Legend - O Feiticeiro Oculto...

By Y_Silveira

3.7K 412 346

Meicy Kallú se descobriu feiticeiro ainda criança e para aprender mais sobre seu misterioso dom, se alistou n... More

AVISO IMPORTANTE
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
PARTE I
I - A CARTA
II - A GAROTA NO RIO
III - O CONFRONTO
IV - A CERIMÔNIA DE CONSAGRAÇÃO
V - O SEGREDO DO GATO
VI - O INSTITUTO
VII - SEGREDOS
VIII - A PRIMEIRA AULA DE SIDELÊNICO
IX - A FADA
X - A ENTRADA SECRETA
XI - A ENCRUZILHADA
XII - A CURA
XIV - A TUMBA
XIV - OS DEMÔNIOS
XV - CORAÇÃO NEGRO
PARTE II
XVI - O JARDIM DAS ROSAS
XVII - O ÚLTIMO TESTE
XVIII - DEFLORAMENTO
XVIX - O LEÃO NEGRO DE TRÊS CABEÇAS
XX - FIM DO TESTE
XXI - A MISSÃO EM MENGIE
XXII - OS GUARDIÕES
XXIII - ATRAVÉS DO OCULTO
XXIV - O ELFO DEMONÍACO
XXV - ESMAECER
XXVI - O DESTINO DA MAGA
XXVII - A NOVA MISSÃO
XXVIII - UM NOVO DEUS
XXX - A CASA NA ÁRVORE
XXXI - PIRILAMPOS
XXXII - ALÉM DO RITUAL
XXXIII - DE VOLTA PARA CASA
XXXIV - DESESPERANÇA
XXXV - LIFÁRIUS
XXXVI - DECISÕES
XXXVII - UM NOVO AMANHECER
PARTE III
XXXVIII - DE VOLTA À LAUCANA
XXXVIX - MARTA MORTE
XL - O ESPETÁCULO
XLI - FIM DE SEGREDOS
XLII - O CEMITÉRIO
XLIII - REENCONTROS
XLIV - A DECISÃO
XLV - SEM ESCOLHA
XLVI - A SENTENÇA
XLVII - O MAGO INFERNAL
AGRADECIMENTO

XXIX - A CAVERNA DE CRISTAL

54 6 5
By Y_Silveira



Meicy buscava se concentrar, mas o medo vencia a sua mente. De qualquer maneira, aquela era a única maneira de salvar Kelmo. A caçadora estava deitada, com os lábios manchados de sangue e vários ossos quebrados. O seu choque contra um paredão rochoso — quando Haiko a atacou — fora bastante violento. O jovem feiticeiro praguejava o elfo em pensamento, entretanto, a sua preocupação para com a caçadora era bem maior que alimentar a raiva contra o demônio naquele momento.

Eles estavam sob o mesmo paredão rochoso em que Kelmo foi jogada. Meicy tentava usar o seu poder de cura, pausando as suas duas mãos sob o tronco da jovem desfalecida. Ele estava impaciente, a luz verde penetrava naquele corpo enfraquecido já fazia mais de dez minutos, porém, sem sucesso. Ela havia se machucado bastante.

— Vamos Kelmo! Sobreviva! — Meicy clamava. — Por favor... — Ele sussurrou, procurando ainda um pouco de esperança que lhe sobrava.

Lembrou-se das palavras de Haiko quando ele o chamou de fraco. Ele deveria estar certo? Não! Ele não poderia estar. Meicy não era fraco, só ainda não estava preparado para derrotá-lo. O jovem feiticeiro se animou com esse pensamento, com isso, fortaleceu o seu poder de cura. Ele iria se fortalecer, custasse o que custasse, nem que para isso deixasse as trevas o dominar por vez.

Kelmo tremeu as pálpebras e franziu o cenho. Ela estava despertando. Meicy dissipou o seu poder imediato, temendo ser descoberto pela caçadora. Por sorte, ela não havia percebido. A jovem abriu vagarosamente os olhos reptilianos, embora ainda a sua visão estar bastante turva ela reconheceu o semblante embaçado de Meicy.

