na direção deles — Sr. Williams, Sra. Williams — Ruel balançou a cabeça para cumprimentar Henry e Jane — Srta. Williams — e por fim Clarissa.

Todos acenaram com a cabeça em resposta.

— O prazer é nosso. — John pronunciou.

— Gostaria de me desculpar por não estar presente quando entraram, estava na companhia do Sr. e Sra. Bassett.

— Não há problemas, nós que agradecemos pela hospitalidade.

Clarissa estremeceu ao escutar o comentário que a recordou de como estavam completamente sozinhos naquele imenso castelo somente com os Bassett e Ruel. Thomas certamente estava presente. Se ele realmente estava envolvido com a situação de sua família como Clarissa suspeitava, então não seria mais uma questão de "se" mas "quando" ele iria encurralá-la novamente.

Ruel não deixa passar a pequena movimentação inesperada de Clarissa e estranha, portanto resolve conversar com ela.

— Sr. Williams, o senhor me permite caminhar a sós com sua querida filha pelo ambiente? Não se preocupe, há empregados por toda parte, não estaremos sozinhos em momento algum.

John encara Ava com um olhar nervoso, e a mulher lhe entrega a resposta em silêncio.

— Claro. — ele respondeu afirmando com a cabeça.

— Com licença, — Ruel pediu e se virou — Anthony! — ele gritou chamando o mordomo que apareceu em questão de segundos.

— Sim, senhor?

— Por favor, acompanhe a família Williams até seus devidos aposentos para descansarem, certamente devem estar exaustos da longa viagem, não é?

— Definitivamente. — Henry respondeu sarcasticamente e logo recebeu um olhar severo de sua mãe.

— Muito bem, — Ruel esticou o braço para que Clarissa segurasse — Vamos? — ela fez o esperado e ambos deixaram a família da jovem para trás.

Clarissa estava estranhando aquele comportamento de Ruel, ele nunca mostrava proximidade com ela na frente de outras pessoas se não...dela mesma. Quanto mais na frente de sua família.

— O que gostaria de falar para mim, Sr. Vincent?

Ele virou o rosto a encarando e parando de andar no meio de uma das dezenas de corredores do castelo.

— Entendo ser condescendente de minha parte, mas preciso lhe perguntar. O que há de errado?

Clarissa não entendeu a pergunta. Poderia ser direcionada para qualquer ambito de sua vida. Da relação dos dois, da relação dela com Joshua, com a família, ele poderia estar se referindo a milhares de situações.

— Em que especificamente? — a jovem perguntou repreensiva com a resposta que teria.

Ruel respirou fundo, como se estivesse preparando sua alma para o que quer que viesse a seguir.

— No baile quando dançamos, a senhorita estava abalada. Depois, Thomas Bassett estava com a senhorita em uma sala fechada, mais próximo do que o recomendado para um cavalheiro junto à uma dama comprometida se seguirmos o conhecimento popular. Quando estávamos no campo, a senhorita estava chorando. Agora, quando citei o nome dos Bassett, a senhorita ficou nervosa. Desculpe comentar, mas não posso fingir que não reparei em todas essas coisas.

Clarissa ficou admirada em como Ruel reparava em todas as suas pequenas ações.

— Como o senhor sabe que eu estava nervosa?

— A senhorita junta os lábios e brinca com seus próprios dedos involuntariamente. — Ruel disse com toda normalidade do mundo, então de repente suas orelhas e maças do rosto ficaram vermelhas ao ver que Clarissa estava com as sombrancelhas levantadas mostrando surpresa — Quero dizer, err... — ele pigarreou — sou um homem observador. Estive na guerra, sei reconhecer detalhes corporais.

— Entendo.

Essa foi a única palavra que Clarissa dissera à ele. Para falar a verdade, ela não entendia. A voz da mãe refletindo em sua mente naquele momento.

Como tudo começou a dar errado entre você e o Sr. Bassett depois que o Sr. Vincent voltou.

Será que ele realmente reparava em todos esses detalhes nela?

Ruel continuava a encarando, esperando a resposta de sua pergunta principal, que não veio.

— E então? — ele perguntou.

Clarissa juntou os lábios e brincou involuntariamente com os próprios dedos.

— Não há nada de errado. — ela repetiu mais uma vez.

Ruel deu um passo em sua direção. Suas mãos estavam para trás, em uma pose respeitável para se estar ao lado de uma dama, mas o duque tirou ambas as mãos de trás de si e as levou até uma das de Clarissa, segurando ternamente com ambos os tecidos de suas luvas se atritando.

— Clarissa... — ele a encara diretamente nos olhos, aqueles olhos escuros cor de chocolate que ele costumava sonhar em se saborear dentro deles — sabe que pode confiar em mim. Por favor, me conte o que está acontecendo.

A jovem se desvencilha de seu olhar e observa em volta, encarando todos os cantos averiguando se havia alguém por perto para escutar além dos empregados. Por mil demônios! Ela praguejou em sua mente. Ruel havia saído de sua vida há mais de dez anos, o homem que via à sua frente não era o mesmo garoto que conhecera quando criança, não sabia mais quem ele era ou do que ele era capaz, mas por Deus! Ela sentia no fundo de sua alma que ainda podia confiar nele.

— Podemos ir para os jardins? — ela pede.

Ruel pisca freneticamente tentando entender o que ela queria dizer. Estava mudando de assunto ou pedindo para irem à um lugar mais reservado para que pudesse lhe contar a verdade? Sua mente escolheu a segunda opção.

— Claro. — ele balançou a cabeça em afirmação — Guardas! — gritou olhando para trás — Por favor, nos acompanhem até os jardins para que não fiquemos a sós. Garret, — Ruel chamou o jovem que passava por perto na hora — venha conosco também. Mas por favor, todos mantenham uma distância respeitável para que tenhamos privacidade.

