Todos sabiam que Ruel era um homem invejável. O que não sabiam era que ele
também era um ótimo mentiroso.
Quando perguntavam sobre o pai, Ruel sempre dizia que estava bem, saudável e se recuperando da morte de sua mãe o máximo que podia. A verdade era que quando Ruel tinha quinze anos, entrou no escritório de Ralph van Dijk e o encontrou no chão, desacordado. Um médico foi chamado e desde então o homem nunca mais saiu da cama. Ruel teve que tomar conta da maioria dos negócios e obrigações do pai como Duque de Norfolk, mas ainda doente, Ralph se recusava a ser um inútil, então insistia em realizar algumas tarefas mesmo de cama.
Por que ele recusava dizer a verdade? Simples. Não gostaria de parecer fraco e vulnerável, pois alguns familiares estavam de olho em seu ducado e caso soubessem do estado de seu pai, seriam capazes de tudo para tirarem os poderes de sua mão, e Ruel nunca permitiria isso, pois seu dever como futuro Duque era fazer o nome dos Vincent carregar o título pelo máximo de gerações possíveis.
1798
Desde que era um menino, Ruel adorava andar à cavalo. Agora que crescera e aprendera a dominar completamente o animal, sempre que possível estava cavalgando pelo vale. O vento em seu rosto lhe lembrava de quando era menino, correndo pelos jardins do castelo de Norfolk e depois subindo as escadas para contar tudo o que havia feito naquele dia para a mãe. Fugir dos problemas indo para o passado era sempre bom, mas infelizmente as responsabilidades o chamavam ao presente, de volta à seu pai. E ao seu problemático ducado. Portanto, o jovem rapaz retorna à sua casa, indo diretamente ao estábulo.
- Hey, hey, hey calma garota. - ele conversa com a égua, fazendo carinho em sua pele para que ela se acalme após ficar agitada com a súbita presença de um dos empregados da família no local enquanto ele estava desmontando. - Boa menina.
- Com licença, senhor. - o homem reverencia em saudação. - Desculpe pelo incômodo. Sir. Harris está no sagão e deseja falar imediatamente com Vossa Graça o Senhor Ralph.
Richard Harris era o informante dos Vincent e representante militar do ducado. Sua presença sempre era um sinal de alianças abaladas ou prestes a serem destruídas. E Ruel não gostava nada do sentimento de medo que aquele velho senhor trazia.
- Certo. Diga-o para aguardar em meu escritório, irei apenas me trocar e então informarei meu pai. Não deixarei Harris esperando por muito tempo, mande servirem chá e alguns aperitivos.
- Sim senhor.
- Dispensado.
O empregado o reverencia novamente e se retira.
Ruel esperou até que ele não estivesse mais à vista para ir até a entrada lateral que levava ao segundo andar. Estava correndo, desesperado talvez. Mas nunca adimitiria.
Ao chegar à ala de descanso que ficava logo ao pé da escada, Ruel se encaminhou em direção ao quarto do pai, bateu na porta e ouviu um pequeno "entre".
Assim que abriu a porta pronunciou:
- Pai, temos problemas.
O homem estava cheio de papéis à sua volta com um deles em suas mãos, lendo. Eram documentos. Ele estava deitado em uma posição quase que sentado. No momento que Ruel entrou no quarto, ele retirou o óculos pince-nez que estava pousado sob seu nariz e olhou para o jovem menino à sua frente. Sua cara estampava um enorme "pelo amor de Deus, continue".
- Sir Harris está em meu escritório nesse exato momento trazendo notícias urgentes. Sabemos o que isso quer dizer.
- Talvez esteja aqui apenas para negociar em nome deles.
- Ele lhe convocaria para uma reunião em particular, não viria tão apressadamente ao seu lar apenas para negócios.
Após alguns segundos olhando para o lençol da cama, pensativo, Ralph finalmente toma uma decisão.
- Ruel, você precisa tomar meu lugar imediatamente.
- O que?
- Já está pronto para assumir seus deveres como duque. Se o líder oficial de Norfolk não é capaz nem de levantar da cama, estamos perdidos.
- Tenho apenas dezessete anos, a corte nunca me levaria a sério. Poderia ser visto como uma fraqueza crucial pelos Lancastre.
- E é aí é que está a parte em que estaremos um passo à frente. Eles subestimariam sua inteligência e capacidade de administração, mas todos sabemos que você é o completo contrário disso. Pegamos eles de surpresa.
- Pai, não sei se seria uma boa ideia, é quase como um pedido de ataque. Poderíamos causar uma guerra inevitável.
- Eles já querem guerra, Rueloff. - o tom do homem mais velho nunca era bom quando pronunciava seu nome inteiro - Só adiantaremos nossa vitória.