— Meicy? — Ela perguntou, tentando se levantar.

— Não se levante! — Disse Meicy, segurando nos ombros da caçadora. — Fique deitada. Irei preparar um chá com arniteia e limo. É ótimo para dores internas.

— Mas... Eu não sinto nada.

Meicy ficou em silêncio, pelo visto, havia funcionado. Kelmo estava curada e sem nenhum dano. Ele preferiu manter a sua atenção em sua bolsa com seus acessórios e ervas.

— Meicy! Onde está ele? Onde está o demônio? — Kelmo questionou, impaciente.

Meicy suspirou.

— Não se preocupe, ele já foi embora.

— Como assim ele foi embora? — Kelmo se pôs sentada. — Ele iria nos matar! O que aconteceu?

— Kelmo, esqueça isso e deite-se! Ele não está mais aqui!

Meicy tentava ser gentil e transmitir plenitude, mesmo sabendo que não conseguia controlar o tom de sua voz. Kelmo não estava satisfeita com aquelas respostas. Ela o encarou, como se tentasse estudar as suas expressões faciais.

— Você lutou com ele? — Ela perguntou e percebendo o silêncio dele, considerou aquilo como uma afirmativa. — O que você pensa que fez? Você é só um bruxo! Não pode lutar!

— Se eu não fizesse nada, ele iria nos matar.

— Que nos matassem! Eu não admito ser salva por um bruxo. E ainda por cima nem o derrotou. Seu verme insignificante! Gostaria de saber por que ainda está vivo?

Kelmo se levantou, olhou ao redor e encontrou a sua espada no chão. Não pensou duas vezes e a recolheu.

— Aonde pensa que vai? — Meicy perguntou.

Kelmo olhou para ele com desdém.

— Vou salvar a minha honra e... Salvar Lirah.

— Você está louca? — Meicy se levantou, tentando se opor a ela. — Não pode enfrentar Haiko sozinha!

Meicy agarrou o pulso dela fortemente.

— Eu faço o que eu quero. Agora me solte. Eu não tenho medo de usar a minha espada contra você!

— Eu não tenho medo de sua espada! Agora me escute... Não vá a procura de Haiko. Isso é suicídio.

Kelmo se aproximou mais dele, fitando os seus olhos e demonstrando uma feição não muito amigável.

— E o que você vai fazer para me impedir?

Meicy sabia que não poderia impedir Kelmo. Ela era teimosa e inconsequente. Ele encarou aqueles olhos de cobra e lendo eles, ela planeja o seu bote a qualquer instante para se livrar dele. Ele precisava reagir e só lhe restou uma última solução.

Meicy agarrou Kelmo pela cintura e nem esperou ela reagir, a beijou ferozmente. A jovem tentava se soltar das garras do bruxo, mas no final, acabou cedendo aos seus sentimentos. Deixou a sua espada cair e se entregou.

☽✳☾ 

Kelmo fitava o horizonte, para a linha verde de floresta ao longe. Seria ali o fim daquele maldito deserto. A sua direita, dunas barcanas transformavam o ambiente em perfeitos mares de areia, paredões rochosos e avermelhados emergiam, alguns por conta do vento tomavam formas esculpidas, como pilares finos, onde no topo equilibravam uma rocha maior. Parecia desobedecer às leis da gravidade, mas era uma visão bem real. Alguns desses pilares lembravam um cogumelo gigante, embora não seria surpresa encontrar cogumelos gigantes de verdade naquele mundo.

O Sol brilhava intensamente, cegando a jovem caçadora. Ela estava sedenta, angustiada. Hidda era uma cidade bastante fria em comparação a aquele inferno desértico. Ela encostava as costas na parede rochosa, estirando uma das pernas e dobrando a outra. Amarrou o seu manto na cintura e lançou um olhar para Meicy ao seu lado.

— Você melhorou rápido. Rápido até demais. — A caçadora falou, tranquila.

Meicy olhou para ela. Claro, ele fingia está debilitado, mas após a sua luta contra Haiko havia se esquecido de fingir. Estava tão preocupado com Lirah e em curar Kelmo que mal se lembrou de sua falsa atuação. Por outro lado, a caçadora não parecia se importar com isso.