Ruel estica novamente o braço para Clarissa, que o segura e ambos caminham até os jardins internos com os guardas e Garret atrás deles.

Quando já estavam na beira do lago artificial no centro do jardim à céu aberto, Ruel leva Clarissa até um pequeno banco de madeira para que pudessem se sentar para conversar. O duque olha para trás e faz sinal com a mão para que os empregados parassem àquela distância que estavam deles. Segura para que ninguém além dos dois ouvissem.

O jovem duque não queria obrigar ou forçar que Clarissa falasse o que tinha para falar, então apenas encarou a água do lago que refletia a luz alaranjada do sol de fim de tarde, com a lua já surgindo do lado oposto, e esperou até que ela pronunciasse a primeira palavra.

— Quando você me achou dormindo no campo com Thunder, eu fui para casa correndo, se recorda?

— Sim. — Ruel afirmou olhando para o rosto dela, que agora estava virado para a água.

— Naquele dia, quando cheguei em casa, — ela continuou — escutei meus pais discutindo no escritório e fui ouvir o que estavam falando, eles não costumam discutir, nem conversar. Quando cheguei perto pude escutar o que diziam e... — ela respirou fundo e encarou Ruel, como se estivesse se preparando para finalmente dividir o peso do mundo com outra pessoa — ...descobri que há alguém nos ameaçando. — as sombrancelhas de Ruel se enrugaram expressaneo sua confusão e choque — Nos enviaram uma carta, que dizia que se eu... — ela olhou para baixo novamente, por algum motivo não conseguia compartilhar essa informação com Ruel encarando-lhe nos olhos — ...se eu não me casasse com um Bassett, seria arruinada, e consequentemente minha família.

Quando Clarissa levantou o rosto, pôde pela primeira vez observar um traço que conhecia em Ruel, do velho Ruel, seu Ruel, seu amigo. Suas sombrancelhas estavam se juntando, os olhos olhando vagamente para algum lugar, sua cabeça tentando juntar as peças de um quebra-cabeça ainda incompleto, exatamente como fazia quando eram crianças e ele começava a pensar em cada detalhe para tirá-la de situações complicadas.

— No baile, — Clarissa continuou — estava nervosa porque Thomas estava lá e iria...decidir se me desposaria ou não. Mamãe insistiu para que eu me casasse urgentemente com ele. Mas quando você me deixou esperando, avistei Thomas saindo escondido do escritório do Sr. Bassett e pensei se ele poderia estar envolvido. Por Deus, Ruel, estava tão desesperada que duvidei de Joshua! E de seu pai! O mais óbvio no momento era o noivo que apareceu da noite para o dia para se casar comigo, que naquele momento estava fazendo algo suspeito. — Ruel a encarava com atenção, prestando atenção em cada palavra — Pensei que se procurasse no escritório poderia encontrar algo que provasse o culpado, mas quando percebi, Thomas estava de pé atrás de mim, então tudo aquilo aconteceu. Ele ainda estava querendo me forçar a me casar com ele.

— Hm. — foi a única coisa que Ruel pronunciou por um tempo.

Ambos ficaram em silêncio, a respiração acelerada de Clarissa sendo o único som que ouviam. Ela mal percebera como estava segurando o ar por todo esse tempo. Se sentia mais leve agora.

— Clary, — o duque finalmente disse, colocando uma das mãos por cima da dela que estava apoiada no banco — você não está sozinha, está me entendendo? Não deixarei que nenhum maluco ponha as mãos em você, nem em sua honra, seu legado, nem em sua família, está me entendendo? Nada acontecerá à você em hipótese alguma. Não irei permitir.

Clary nunca o vira tão determinado e horrorizado ao mesmo tempo. Quando olhou em seus olhos, pôde jurar ouvir suas palavras como um eco novamente.

Sabe que pode confiar em mim.

Naquele momento, ela nunca esteve tão certa de algo, sentiu em seus ossos que ele estava falando a verdade.

•••

Antes do sol se pôr, Ruel deixou Clarissa em seu quarto na companhia de Ava. O dia passou rápido com a noite chegando logo em seguida, e com ela o baile e o resto dos convidados.

— Sr. Bennett, é um prazer recebê-lo em minha casa. Por favor, sinta-se à vontade. — disse Ruel já no enorme salão.

O lugar estava radiante e deslumbrante pela riqueza ousada que exibia. Um verdadeiro castelo. Uma verdadeira casa de um duque.

Ruel estava vestido de azul escuro, todos os cavalheiros presentes estavam, era exigência no convite, mas a roupa do duque superava facilmente qualquer outra no local. Toques levemente prateados desenhados em sua gola e nas bordas de seu fraque em curtos caminhos até os botões, também prateados, que brilhavam refletindo a luz das velas que iluminavam o ambiente.

— O senhor está deslumbrante, Sr. Vincent. — disse Sra. Dodds, uma entre as dezenas de convidadas.

Ruel já estava ficando exausto de cumprimentar todos que chegavam no ambiente. Os Bassett haviam sido os primeiros a estarem prontos para o evento, porém a família de Clarissa ainda não havia aparecido, o que Ruel estava começando a estranhar.

— Anthony? — Ruel chamou indo de encontro ao mordomo que estava recebendo os convidados na porta do salão — Por acaso viu algum membro da família Williams por aí?

— Não, senhor. Aconteceu algo?

— Não, só estou estranhando a demora. A Sra. Williams, certamente, não é conhecida por atrasos.

Ruel continou vagando pelo salão, cumprimentando pessoa por pessoa, escapando de mães casamenteiras e jovens – que acreditavam estar – apaixonadas.