Ruel estava perdido. E pior, estava com medo. Medo de que seu pai estivesse enganado. Medo de dar um passo em falso e arruinar todo o legado de sua família. De ser conhecido como o jovem que entregou seu ducado nas mãos de outra família por ser inexperiente e estúpido. Mas já que era seu destino, não iria fugir.
- Tudo bem. Hoje mesmo enviarei uma carta ao conselho.
O garoto virou de costas para a cama em que seu pai repousava, indo em direção à porta do quarto para se retirar.
- Ruel? - Ralph o chama.
- Senhor?
- Tenho certeza de que tomou a decisão correta. Será um ótimo líder.
Ruel apenas balança a cabeça em afirmação com um sorriso, agradecendo as palavras de confiança do pai e finalmente bate em retirada direto ao seu escritório. Richard Harris estava de pé olhando pela janela no canto esquerdo do lugar.
- Sir Harris. - o garoto anuncia entrando no cômodo.
- Ruel. - ele faz uma reverência. - Preciso falar urgentemente com o duque.
Ruel reuniu toda a coragem que poderia ter em si. Quatro palavras e o seu destino mudaria para sempre. Gostaria de manter o tom seguro e estático para não hesitar e aparentar fraqueza.
- Está olhando para ele.
O peso de um milhão de cavalos se instauram em suas costas.
- Desculpe? - o homem estava claramente confuso e incrédulo.
- Meu pai está indisposto, assumirei seu lugar como novo duque de Norfolks. O senhor está, na verdade, procurando por mim. - se surpreendeu por não ter gaguejado nem uma vez.
Estava selado.
Sir Harris levou um tempo encarando o menino dos pés à cabeça, como que avaliando se estava fadado ao fracasso ou não. E pelo seu tom, a resposta aparentemente era sim.
- Entendo.
- Muito bem, então podemos finalmente discutir sobre o que o senhor teria para informar à mim? - fez questão de dar ênfase nas duas últimas palavras.
- Claro. - seu tom era seco e áspero. Ele claramente desprezava Ralph pela tomada de decisão tão burra e estúpida de colocar um garoto para ser o chefe de Estado em meio a uma guerra. Achou que o antigo duque era mais inteligente, aquilo era obviamente um suicídio.
Ruel se sentou atrás da enorme mesa de seu escritório e acenou para que o homem sentasse à sua frente.
- Trago notícias ruins. - "alguma novidade?" Ruel pensou - Chegou até mim a informação de que os Lancastre estão buscando um exército. Estão determinados a tomar Norfolk.
- Bom, então precisamos tomar as medidas adequadas nessa situação, arranjaremos aliados e...
Harris o interrompe.
- Recuar seria a melhor escolha. Estão fragilizados no momento por... - ele esnoba movimentando a mão - sua recente troca de líderes. Não podem enfrentar um exército. Com todo respeito, Sua Graça é inexperiente.
Ruel já estava fervendo por dentro, aquele homem estava desonrando seu nome, seu título e sua pessoa.
- Posso administrar esta situação tão bem quanto meu pai. - conseguiu pronunciar entre os dentes.
- O senhor não entende...
O desdém em sua voz foi o ápice para Ruel. Aquele homem estava em sua casa, sob seu comando e estava o enfrentando? Jamais vira tamanho desrespeito. E não seria ele que iria ferir sua honra apenas por sua pouca idade.
Sir Harris continuaria falando se Ruel não tivesse socado a dura mesa de madeira e causado um estrondo no ambiente ao se levantar, jogando a cadeira para trás, explodindo de ódio.
- NÃO ouse me subestimar em minha casa.
O homem estava com cara de derrotado, sentia-se humilhado por uma criança. Não concordava com as decisões do antigo duque, mas não seria burro o suficiente de enfrentar seu filho após a cena que acabara de presenciar. O garoto poderia parecer magro demais para um líder e muito indefeso, mas isso era apenas uma casca que escondia tamanha força e poder que um dia poderia emanar do menino.
- Nunca ousaria fazer isso Sua Graça.
- Estou ordenando que comunique imediatamente o informante dos Lancastre sob nossa mudança de comando. Entendido?
- Sim, Sua Graça. - Harris não o olhava mais nos olhos de tanta vergonha.
- Não deixarei o nome de minha família ser marcado como os covardes que fugiram do inimigo. Lutaremos até o fim. Anthony! - Ruel chama.
- Senhor? - o mordomo aparece rapidamente abrindo a porta.
- Mande arrumarem minhas coisas, sairei por quatro dias à negócios.
- Sim, senhor. - e então se retira.
- Terei uma conversa com o príncipe. - agora ele se dirigia à Harris - Amanhã mesmo estarei indo até a corte real.
E era apenas o começo.