— Esse inferno não parece te atormentar. O invejo por isso. — A caçadora comentou, se referindo a aquele calor escaldante. — Precisamos ir embora, Meicy.

— Eu sei. — Meicy falou finalmente, após um suspiro. — Eu só não sei como encontrar...

Meicy se interrompeu. Não poderia contar a Kelmo sobre os seus planos, entretanto, a caçadora o fitou desconfiada, estreitando os olhos.

— O que precisa encontrar?

— Não é nada...

— Me responda! Não esconda nada de mim, bruxo.

— Ok!

Meicy bufou. Abriu seu caderno de anotações, na qual havia feito um resumo de algumas informações retirada de um dos livros de Luciano Antunes. Ele abriu em uma das páginas, onde havia um desenho de um cristal.

— Talvez eu conheça uma forma de nos tirar daqui. — Meicy falou.

— Continue. — Kelmo assentiu, demonstrando curiosidade.

— É um ritual, onde é necessário encantar um tipo de cristal. Esses cristais irão funcionar como teleporte e poderemos voltar para Karkariá com o auxílio deles.

— E o que está esperando? Vá atrás desses cristais!

— Não é tão simples, Kelmo. Não é qualquer tipo de cristal. Esses... só existem aqui em Mengie, mas são de origem mística.

— Origem mística?

— Sim. Eles são criados por uma entidade mística. São bastante raros.

— Então quer dizer que nunca iremos encontrá-los?

Meicy não queria mentir para Kelmo e destruir a sua esperança de sair daquele mundo, mas a verdade era que o jovem feiticeiro conseguia sentir a localização dos cristais. O colar de Assa escondido em sua bolsa emitia um certo calor a medida em que se aproximava, mas era óbvio que a sua aura de feiticeiro também influenciava o poder místico do rubi para isso. O único medo de Meicy era de Haiko chegar primeiro que ele, pois, a entidade mística que produzia os cristais também era um prato cheio para o elfo devorador de almas.

— Meicy! — Kelmo gritou, despertando o jovem de seu devaneio.

— Sim. Iremos encontrar sim. Precisamos de paciência.

— Paciência? — Kelmo se pôs de pé. — Você não faz ideia de como encontrar essas... porcarias! Quer saber? Me dê um pouco de água, preciso ir embora e encontrar os outros!

— Kelmo, precisamos ficar juntos. — Meicy se contrapôs.

— Eu não quero mais ficar com você! Você me adoece!

Meicy se levantou, segurando o cantil de água que carregava.

— Deveria me agradecer por ter salvo a sua vida! — Meicy esbravejou, já irritado. Balançou o cantil de água, confirmando o que já temia. — Não temos mais água.

— O que? Estou com sede!

Meicy jogou o cantil para ela que o agarrou no ar.

— Se vira!

Meicy lhe deu as costas, sem se importar com a caçadora irritada que esbravejava ameaças sangrentas. Ele começou a tatear as rochas do paredão onde estava. Sentia algumas vibrações desde que socorrera Kelmo ali mais cedo. Algo lhe dizia que ele estava mais perto dos cristais do que imaginava.

— O que está fazendo? — Kelmo questionou, estranhando o comportamento de Meicy.

— Vá embora, Kelmo! Não me odeia? Não suporta a minha companhia? O melhor é me deixar sozinho.

Kelmo agarrou o capuz do manto de Meicy por suas costas e o puxou para si, em seguida, rapidamente segurou o jovem pelo pescoço o prendendo contra a parede. O jovem feiticeiro nunca viu a caçadora tão enfurecida. Ela rangia os dentes como um animal feroz, os seus olhos de cobra ganharam um brilho demoníaco como jamais visto. Ela era bastante forte, Meicy sentia os dedos da jovem apertar o seu pescoço de uma maneira que começava a lhe sufocar.

— Kelmo... — Ele disse aos sussurros, engasgado.