— Meu mordomo está me chamando. — disse para uma delas que não desistia de segurá-lo com o olhar e a fala.

Em meio a uma de suas esquivadas, Ruel avistou Olivia Johnson, melhor amiga de Clarissa, de longe. Era sua chance de saber alguma notícia sobre sua demora, se a Srta. Johnson não soubesse o que ocorrera, certamente ninguém mais sabia. O jovem duque percorreu meio salão em direção à dama.

— Com licença, — Ruel pediu — Srta. Johnson?

A dama se virou com seu nome sendo pronunciado e logo fez uma reverência quando percebeu quem a estava chamando.

— Sua graça.

— Por acaso viu a Srta. Williams ou qualquer um de sua família?

— Não, senhor. Também estou estranhando sua demora.

Ruel não queria admitir que estava ansioso para ver Clarissa para aquela jovem, afinal elas eram amigas, definitivamente Olivia iria contar o acontecido para Clarissa. Mas era apenas um mal entendido, havia outros motivos pelo qual Ruel estava nervoso com a ausência da garota.

— Não que eu esteja reparando em sua demora, é claro. Nã-não os vi entrar, então apenas...quis perguntar à senhorita, é-é claro. — ele gaguejou.

— Oh sim, entendo.

— Bom, — Ruel se esquivou — foi um prazer falar com a senhorita. Agora irei cumprimentar o resto dos presentes. — ele acenou com a cabeça e Olivia fez outra reverência antes de se virar.

Péssima ideia, Ruel pensou.

A caminho de qualquer outro lugar que fosse, Ruel avistou uma silhueta feminina familiar de pé, perto dele.

Elizabeth White.

Ela estava usando um lindo vestido bege um pouco puxado para o amarelo, não era exuberante, mas o suficiente para deixá-lá radiante.

— Srta. White, é um prazer vê-la aqui. — Ruel virou-se para os pais da jovem — Sra. White. Sr. White.

Eles fizeram todos uma reverência ao mesmo tempo, como se tivessem coreografado o movimento juntos.

— Permitiriam que eu abrisse a noite com uma valsa em companhia de sua filha? — ele perguntou com segundas ingenções.

Se planejava se casar com Elizabeth, precisava começar a tentar cortejá-la. Sua família definitivamente já aprovava, só bastava a própria jovem querer fazer o mesmo. Não iria obrigá-la a se casar sem que fosse por sua legítima vontade.

— Vão em frente. — respondeu o pai de Eliza.

Ruel esticou a mão para que ela se apoiasse com a sua e então ambos caminharam até o centro do salão. O duque sinalizou de longe para a banda começar. Todos já estavam percebendo o movimento, portanto se afastaram, formando uma espécie de roda, observando os dois se posicionando para dançarem. Quando a primeira nota de violino tocou, seus pés começaram a se mover lentamente, e então rapidamente, de acordo com o ritmo da música. Logo dezenas de casais se juntaram a eles.

— Está se divertindo? — Ruel perguntou.

— Mais do que o esperado, de fato. — Elizabeth brincou.

Ruel riu.

— Srta. Elizabeth, a senhorita pretende encontrar um parceiro em breve?

A pergunta parece tê-la pego de surpresa de tão direta. Mas será que ela não estava entendendo errado? Um mês antes aquele mesmo homem, que agora parecia conhecer tão bem, havia lhe dito que estava apaixonado por outra mulher. Por que iria perguntá-la sobre um pretendente? Será que ele estava tentando ajudar alguém à conquistá-la?

— Pretender é uma palavra com respostas difíceis, Sr. Vincent. — ela respondeu — Não sei nem o que comerei no café de amanhã de manhã, mas, certamente, como uma dama que sou, estou a procura de um parceiro desde o dia em que debutei. Preciso me casar, não é?

Ruel pareceu estar satisfeito com a resposta.

— Sim, claro. Definitivamente.

— Mas, por que da pergunta?

Eles giraram.

— Estava apenas...refletindo.

Refletindo, ela pensou. Então não estava ajudando nenhum outro cavalheiro...?

— Sr. Vincent, o senhor está me cortejando? — se ele ia brincar de ser direto, ela também iria.

— Fui tão óbvio assim?

— Mais do que uma porta pudesse perceber.

Touché.

Ruel temia que Elizabeth fosse jogá-lo longe caso percebesse o que estava tentando fazer, mas ela o surpreendeu quando apenas riu com a ideia de Ruel lhe fazendo a corte. Será que ela nutria sentimentos por ele?

— O que aconteceu com a sua amada? — Eliza perguntou com delicadeza, para não soar rude como se estivesse indicando que ele a estava usando como segunda opção.

Ruel deu de ombros.

— Percebi que ela está destinada a outro.

— E o quê o fez chegar a essa conclusão?

— Já estava óbvio desde o começo, eu que me recusei a enxergar.

— Entendo.

Entendo.

Essa foi a única palavra que Elizabeth White disse antes de coreografarem a última parte da dança em silêncio absoluto. Ambos perdidos em seus pensamentos. Refletindo suas decisões. No fim, Ruel levou a jovem até a companhia de seus pais novamente.

— Foi um prazer dançar com a senhorita. — o duque pegou a mão de Eliza e beijou as costas de sua mão coberta com a luva de cetim branco — Espero vê-la novamente muito em breve.

Ruel a encarou nos olhos. Apenas eles sabiam o que aquilo significava: "Pense em minha proposta".

Ao se virar, teve que desviar de diversos condes e viscondes vindo em sua direção para longas e entediantes conversas sobre guerra e território. Estava cansado e com sede, além do mais, estava começando a ficar um pouco nervoso com a ausência ainda significativa dos Williams. Eles precisavam estar presentes para que seu plano pudesse dar certo. E Ruel precisava urgentemente de uma bebida leve para relaxar, não era um homem que bebia com frequência, portanto uma pequena dose já poderia ser capaz de derrubá-lo.

