CALLYEN
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Sinto como se minha cabeça estivesse prestes a explodir, minha visão arde e todo o meu corpo reclama quando tento me mover. Sei que estou deitada, pois minhas costas estão aconchegada em algo macio, entretanto, não sei que horas são e muito menos o que ocorreu. Abro os olhos encarando a claridade que acomoda no local, o calor reconfortante e a brisa morna. Eu gosto disso. Dessa sensação.
A sensação entretanto, rapidamente se esvai quando eu me recordo onde estou e o que ocorreu para que eu estivesse aqui, e principalmente, o motivo pelo qual eu sinto minha cabeça prestes a explodir. As lembranças dos anos sobre o domínio torturante de Ykner, as lembranças sobre as correntes em meus pulsos e as malditas marcas contra a minha pele.
- Não se levante tão rapidamente. - uma voz suave sooa ao meu lado. Desvio meu olhar para encontrar a irmã Archeron, Elain, sentada numa poltrona ao lado da minha cama. Seu olhar azul cinza pálido apesar de estar direcionado a mim, parecia distante, perdido.
Não sigo seu conselho entretanto, e me repuxo para sentar-me sobre a cama, e sinto a visão rodar brutalmente com o movimento.
- Eu avisei para não se mover rapidamente. - a irmã diz, com um sorrisinho complacente.
- O que... o que aconteceu? - questiono, a voz saindo arranhada devido a garganta estar seca. Prontamente, Elain me entrega um copo com líquido frio, e o recebo agradecida e a minha garganta também.
- Você teve um surto e desmaiou. Desde então estava desacordada.
- Quanto tempo? - questiono.
- Dois dias.
- Dois dias?! - exclamo.
A sensação fria se apossou novamente, quando as lembranças retornaram, desde o surto de Poder puro até imagem de Ykner sorrindo em minha mente, dentro do escudo. Ele sabia. Pela Mãe, ele sabia e...
- Preciso falar com o Grão-Senhor. - Digo tentando me levantar, mas Elain me impede com segurando meus ombros para manter-me na cama.
- Você ainda não está recuperada, Callyen. Além do mais, Rhysand e minha irmã e os outros não se encontram na Casa dos Ventos agora.
- Eu preciso...
- Os olhos negros estão sobre você, Callyen. Sussuros de morte e sangue cantam em seus ouvidos... Você consegue ouvir, não consegue?
Um arrepio subiu por minha espinha e eu sinto o suor escorrer gélido pela minha têmpora, num sentimento de mau agouro. Os olhos da fêmea estavam fixados em mim, ao mesmo tempo que eles pareciam vítreos. Sim, eu sentia.. eu ouvia a maldita voz doce de Ykner em meus tímpanos, em minha mente...
- O que você vê? - questiono num sussurro, e a fêmea me olha com uma compreensão estranha.
- Sombras te guiarão em direção a luz do Caos, Princesa. Você foi abençoada, pela própria natureza da vida... O Senhor da Morte enviara sua Legião e o seu laço será posto a prova.
Abençoada pela Vida? Espera, ela falou laço?!
- Você fala por enigmas, Elain. - digo enquanto suspiro, tentando quase em vão levantar da cama, mais uma vez a fêmea tenta me impedir, mas para quando lanço um olhar fulminante em sua direção. - E eu agradeço por sua... previsão, mas no momento eu preciso falar com seus Grãos-Senhores...
- Creio que a senhorita não esteja em condições de realizar tal pedido. - a voz rouca e ao mesmo tempo profunda, cortou o espaço do quarto amplo quando o Mestre Espião passou pela porta de madeira pesada. Seu olhar de mel derretido, entretanto, estava mais duro que pedra sobre mim.
Elain baixa seu olhar por um momento, se para a forma como ele havia falado ou se pela expressão ainda mais fria que parecia talhada no rosto do Encantador de Sombras da Corte Noturna, como esculpida no próprio mármore. Se é que era possível.
- Vou deixar que vocês... Conversem. - Elain diz e eu a olho, minha expressão tal como traidora estampada.
A fêmea sai do quarto, passando por Azriel que ainda se mantinha próximo a porta. Incrivelmente, percebi que o olhar dele suavizou brevemente quando ela passou por ele, direcionando um olhar significativo. Uma sensação amarga - que eu não entendi ao certo o porquê - se instalou em meu estômago, ao ver a interação entre os dois. Tal como eu já havia sentido ao ver a forma como ele olhava para Morrigan, como se ela fosse um objeto de adoração inalcançável. A sensação se acomodou mais profundamente, incomodando trazendo um gosto ruim a minha boca.