Kelmo não lhe deu ouvidos. De repente, por trás de Meicy, a parede rochosa trincou sobrenaturalmente. As rachaduras se espalharam rapidamente e de maneira silenciosa, quando ao menos o feiticeiro percebeu, uma enorme cratera abriu subitamente por trás de si. Ele caiu para trás, carregando consigo Kelmo presa em seu pescoço. Os dois caíram em um ambiente escuro e frio. A queda parecia não ter fim. Os gritos de ambos ecoaram por aquele lugar desconhecido que parecia ser intenso.

Eles mergulharam em algum tipo de lago a uma profundeza assustadora. Rochas que se soltaram da cratera acima, os acompanharam, por pouco, não foram atingidos ao retornar a superfície do tal lago. Meicy estava atordoado, olhando ao redor, mas só vendo a mais pura escuridão. Demoraria para seus olhos de feiticeiros se adaptarem. A água estava extremamente gelada. Gelada demais para o deserto que estava acima de sua cabeça. Ele olhou para o alto, para a direção que havia caído. Lá em cima, via-se apenas um ponto de luz, mais parecia uma estrela. Eles caíram de uma grande altura.

— Meicy! — Kelmo gritou.

Meicy olhou ao redor a procura da jovem. Os seus olhos já poderiam enxergar no escuro. Realmente eles estavam em um lago de água cristalina. Era uma espécie de caverna, haviam estalactites pendendo do alto de suas cabeças, os ameaçando ser perfurados, algumas outras se encontravam com estalagmites e formavam colunas rochosas fabulosas. Gotas de água caíam do alto, caindo exatamente no lago. Se houvesse algo a mais naquele lugar, Meicy não conseguia identificar.

Percebia-se o quanto de místico tinha aquele lugar. Os paredões no deserto eram de um arenito alaranjado, alguns de feições em taça e toda o ambiente desértico sendo banhado por um mar de areia. Por outro lado, as características daquela caverna não correspondiam ao ambiente do lado de fora. Era um ambiente úmido formado por calcário, apresentando espeleotemas — estalagmites, estalactites, colunas, entre outros —, de fato, nada daquilo era normal.

Meicy sentiu um toque em seu ombro. Kelmo havia o alcançado.

— Onde estamos? — Ela perguntou, confusa.

— Acho que em alguma caverna. — Meicy respondeu, prestando atenção em corredores que deveriam levar a alguma câmara.

— Como sabe? Não consigo ver nada.

— Estou confiando na minha intuição. — Ele mentiu, não poderia entregar a ela a sua capacidade de enxergar no escuro.

— Espero que a sua intuição nos tire desse lugar.

Meicy deixou escapar uma rizada, mesmo sabendo que aquele não era o momento. Ele começou a nadar em direção a margem.

— Do que está rindo? Para onde está indo?

— Só me acompanha, nade nesse mesmo sentido em que está. — Meicy chegou até a margem, ainda com a água até a cintura, forçou os braços para subir no barranco pedregoso, por fim, conseguiu. — Eu estava rindo... — Falou ofegante. — Do fato de você confiar em mim, ou melhor, me deixar tomar as rédeas da situação. Você é muito orgulhosa para isso.

— O que eu disse? — Meicy sorriu. — Me dê a sua mão!

Meicy ajudou Kelmo a subir, logo em seguida os dois se deitaram no chão. Olhavam para o alto, para o ponto brilhante, ao menos isso Kelmo conseguia enxergar.

— Esse lugar não deveria ser tão escuro. — Kelmo falou, duvidosa.

— Realmente. Há algo anormal por aqui. Não caímos aqui por acidente.

— Você acha que algo nos trouxe aqui? — Kelmo virou-se para Meicy, franzindo o cenho.

— Talvez.

— Droga! A minha espada e meu cinto com punhais ficaram lá em cima. Isso deve ser uma armadilha de Haiko.

Meicy não quis concordar. Ele sabia que não poderia ser Haiko que os trouxe para ali, se fosse, sentiria a sua aura macabra, mas por ao contrário, ele sentia as vibrações que o colar de Assa lhe transmitia em busca dos cristais. Eles estavam perto, porém, como havia dito, não caíram ali por acidente.