Já no bar com o copo em mãos, Ruel fez apenas um pedido: "Que tudo dê certo esta noite". E então o virou com tudo. O líquido queimando sua garganta, mas o acalmando, autorizando-o a preencher seus pulmões de ar.

Só para perder novamente ao se virar para trás e dar de cara com um salão inteiro virado para a mesma direção. De começo não entendeu o que estava acontecendo exatamente, mas quando seguiu o olhar da multidão, pôde vê-la. De pé no vão da porta estava Clarissa com sua família logo atrás. Se não estivesse com a mão esquerda, com que segurava o copo, em cima do balcão, Ruel teria o deixado se espatifar no chão.

Clarissa estava linda, esplêndida, encantadora, extraordinariamente exuberante. Não. Nada disso. Ainda não tinham sido criadas palavras o suficiente para descrever tamanha beleza. Ruel não pôde evitar seus sentimentos naquele exato momento. Foi como se anos e anos lendo suas cartas e sentindo o cheiro de seu perfume em papéis tivessem voltado com tudo novamente, de uma só vez. A Clarissa com quem sonhara tantas vezes agora parecia flutuar em sua direção.

Oh Deus, ele a amava.

E como a amava.

Quem estava enganando quando tentava se convencer do contrário? Quando tentava superá-la? Ela era seu mundo, seu universo, seu primeiro amor. Quando olhava para aqueles grandes olhos escuros, gostaria de mergulhar neles, como se estivesse navegando uma infinita galáxia. E aqueles lábios, tão beijáveis, Ruel sempre tinha que se controlar quando estava perto deles. A silhueta perfeita de seu corpo. Seu corpo. Oh céus! Que Deus o perdoasse por seus pecados, mas apenas ele sabia o que tinha vontade de fazer toda vez que olhava para aquele corpo.

A verdade era essa. Ruel estava fugindo, pois não aguentava ver a mulher que amava nos braços de outro, chorando por outro. Ele a queria. E como a queria. Queria totalmente e completamente para si. Isso poderia ser chamado de amor? Ou era paixão? Luxúria?

Seus pensamentos se dissiparam como vento quando a jovem se aproximou, e com ela, Joshua Bassett.

Ela se abaixou em uma reverência.

— Sua graça.

Seu vestido era de uma cor bege escuro. As mangas se alongavam até o cotovelo com um rendado na parte do tronco e nos braços. Algumas pequenas folhas douradas estavam presas à renda branca de modo que a luz das velas, refletidas, a faziam brilhar. Como o sol. Uma tiara prateada em formato de coroa prendia todo seu cabelo escuro em um só coque enrolado na parte de trás da cabeça.

— Está deslumbrante, Srta. Williams. — foi a única coisa que conseguira pronunciar, as únicas palavras que conseguira juntar.

— Obrigada, o senhor também está estonteante.

— Vamos? — Joshua esticou o braço para que Clarissa segurasse, lembrando – provavelmente – a todos de sua presença.

Clarissa segurou o braço do noivo com delicadeza e pronunciou apenas um "Com licença" para Ruel antes de se retirarem.

O que fora aquilo que acabara de acontecer? Clarissa o teve em suas mãos por alguns segundos e nem ao menos soube. O que estava pensando? Precisava voltar para a realidade, focar. Clarissa estava presente, os Williams estavam presentes, agora era só uma questão de tempo até que tudo acontecesse.

Ruel olhou em volta, procurando Thomas Bassett. Sim, o cretino teve a audácia de ir até sua casa mesmo depois do que fizera e sofrera, e Ruel não tinha a menor pretensão de lhe pedir por perdão. De longe o avistou novamente, o supercílio quase cicatrizado, a maçã do rosto esverdeada, com a mancha quase sumindo. Não pôde evitar, precisava provocá-lo.

— Garçom. — chamou o que estava passando mais próximo — Por favor, dê uma taça para aquele cavalheiro bem ali, com a cara amassada. Diga que foi um presente meu.

Sim, um presente, Ruel pensou. Você está na minha casa depois do que fez, se ainda está respirando já estou lhe presenteando.

O empregado apenas acenou com a cabeça em concordância e caminhou até Thomas, que depois de se virar para escutar o que o homem tinha a falar, se virou novamente na direção de Ruel, lhe lançando um olhar desafiador. Thomas então virou o copo de uma vez só e o levantou para Ruel, em tom de deboche, como quem dizia "Duvidava de minha capacidade de virar isto em frente à todos? Pois então estava enganado!"

O duque estava satisfeito com aquela noite, estava realmente se divertindo – pela primeira vez – em um baile. Tudo estava ocorrendo como desejava. A próxima rodada de valsas se aproximava, e Ruel não sabia quem tirar para dançar. Para falar a verdade, ele nem se importava. Só estava ansioso para algo que viria logo a seguir, provavelmente depois da dança. É só uma questão de tempo, ele pensou.

A hora da dança chegou. Ruel estava encostado no peitoril de uma janela, sentindo a brisa, observando o salão lotado, esperando para que alguma dama fosse até ele para se oferecer para dançar. Thomas estava do lado oposto ao dele, tomando outra taça de bebida, parecia estar provocando Ruel, chamando-o para humilhá-lo na frente de todos, mostrar quem era de verdade mais uma vez, que perdesse o controle. Mas o duque não jogaria seu jogo novamente.