Elain saiu, e ele voltou o olhar de volta para mim a medida que ele se aproxima da cama, o olhar, percebi, não era o mesmo que ele dirigia a Elain ou a Morrigan, havia confusão ali, além de consternação, como se ele lutasse em seu interior consigo mesmo. Deliberadamente, ele se aproxima da poltrona em que Elain esteve, mas ele apenas a puxa para mais perto da cama, para depois, acomodar-se nela ajeitando as asas elegantemente as costas.
- Creio que já saiba, o porquê de eu estar aqui. - ele diz, devagar e pontuado, escolhendo as melhores palavras. De certo modo, serviu como um aviso para mim, de que eu também deveria escolher cada palavra que seria posta por mim naquela conversa.
- Você está aqui para me interrogar. - não foi uma pergunta, ambos sabíamos disso e eu, depois que me lembrasse sabia que em algum momento isso ocorreria, e que era uma questão de tempo.
Azriel apenas inclinou a cabeça levemente para o lado, o rosto tão indecifrável quanto a seus pensamentos. Não sou tola o bastante para tentar sondar sua mente, Azriel convivera cinco séculos na presença de um feérico leitor de mentes e então, com a companheira dele para ter uma certa... experiência em manter Daematis - ou Manipuladores - fora de sua mente e construir escudos ao redor dela. Eu consegui por mais de duas vezes me esgueirar por dentro de seu escudo, e ainda assim, eu não fazia ideia de como ocorreu. Mas agora, eu sabia através de sua expressão fechada e dura, que nesse momento eu não seria capaz de lê-lo outra vez.
- Como poderemos... Fazer isso? - ele questiona, mais para si próprio que para mim de qualquer forma.
- Da maneira correta, embora, acredite que seria mais fácil com seus Grãos-Senhores presentes. Odiaria ter que me explicar duas vezes.
- Infelizmente, nesse momento terá que se contentar comigo.
- Eu não sou o inimigo, Azriel.
- Não creio que seja. - ele diz, inclinando um pouco para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, fazendo os sifões de cobalto azul cintilarem com o movimento.
- Entretanto, aqui estás, pronto para me interrogar e atirar-me aos cães se necessário para obter respostas. - digo, em momento algum abaixando o olhar do dele. Por um breve momento vi um sentimento de mágoa transpassar em seus olhos, mas logo ele fora encoberto pela névoa escura das sombras que serpenteavam, agora mais densas, em seu rosto.
- Não estou pedindo que confie em mim, sei que não estou em posição de confiança agora, mas preciso que me ouça. Eu não sou o inimigo, Encantador de Sombras, mas os inimigos estão vindo, em busca de vingança. Então se seus Grãos-Senhores não desejam uma guerra, preciso falar diretamente a eles.
Vejo a dúvida perspassar seu olhar castanho dourado, a medida que ele reflete sobre o que eu disse. Entretanto, não espero tempo suficiente para que ele fale, ou faça, algo e arrasto-me para fora da cama, sentindo o mundo rodar mais uma vez e o meu corpo fraquejar. Quase imediatamente braços firmes se prenderam ao meu redor, em minha cintura, e o outro segurando num aperto suave meu braço, impedindo que eu caísse. E então aquilo aconteceu novamente, o estalo no fundo da minha mente e um puxão, direto na minha costela e então, as malditas sensações em minha mente.
Um domo perfeitamente incrustado de obsidiana diamantino, envolto em sombras. Eu o senti do outro lado da ponte, puxando de volta. E a mesma maldita sensação de antes, de familiaridade com o toque áspero de suas mãos em minha pele, a sensação de gostar do toque e desejar mais.
Sinto o ar se esvair de meus pulmões, gradativamente, quando o estalo se quebrou e eu me vi sendo puxada para fora em queda livre. Foi então que ocorreu, os murmúrios de gritos do lado de fora, como se, toda a paz construída em Velaris, após os anos de guerra caíssem novamente.
E ao inferno, eu sabia, pelo Caldeirão eu sabia o motivo do que estava ocorrendo.
Ele havia chegado.