— A minha bolsa também ficou. Tenho objetos importantes. — Meicy falou, se lembrando do colar de Assa.

— Coisas de bruxo! Não servem para nada! — Kelmo indagou. — Precisamos de algo que nos possa proteger.

Kelmo se levantou. Tentava forçar a sua visão e identificar qualquer coisa naquele ambiente, porém, era o mesmo que está com os olhos vendados.

— Sempre me disseram que cobras não enxergam muito bem. — Kelmo comentou, desanimada. — Vocês bruxos têm sorte de serem bem treinados.

Meicy ficou surpreso pelo elogio da caçadora, embora ficara ainda mais tranquilo por ela pensar que sua capacidade de enxergar no escuro fosse fruto dos treinamentos dos bruxos. Ele suspirou, se colocando de pé.

— Melhor encontrarmos uma saída. — Ele comentou, olhando para um conduto que desde mais cedo prendia a sua atenção — Acho que sei um caminho.

— Não nos leve à nenhuma emboscada, seu verme. Não quero me deparar com aquele demônio e desarmada.

— Deveria ser grata, eu estou sendo os seus olhos aqui!

Kelmo virou-se para Meicy, mesmo não enxergando queria intimidá-lo com o seu olhar enraivado de sempre.

— E você acha que isso não me envergonha? Ser guiada por um bruxo idiota como você.

Meicy segurou no pulso dela subitamente. Ela pareceu não se importar. Esperava pelo o que o jovem bruxo tinha a lhe dizer.

— Você é sempre arisca, não é mesmo? É engraçado que você não reclamou quando lhe beijei. — Meicy sorriu, principalmente ao observar a face furiosa da caçadora. — Como é beijar um bruxo imundo como eu?

— Seu imbecil! Eu vou...

— Você gosta de mim, não é? Está corada e sinto a sua pulsação bastante acelerada. Quer que eu lhe beije novamente?

Meicy previu, mas não quis se esquivar. Kelmo desferiu um soco contra a sua face, lhe tirando sangue no nariz. O jovem apenas virou a face, mas continuou a sorrir. Ainda segurava o pulso dela, mas ela não reclamava quanto a isso. Meicy a puxou para junto ao seu corpo, deixando-os tão colados que ele podia sentir as batidas aceleradas do coração da caçadora. Ela estava ainda mais enrubescida. As suas bochechas coradas lembravam as maçãs do inverno de Hidda e a pele macia que ele tocava com a ponta dos dedos eram como pêssegos. O jovem levou seus dedos até os cabelos prateados dela, era como pegar em plumas de tão macio e sedoso. Ela não era tão feminina como se esperava de outras garotas. Ela era agressiva, perigosa e exageradamente impaciente. De qualquer maneira, Meicy também gostava dela.

— Você está sentindo isso? — Meicy falou, aos sussurros, aproximando a sua face à orelha direita da caçadora. — Assim como o seu, o meu coração também está batendo forte.

Meicy sentiu a pele de Kelmo se arrepiar. Ela continuava calada e inerte. Não era uma reação esperada de uma caçadora tão ranzinza. Ele beijou a bochecha dela lentamente, aos poucos foi procurando por seus lábios. Ela tentou virar o rosto, mas ele a deteve, tocando do outro lado da face dela com uma das mãos e essa mesma mão percorreu até a nuca, onde lhe massageava entre os fios embaraçados do cabelo preso.

Kelmo continuava a olhá-lo fixamente como se estivesse paralisada ou houvesse perdido a sua voz. A luta dentro de si para se opor aquilo havia sido perdida. Ela estava entregue, por mais que isso lhe ferisse o orgulho. Fechou os olhos e tentou se esquecer dos problemas, por mais difícil que fosse fazer isso e o mais importante, era esquecer quem ela era. Meicy a beijou, de maneira lenta e suave. Os seus lábios se tocavam timidamente, ainda bastante singelos, mas que causava um certo frescor em suas almas.

— Eu te odeio. — Kelmo sussurrou, entre os lábios de Meicy.