Com os olhos varrendo o local, Ruel acabou avistando Clarissa de longe. Ela estava ao lado de duas damas, uma delas era Olivia, mas não estavam exatamente juntas. Olivia e a outra senhorita de pé estavam com toda atenção em alguns cavalheiros, tentando conquistá-los com o olhar, enquanto Clarissa – sem Joshua por perto, Ruel reparou – apenas observava as pessoas passando com calma e delicadeza, sem encarar ninguém nos olhos.

Algumas reclamações foram ouvidas do outro lado do salão, o que atraiu a atenção de Ruel para o mesmo lugar em que...Thomas estava.

O homem, já um pouco grogue, caminhava na diagonal, esbarrando em todos que estavam em seu caminho. Ele estava indo em direção à...

Por favor, não.

Quando olhou para o outro ponto do salão, pediu a Deus que estivesse errado, mas não estava. Thomas estava avançando – e com rapidez – na direção de Clarissa. Provavelmente a chamaria para dançar e ela não poderia recusar. Ruel reparou em suas mãos nervosas que ela havia o visto, e estava paralisada.

Por que ela não fugia?

Céus, Clarissa. Olhe para mim. Apenas olhe para mim e volte à realidade. Olhe para mim, ele pensou. Se olhar para mim saberá que está segura aqui.

Mas ela não olhou, e nem se moveu. Portanto, Ruel fez a única coisa que tinha em mãos. Ele caminhou apressadamente até onde a jovem estava, com sorte, conseguiria chegar antes de Thomas, precisava acelerar seus passos. Mais um pouco...Mais um pouco...

E então, por um triz, ele posou à sua frente. Impedindo qualquer contato entre os dois. Virado de costas para Thomas, de frente para Clarissa, Ruel pronunciou apenas com os lábios para a jovem "está tudo bem".

Onde estava Joshua? Era seu dever como noivo estar junto à ela neste momento. Era a hora da valsa! Onde ele havia se enfiado?

Ruel só pôde observar, sem dizer nada, Thomas resmungando às suas costas, indo em direção à outra jovem, derrotado.

O duque então, finalmente, se virou para Clarissa e se aproximou à uma distância respeitável dizendo:

— Srta. Williams, gostaria de abençoar-me com sua companhia e dançar comigo?

Clarissa não hesitou, apenas apoiou a mão na já esticada de Ruel e caminhou com ele até o centro do salão, deixando uma Olivia confusa para trás.

Ruel percebeu que Clary estava tremendo quando segurou em seu corpo mesmo que delicadamente. A mão da jovem estava molhada de suór de um jeito que dava para perceber mesmo com as luvas de ambos.

— Está tudo bem, — ele sussurrou para que só ela ouvisse quando a música começou — estou aqui agora.

Seus olhos se encontraram e ela soube instantâneamente que ele falava a verdade.

— Achei que ele faria algo comigo. — ela finalmente disse — Naquele momento tive certeza de que ele estava caminhando em minha direção para se vingar...

— Clary, — Ruel a interrompeu — apenas confie em mim.

— O que quer dizer com isso? Por que o convidou, afinal? Ele também lhe desrespeitou naquele escritório.

— Sei o que faço. Mais uma vez repito, por favor, confie...em...mim. — explicou ele, espaçando as últimas três palavras lentamente para dar ênfase.

Clarissa apenas desviou o olhar, ainda nervosa. Thomas estava dançando com outra dama, uma que ela não conhecia, mas ainda assim, temia por sua saúde.

— Quando disse que estava deslumbrante esta noite, — Ruel falou para chamar sua atenção, pois percebeu que ela encarava o outro homem sem parar, sem disfarçar – eu não estava sendo apenas educado. Está realmente muito bonita.

— Obrigada, mais uma vez. O senhor também está muito... — ela pretendia dizer uma coisa, mas logo desistiu — elegante. Seu cabelo está maior ou é apenas impressão minha?

— Sim está, estou deixando crescer. Gostou? — ele perguntou enquanto a girava, parado no lugar. Os olhos dela viraram para cima, em direção à sua cabeça, quando ela voltou para a sua frente para continuarem os passos juntos.

— Para ser sincera? Prefiro seu cabelo grande mesmo. — ela sorriu.

Ambos ficaram ali, dançando, até o último violinista parar. Clarissa colocou a mão sob a barriga.

— Agradeço a companhia e a dança, mas preciso me retirar momentâneamente. O senhor me concede licença?

Ruel abaixou a cabeça em um movimento afirmativo.

— Claro. Foi um prazer disfrutar da companhia da senhorita.

E então ela se foi.

Clarissa não contaria à Ruel por pura decência, mas queria urgentemente fazer suas necessidades, havia bebido muito líquido aquela noite. Joshua também a forçara a beber metade do que ela havia tomado. Seus órgãos pareciam prestes a explodir. A jovem alertou uma empregada no caminho, que a ajudou com a roupa e indicou o local adequado para ela ir no segundo andar. Logo depois de fazer o que tinha que fazer, voltou apressadamente para o salão antes que alguém percebesse sua ausência. No momento, ela estava passando pela mesma sala escura de quando fora, quando ouviu uma voz.

— Vai à algum lugar, senhorita? — a última palavra pronunciada com desdém.

Aquela voz...

Clarissa congelou.

— Sr. Bassett, o que está fazendo aqui? — disse na direção da voz que ouvira, estava escuro, ela não conseguia enxergá-lo.

— Não tenha medo, não lhe farei mal algum.

Clarissa escutou passos, ele estava às suas costas agora, começando a mexer nos fios de cabelo que caíam ao lado de sua orelha. Ela fechou os olhos, o medo tomando conta de seu corpo. Por Deus, ela tinha certeza, ele iria matá-la. Iria matá-la e depois sumiria, e ninguém saberia os motivos além de Ruel, que o espancou em público. Ninguém acreditaria nele, mesmo que fosse um duque.