— Se ódio for amor, eu também te odeio. — Meicy respondeu, calando-a por vez em um beijo mais intenso.

Colaram os corpos por vez, Kelmo abraçou Meicy e o jovem feiticeiro soltou o pulso da caçadora. Eles se beijavam em uma sede insaciável, totalmente ocultos na escuridão que assolava aquela caverna, desprotegidos dos mistérios do planeta e despreocupados pelos perigos que os rodeavam. Talvez por um momento, se privaram aos seus sentimentos, mesmo não sendo uma das melhores ocasiões para se entregarem a isso.

☽✳☾ 

Enquanto isso, no final do corredor que Meicy observava anteriormente, uma luz fraca jazia, como se fosse a luz do luar. Ela aumentava gradativamente e aos poucos, o local antes escuro, foi sendo tomado por um amanhecer prateado. Tanto Meicy quanto Kelmo notaram o clarão. No início apenas se encaravam, assustados com aquele fenômeno nada normal, posteriormente, foram observando ao redor. Nada que Meicy não houvesse identificado enquanto estava escuro, porém, a caçadora agora poderia enxergar.

— O que está havendo? — Kelmo perguntou, um tanto confusa.

Meicy encarou o lago de águas cristalinas. Percebia o quanto profundo era. As paredes, as colunas, as estalactites e estalagmites, todos os elementos ali presentes, refletiam aquela luz. Uma luz que lhe fazia lembrar os seus encontros com o gato preto. Era algo puro, caloroso, tamanha ternura tocava no fundo de sua alma. Ele sabia, ele sentia. Não precisavam temer a luz mística que os banhavam.

— Vamos até lá! — Meicy pegou na mão de Kelmo e se direcionou até o corredor, entretanto, Kelmo ficou parada.

— Você está louco? Não sabemos o que vamos encontrar lá! E se for...

— Confie em mim. — Meicy olhou para ela, seriamente e ponderava, como se aguardasse a resposta dela.

Kelmo assentiu positivamente com a cabeça, mas sem falar uma única palavra. Segurou forte na mão de Meicy e deixou que ele a levasse, seja lá para qual destino. A luz foi se intensificando a medida em que eles se aproximavam daquele corredor. Chegaram a um ponto que mal conseguiram abrir os olhos, entretanto, eles continuaram a prosseguir. Um forte clarão os cegaram por vez. Ambos pararam de caminhar e cobriam os olhos com as mãos.

— Bem-vindos meus queridos! Já podem abrir os olhos. — Falou uma voz amável, de uma mulher idosa.

Meicy não se surpreendeu. Ele tinha certeza que ali estava o resultado de sua busca. Abriu os olhos vagarosamente, a luminosidade já não estava mais tão ofuscante, porém, não acreditava em que os seus olhos viam. Eles estavam em uma câmara bastante espaçosa. Das rochas, tanto nas pareces quanto no chão, brotavam inúmeros cristais iluminantes, tamanho brilho, era responsável pela fonte de luz naquele ambiente.

— Quem é você? — Kelmo interveio na frente de Meicy com os punhos armados sob o corpo.

— Kelmo! — Meicy falou, mas a criatura mística apenas os encaravam, sem reação alguma.

Em frente deles, estava um ser inusitado. Era extremamente magro e usava roupas folgadas e espessas, como se fosse um andarilho do deserto. A pele era cinzenta e enrugada, não tinha cabelo e nem pelos pelo corpo. A cabeça era pequena, não tinha orelhas e nem nariz, ao invés disso, tinha apenas as cavidades. Os lábios eram finos e os olhos profundos e grandes, tão negros que nem as luzes conseguiam ser refletidas através deles. A criatura era assustadora, mas isso não significava que fosse um demônio, afinal, nem tudo horrendo era demoníaco e nem tudo belo era místico. A beleza estava muito mais além de ser do bem ou do mal.

A criatura estendeu um braço, abrindo a mão e exibindo seus três dedos compridos em frente a Kelmo.

— Minha criança, não precisa ter medo. Não irei feri-la. — A criatura falou.

— Não estou com medo. — Kelmo respondeu entredentes.

— Percebo que pode me ver... e me escutar. Os seus sentidos foram bem treinados.

— Senhora... — Meicy se aproximou.

— Me chame de Zelle. — Ela respondeu e exibindo algo que parecia um sorriso.

— Certo. Zelle... Creio que sabe o motivo de estarmos aqui.

— Claro, foi eu quem os trouxe até mim.

Meicy franziu o cenho, mas não esperava um contato telepático com ela.

Feiticeiro. — Zelle prosseguiu telepaticamente. — Percebo que a sua amiga não sabe quem realmente é.

De fato. — Meicy a respondeu, entretanto, um tanto desconfiado. — Não consigo decifrar nada obscuro em sua aura, mas... me desculpe, estou um pouco duvidoso sobre as suas reais intenções.

— Talvez a minha aparência não lhe traga a confiança que deseja, mas como eu disse... Eu não irei feri-los. — Ela pausou um pouco, observando Kelmo que os encarava. — Você tem um grande poder em suas mãos, use-o para proteger a todos que ama. Gostaria de dizer o mesmo a você, porém... dentro de si, eu vejo algo bastante obscuro. Espero que essa jovem ao seu lado cure as feridas de sua alma.

— Não temos muito tempo para ouvir conselhos. Acho que já sabe o que queremos.

Zelle entrelaçou seus dedos e continuava a observá-los, apesar que Meicy, era quem mais a preocupava. Ela se afastou para o lado e balançou um braço mostrando os cristais na parede rochosa.

— Pegue o quanto quiser.

Meicy caminhou até uma das paredes, observando os cristais que tanto precisava para escapar daquele mundo. Lembravam quartzos, embora também vítreos, eram mais esbranquiçados e bem mais resistentes. O jovem feiticeiro retirou o seu manto, dobrou-o e deu alguns nós, adaptando-o em uma sacola. Começou a recolher os cristais. Eles eram gelados e ele esperava que fosse difíceis tirá-los das rochas, mas por ao contrário era quase como se os mesmo lhe permitissem isso, apenas com as próprias mãos, sem ferramenta alguma.

Zelle se aproximou de Kelmo, a caçadora relutou, recuando um passo ainda em posição de luta. A entidade mística tentou sorrir, embora quando fizesse isso, se tornava ainda mais assustadora.

Minha criança... — Zelle falou telepaticamente com Kelmo. — Não deixe que seu orgulho lhe domine. Você é muito mais que essa imagem que lhe forçaram a construir.

— Da minha vida cuida eu!

Kelmo caminhou até Meicy, ainda demonstrando desconfiança para a entidade mística. Resolveu ajudar o jovem feiticeiro a recolher os cristais.

— Acho que já são o bastante! — Meicy falou.

— Que ótimo! Vamos embora!

— Aquele corredor levará vocês até lá em cima. — Zelle explicou, apontando um dedo fino.

— Muito obrigada! — Meicy agradeceu, mas demonstrando uma certa desanimação. — Vamos, Kelmo!

Kelmo fitou a entidade, lançando um olhar de desaprovação para ela. Uma desconfiança sem sentido, mas era como se um péssimo pressentimento lhe dominasse. Meicy já havia ido em frente, ela resolveu segui-lo.

☽✳☾ 

Já havia passado alguns longos minutos desde que Meicy e Kelmo deixaram a caverna, Zelle ainda observa o final do corredor, como se de alguma maneira os vigiassem. A expressão triste em sua face demonstrava um certo ressentimento ou mesmo culpa. Ela havia pecado, embora pensasse que foi por puro egoísmo, ela havia feito isso para proteger as suas irmãs ninfas.

Uma sombra emergiu por trás de si, tão negra quanto a escuridão que assolava aquele ambiente pouco iluminado pelos cristais. Zelle não se surpreendeu. Já esperava pela visita daquele indivíduo. Ele se aproximou pelas costas, tocando seus finos dedos brancos no ombro da entidade.

— Eles já foram embora. — Zelle falou, sem nem ao menos esperar a pergunta.