— O que você quer? — ela conseguiu dizer com a voz trêmula.

— O que eu quero? — ele colocou a boca perto de sua orelha e sussurrou — Muitas coisas.

— O que está fazendo com minha noiva aqui, primo? — a voz de Joshua, Clarissa reconheceu, vindo de trás de ambos – Você está bem querida?

— Sim. — a voz de Clarissa era quase como um sussurro.

— Venha para cá, quero beijá-la mais do que nunca agora.

Clarissa sabia o que Joshua estava fazendo. Tirando ela de perto de Thomas, protegendo-a. Então ela foi, se afastando metro por metro, a cada passo ficava mais longe ainda daquele louco. Até estar ao lado de Joshua.

— Gostaria de explicar o que está fazendo aqui, Sr. Bassett? — agora era a voz de Ruel, vinda do outro lado do cômodo.

— O que está insinuando?

— Que o senhor seguiu a Srta. Williams até este local para que pudesse destruir sua reputação. — disse Ruel indo direto ao ponto.

Thomas arquejou, fingindo espanto.

— Está ouvindo o que ele disse, primo? Irá autorizar que ele me acuse de tais coisas? — a voz dele estava ficando cada vez mais arrastada.

— Sim. Nunca confiei em você, criado longe. Nunca prestou nada, igual seu pai. — Joshua disse com a voz seca, tentando provocá-lo.

Não ouse falar de meu pai. — ele esbravejou.

— Por que, Thomas? Ele também não era um leva e traz igual você? Um mentiroso? Um canalha? Não foi por isso que a família se afastou de vocês do norte?

Thomas não pronunciou nada, apenas avançou na direção de onde a voz de Joshua vinha, mas para sua surpresa outra pessoa tinha o pego. Ruel, que aproveitara sua distração para andar silenciosamente até o outro lado. O duque estava segurando Thomas pela gola da camisa agora, levantando com toda sua força.

— Encontramos provas de que você está com a casa Lancaster, você é um espião! Por que está aqui? Por que quis sujar a honra da Srta. Williams diante de toda a sociedade?

Um fiapo de luz atravessava a madeira e iluminava exatamente um pedaço do rosto de Thomas, deixando seu olho direito e o canto de sua boca visíveis. Ruel percebeu quando a expressão no rosto do homem mudou de ódio para manipulador.

— Porque eu quis.

Simplesmente assim. Porque ele quis.

Mas Ruel já havia conseguido o que queria. Sua confessão. O resto dali adiante seria lucro.

— Encontramos cartas de correspondência entre você e os Lancaster, planejando um golpe contra a minha pessoa, o duque dessas terras. Você tinha informações íntimas minhas, me diga como! — Ruel gritou.

— Está bem debaixo de seu nariz.

Agora Ruel que estava ficando furioso.

Por que estava tentando me destruir? Diga apenas por que! — Ruel apertava ainda mais a gola do homem.

Porque você deve pagar. Porque não iremos parar, não iremos lhe deixar em paz, até que esteja morto. Cada dia de nossas vidas, será gasto para fazê-lo pagar pelos erros de sua família. Vocês devem pagar. Todos vocês.

Ruel ficou tão perplexo com a resposta que não conseguiu pronunciar nada, a repulsa por Thomas aumentara mais do que ele se permitia achar possível. Por que os Lancaster tinham tanto ódio dos Vincent? Pagar pelo quê? Sua guerra era comercial e familiar.

Nesse momento, um barulho alto foi feito e a claridade tomou conta do cômodo que antes estava em completo breu. Ruel olhou para o lado, Joshua havia aberto as cortinas. Abaixo deles, no salão, com a música abaixada lentamente sem que Thomas percebesse, todos escutavam e encaravam o local onde estavam.

Desmascarado em frente toda alta sociedade londrina. Agora só faltava o toque final.

— Senhor Thomas Bassett, — Ruel pronunciou para que todos os presentes ouvissem — por estar de pé em minhas terras, o senhor responde às leis do meu ducado. E como duque e príncipe de Norfolk, em nome do sangue e da lealdade como lema de minha família, eu o declaro condenado por traição e conspiração contra a família real dos Países Baixos, sendo eu, príncipe primo de Willem Alexander III, e à nobreza de Norfolk, provocando custos à corte holandesa respondendo pelos ataques da casa Lancaster contra Amsterdã. — o olhar de Thomas era frio, não expressava emoção alguma. Nem arrependimento, nem medo. — Guardas, — Ruel chamou — levem-no.

Dois homens fortes com roupa de guarda agarraram Thomas pelos braços e o arrastaram para fora do cômodo.

— Você verá, — ele disse — está focando na pessoa errada. Está bem debaixo do seu nariz, e quando perceber, sua graça, será tarde demais.

E então ele sumiu, virando carregado no corredor do castelo.

— Você está bem? — ouviu Joshua dizer para Clarissa — Ele a machucou? — o amigo estava louco, olhando cada canto do corpo da jovem.

— Não, eu estou bem, prometo Joshua.

Depois de garantir junto ao amigo de que Clarissa estava em boas condições, Ruel se virou e encarou a multidão abaixo dele.

— Como duque e príncipe, — disse — exijo respeito pelo sobrenome Bassett, pois este sujeito que acabamos de sentenciar, certamente não responde pelo nome de uma das mais respeitadas famílias da alta sociedade londrina há séculos, sendo justamente criado em outra localidade por motivos óbvios. — o rosto de Ruel endureceu, tomando o personagem de duque falando com seu povo — Isto é uma ordem. Se souber ou ouvir o mínimo sussurro que seja sobre nossos queridos aliados, amigos e convidados, não hesitarei um segundo sequer para mover céus e terras para caçar o responsável e garantir que tenha o mesmo destino que o senhor Thomas por desrespeito à ordem de um membro da nobreza. Alguém tem algo há contestar?

Nenhum mínimo barulho foi ouvido.

— Ótimo. Agora, por favor, aproveitem o restante do baile. Garanto que os jornais ainda falarão muito sobre o que acabou de acontecer, ainda terão muito sobre o que debater.

A música voltou a tocar.

Ruel virou de costas e foi até Clarissa, desfazendo seu personagem de um nobre perigoso.

— Tem certeza de que está bem? — perguntou.

— Sim, — ela reafirmou balançando a cabeça — só preciso tomar um ar. Será que o senhor poderia pedir para que um guarda e uma dama me acompanhassem até o terraço?

— Claro. — respondeu ele sem hesitar.

— Quer que eu vá com você? — perguntou Joshua.

— Não precisa, por favor. Me deixe ficar um pouco sozinha. Eu prometo que estou bem, voltarei em breve.

Ruel então fez o prometido e Clarissa partira junto aos dois empregados da casa.

— Está bem, Ruel? — Joshua perguntou colocando a mão nas costas do amigo — Foram palavras bem pesadas as que ele disse à você. Tenho certeza de que estava apenas blefando.

— Não tenho tanta certeza assim, mas lidarei com isso. Do mesmo jeito que lidei em todas as outras vezes.

Joshua sorriu para ele sem mostrar os dentes.

— Foi muito nobre de sua parte, fazer tudo isso para ajudá-la.

— Foi o mínimo que eu poderia fazer. E obrigado por sua ajuda. Sem você com certeza o plano não teria sido possível.

— Eu já queria me livrar desse cara há dias. Nunca suportei olhar para o rosto dele.

Ali estavam eles de novo. Amigos, fazendo planos, rindo e conversando juntos. Como costumavam ser.

Ruel costumava caminhar para esvaziar a cabeça, para pensar. Gostava de ficar sozinho, então teve a ideia de caminhar até a biblioteca do castelo, do lado oposto ao baile, depois que Joshua teve que fazer outras coisas – não voltara para o baile para acobertar o desaparecimento de Clarissa, se pensassem que estava com ela, tudo ficaria bem.

A porta dupla e pesada continua intacta, do mesmo jeito que em suas velhas memórias. A velha e doce biblioteca, para onde costumavam correr quando eram crianças, brincando de algo quente ou frio.

Quando escutou um barulho oco contra o chão de madeira vindo do lado direito do cômodo.

— Olá? — Ruel chamou.

Uma Clarissa assustada aparecera de trás de uma das estantes.

— Olá.

— Oh, — Ruel pronunciou — a senhorita está aqui. Não estava indo para o terraço?

— Sim, claro. Mas enquanto caminhava passei em frente a frente da porta e resolvi entrar. Para...o senhor sabe...matar a saudade.

— Oh, claro.

— Costuma vir muito aqui para relaxar?

— Para falar a verdade, é a primeira vez que venho aqui desde...não sei, mil setecentos e noventa?

O que? Então quer dizer que tudo o que está aqui está...exatamente do jeito que estava desde a última vez em que estivemos aqui quando crianças? — ela estava com um pequeno sorriso nostalgico no rosto.

Ruel se divertiu com essa visão. Seu sorriso era algo que ele apreciava muito.

— Acredito que sim, os empregados apenas limpavam e mantinham tudo exatamente no mesmo lugar para preservar.

— Isso é...incrível. E falando em estar tudo no mesmo lugar, o senhor não vai acreditar no que encontrei...

— Desculpe interrompê-la, — Ruel disse já a interrompendo — mas a senhorita está aqui sozinha?

— Não, — ela respondeu de imediato — seu guarda está bem ali. — ela apontou para o homem que estava de pé ao lado da porta — A Sra. Chapman foi buscar um copo de água para que eu pudesse relaxar. — ela o encarou novamente — Continuando o que eu estava dizendo...

Ruel a admirava muito. Sua determinação. Sua força. Minutos atrás estava quase derretendo em seus braços, e agora estava ali, quase mandando que ele calasse a boca para que ela pudesse continuar falando sobre uma memória feliz que ela compartilhava com ele. Sorrindo.

— ...lembra de uma das últimas vezes que viemos aqui? Joshua perdeu...

— Sua tiara. — Ruel completou se lembrando perfeitamente daquele dia, como se o tivesse vivido no dia anterior.

— Sim. Sabe a melhor coisa de ter vindo aqui? — ela puxou a mão que estava escondida nas costas, atrás de si, e lhe mostrou uma tiara completamente brilhosa.

Os olhos de Ruel se arregalaram de surpresa.

— Como-como a encontrou? Eu e Joshua vasculhamos todo esse lugar por um dia inteiro e não a encontramos de jeito algum.

— Acabei achando sem querer, estava puxando alguns livros quando um deles caiu e ela saiu de dentro dele.

— Oh, isso faz sentido. Então ela caiu dentro de um dos livros... — Ruel encolheu as sombrancelhas de modo que fez Clarissa dar uma pequena risada — por que não pensamos nisso antes?

Ambos estavam rindo agora.

— De coração, Ruel. — ela o chamara pelo primeiro nome — Obrigada. Pelo o que quer que você tenha feito para conseguir desmascarar Thomas.

Ele deu de ombros.

— Fiz apenas o que devia. Joshua me ajudou, e sua mãe também, principalmente.

— Minha mãe? Lhe ajudando?

— Pelo impossível que pareça para a senhorita, sim. Ela me ajudou.

Clarissa riu.

— E o que isso lhe custou?

Tudo. — ele disse com intensidade.

Não fazia ideia do que ele estava falando, mas por algum motivo, sabia que ele não estava mais brincando.