— Levaram os cristais? — A voz rouca e calma do sujeito ressoou como um eco da penumbra.

— Sim. Eles planejam deixar esse mundo.

— Que assim seja!

Zelle estranhou o comportamento daquele sujeito. Virou-se para ele, encarando-o e não se abalando pelo olhar maligno que a fitava.

— Vão deixá-los ir? Depois de tanto trabalho de encontrá-los!

— Eu abusei de você? — O sujeito falou em um tom musical e irônico, não controlando o seu sorriso no final. — Minha querida Zelle, eu quero que eles fujam, o feiticeiro ainda não está pronto. Eu não quero desperdiçar essa chance em um moleque fraco feito Meicy Kallú. Ele precisa de mais ódio.

— Você sabe que não pode sair desse mundo!

O sujeito suspirou, repensando na fala de Zelle.

— Ainda não, mas... — Ele estirou um dedo indicador. — Não é impossível. Para isso eu irei precisar consumir mais criaturas místicas. Que pena, não é mesmo? — O sujeito sorriu para entidade, demonstrando o seu propósito naquela reunião.

— N-não! — Zelle gaguejou, recuando alguns passos e colocando as mãos em frente ao corpo. O pânico a dominou e ela sentiu o sujeito agarrar fortemente em seu braço. — Você me prometeu, Haiko! Não tocaria em mim e nem em minhas irmãs!

Haiko emergiu da penumbra, relevando uma parte de sua face coberta através do capuz de seu manto marrom. Ele sorria como de costume. Era assombrador as suas expressões sádicas e lunáticas, Zelle se apavorava cada vez mais.

— Você não era assim. O seu pai...

— Cale-se! — Haiko esbravejou. — Não mencione nada sobre aquele verme. Ele morreu. Eu existo e irei tomar tudo que é meu por direito.

— Destruindo tudo o que a sua mãe construiu? — Zelle rebateu, mas se arrependeu de sua fala. O olhar desaprovador de Haiko girou mecanicamente para ela.

— Morra! — Haiko falou furioso, mostrando seus caninos pontiagudos.

Zelle sentiu uma grande força tomar conta de seu corpo, era doloroso, parecia estar se desfazendo em pó! Ela lançou um último olhar para o semideus, que mantinha suas feições sérias.

— O próximo passo será devorar as almas das ninfas e transformar Méyrius em um deserto sem vida, e... Depois, irei atrás da maga Kilmato. Meicy irá voltar para me destruir, ele vai querer se vingar, se ele não vier... Eu irei atrás dele!

Haiko gargalhou, deixando ecoar a sua rizada sádica, enquanto Zelle se transformava em uma massa de energia branca, eram como um aglomerado de estrelas brilhantes, entretanto, formavam uma nuvem que se direcionava em direção à boca do elfo demoníaco, deixando-se alimentar da última entidade criadora de cristais místicos de Mengie.

O elfo continuou a gargalhar no vazio e naquela escura caverna, porém, os únicos focos de luzes eram os pequenos cristais encrustados nas paredes da câmara. Eram resistentes e pelo visto, bastante especiais. Talvez aqueles seriam as últimas essências de Zelle.

☽✳☾ 

Continue Reading

You'll Also Like

55.4K 2.2K 40
𝑆𝑛 𝑛𝑜 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜 𝑑𝑒 𝑱𝑱𝑲, 𝐵𝑜𝑎 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑢𝑟𝑎ఌ︎ Temporariamente parada!! 𝑷𝒆𝒅𝒊𝒅𝒐𝒔 𝒂𝒃𝒆𝒓𝒕𝒐𝒔 (X) _ _ 𝑇𝑒𝑟𝑎́ 𝑣𝑒𝑧 𝑒 𝑜𝑢𝑡𝑟...
15.2K 1.5K 49
são só imagines da Deusa Paola Carosella
12.4M 212K 10
LIVRO FÍSICO DISPONÍVEL NO LINK: https://www.editoralunas.com.br/renatacosta Amy Carter , morava com seu pai numa pequena cidade dos Estados Unidos...