Clarissa não conseguia se expressar, nunca conseguira. Estava extremamente grata à ele por tê-la salvado de Thomas, livrando o homem para sempre de sua vida, e a única coisa que conseguia dizer era um simples "obrigada". Ruel havia movido o mundo para ajudá-la, havia conseguido até que sua mãe cooperasse com ele. Sua mãe! E ela ainda assim não tinha coragem de falar o que verdadeiramente sentia em relação à ele.

Ele fizera aquilo por ela.

Não que ela precisasse de alguém que fosse salvá-la toda vez, Clarissa estava admirada com o fato de Ruel ter se esforçado tanto para simplesmente ajudá-la. Ele lhe disse mais cedo naquele dia "confie em mim", e cumpriu com sua promessa.

"Ninguém irá fazer mal algum à você"

Sua mãe estava certa? Ela faria mesmo aquela escolha se tivesse que fazer sozinha? Ainda sentia sua falta? Ainda o...

Não. Ele não correspondia mais à esse sentimento, seria doloroso demais senti-lo sozinha.

Mas ele havia acabado de mover céus e terras para simplesmente ajudá-la. Estava sendo ridícula de pensar que isso poderia significar algo?

— Está ouvindo? — ele perguntou de repente.

Clarissa piscou atordoada por seus pensamentos.

— O que?

— A melodia. Adoro essa música. E inclusive, é a valsa da noite, o eclipse acontecerá daqui a alguns minutos.

Clarissa aguçou os ouvidos, mas ainda não ouvia.

— Não estou ouvindo nada.

— Venha aqui. — Ruel seguiu pelo corredor principal da biblioteca e virou à esquerda. Havia uma porta de vidro que quando aberta, revelara um pequeno terraço. Não muito grande, mas o suficiente para admirar o céu noturno enquanto ouvia a melodia da música tocando abaixo deles — Não repare nas plantas, esta parte nunca foi muito...utilizada.

— É perfeito. — garantiu Clarissa, olhando ao redor, de boca aberta com a beleza do lugar.

— Ninguém pode nos ver aqui. O jardim liberado para ver o eclipse é do lado extremo deste prédio então...estamos bem escondidos.

— O senhor quer ficar escondido comigo? — Clarissa perguntou usando a palavra "senhor" propositalmente, para deixá-lo sem jeito.

— A senhorita me concede esta dança? — rebateu Ruel se curvando e esticando a mão para que ela pegasse.

— Seria uma honra, sua graça — ela respondeu fazendo uma reverência, brincando com a situação.

Quando se tocaram, foi como sempre. Faíscas por seus corpos, como se um raio tivesse caído a centímetros de onde estavam. Desta vez, eles deixaram as coreografias de lado, a sociedade de lado, maneiras de lado. Apenas se aproximaram junto à nostalgia que aquele local emanava, e dançaram à luz da lua com a melodia vinda do salão, como se fossem crianças novamente. Uma voz feminina cantava lentamente, acompanhada de um violino e um piano:

I don't want to say that this was hard, it was

Trying not to stay but that just made it worse

I've been keepin' my distance

Well, I just wanna know what you're thinking

I just can't explain the way it hurts

Now that what we had is gone

I don't have the words, I'm so bad at playin' along

I'm saving my feelings

I've been keeping my distance

Quando a música cessou, só a respiração de ambos dava para ser ouvida no lugar. O falatório ao longe, quase inaudível. Seus rostos ainda estavam próximos. Mais próximos do que o indicado pelas pessoas. Ruel conseguia sentir a respiração de Clarissa batendo em seu rosto.

Estar tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Não poder tê-la. Lutar contra a tentação de pular em seus braços e tomá-la em seus lábios. Doía. Ruel fazia uma enorme força contrária a todos os instintos de seu corpo, como se estivesse lutando contra a força da gravidade.

— Lembra quando costumávamos brincar de quente ou frio quando vínhamos para a biblioteca? — Clarissa sussurrou.

— Sim, falamos disso há alguns minutos, não? — ele respondeu de volta, centrando todas as suas forças em afastá-la de seu corpo. Afastar seus pensamentos pecaminosos.

— Guarda. Quente ou frio.

— Frio. — Ruel respondeu, indicando que o homem não estava perto para vê-los.

— Baile. Quente ou frio.

— Frio.

— Estamos completamente loucos. Quente ou frio.

— Quente.

Seus rostos começaram a se aproximar cada vez mais, cada osso do corpo de Ruel doía.

Clarissa ansiava por aquilo como jamais imaginou. O sentimento de querer estar nos braços dele para sempre estava bem ali, esmagando seus sentimentos novamente. Ela queria aquilo. Queria mais do que nunca.

— Clary, não posso fazer isso. Irei metê-la em problemas novamente...

— Shh, — Clarissa colocou um dedo nos lábios de Ruel — por favor, não fale nada. — ela apoiou a mão em seu ombro novamente.

Os olhos de Ruel iam das órbitas de Clarissa até sua boca. Indo e voltando. Estava quase cedendo, precisava ceder. Ela estava implorando para que continuasse.

Precisava tê-la, nem que fosse por apenas alguns segundos. Queria tê-la de volta.

Queria seu amor.

— Você ainda me ama. — Clarissa disse — Quente ou frio.

Ruel se aproximou da jovem até que sobrasse apenas um centímetro de distância entre os dois, e então sussurrou:

— Meu coração ferve por você.

Daquele momento adiante, Ruel não se recordava de mais nada. Sabia apenas que no exato momento em que o relógio batera, seus lábios se chocaram. E abaixo do eclipse lunar, tanto na terra, como no céu. Sol e lua se sobreporam. Mudando o curso de suas vidas para sempre.

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