Os irmãos Fernandes foram embora escondidos, evitando interromper aquele momento que eu estava tendo com o meu pai, que, depois do abraço mais poderoso que eu já havia recebido dele, fomos para a cozinha enquanto ele me atolava de perguntas.
Antes de responder às suas perguntas confusas, fui até meu quarto pegar a caixa com as coisas da minha mãe. Precisava primeiro terminar a surpresa para depois responder seus questionamentos.
– O que é isso? – ele perguntou quando eu coloquei a caixa de madeira em cima da mesa da cozinha.
Tirei a tampa do compartimento e sinalizei com a mão para que ele olhasse, sem dizer nada. Ele se levantou de sua cadeira, deu uma espiada dentro da caixa e logo em seguida volto a se sentar, assustado.
– C-como?
– Eu fui atrás dos de Silva nas férias.
– O-onde? – seu cenho estava completamente franzido.
– Na Bahia.
Meu pai então tampou o rosto com as duas mãos e começou a chorar desesperadamente. Me levantei depressa e fui até o armário da cozinha pegar uma xícara e colocar um pouco de café, na esperança de que aquilo o acalmasse.
– Eu não acredito, eu não acredito... – disse meneando a cabeça quando conseguiu controlar um pouco o seu choro. – Está tudo aí? – ele apontou para a caixa.
Balancei a cabeça afirmativamente com um sorriso orgulhoso e estendi a xícara de café para ele.
– Como você soube da música? – perguntou passando os nós dos dedos nos olhos para limpar os olhos.
– Em uma VHS... – disse relutante. – Que eu achei no porão.
A expressão de surpresa desapareceu do rosto do meu pai.
– Quando a encontrou?
– No começo do ano.
Ele respirou fundo, apanhando a xícara de café em sua frente e bebericando.
– Você sabia dela, não é? Digo, você sabia que tinha uma VHS da minha mãe no porão?
Ele balançou a cabeça afirmativamente pousando a xícara na mesa novamente.
– Por que você nunca me mostrou?
– Você lembra o estado em que você ficou quando eu te expliquei como sua mãe morreu? Você ficava vendo e revendo aquela fotografia dela e não parava de chorar... – ele me encarou nos olhos. – Como você queria que eu te mostrasse um vídeo? Como você reagiria? Ou melhor, como você reagiu?
Me lembrei do dia em que eu vi as imagens daquela VHS e no quanto eu chorei e me senti mais limitada em relação a minha mãe...
– Mas vendo ou não o vídeo, não enfraquece e nem fortifica o que eu penso sobre... Sobre essa história. Não muda os fatos.
– Quais fatos? – ele franziu o cenho.
– Eu sou culpada...
– Nem pense em dizer isso – ele me interrompeu meneando a cabeça negativamente.
– Eu matei a minha mãe... – continuei começando a chorar silenciosamente também.
Finalmente. Finalmente consegui dizer em voz alta o pensamento que me atormentava há anos.
– Não, Amanda... Filha, você não tem culpa de nada...
– Mas se eu não tivesse nascido a minha mãe ainda estaria viva – disse encarando-o em meio ao choro.
Ele respirou fundo e se aproximou de mim para limpar minhas lágrimas com seus dedos.
– Nós sabíamos que ela poderia morrer no parto – falou de repente. – Nós sabíamos e decidimos que não iríamos desistir de você.
Soltei o ar que eu estava segurando.
– Meu Deus... – me levantando da cadeira, me desvencilhando da sua mão.
Senti como se o mundo estivesse caindo na minha cabeça naquele exato momento.
Ele nunca havia me dito aquilo.
– Corremos o risco. Resolvemos correr o risco.
Eles me escolheram. Minha mãe me escolheu.
– Mas isso não explica o fato de você ser muito mais feliz antes, quando minha mãe estava viva, do que agora.
– De onde você tirou isso?
– Dos vídeos! – gritei me virando para ele.
– Eu não deixei de ser feliz, Amanda – ele riu, paternalmente. – Ainda jovem eu era pai e viúvo. Eu tive de trabalhar muito ao mesmo tempo em que eu tinha de cuidar de você sozinho. Eu amadureci muito rápido, só isso, mas eu sou feliz... Lógico que nos primeiros momentos em que eu me dei conta de que sua mãe morreu e eu estava sozinho, eu fiquei triste, mas depois que eu vi você ali, mais indefesa do que eu... – ele parou de falar e sorriu. – Eu amo ser pai. Eu amo ser o seu pai, Amanda, e isso nunca me trouxe infelicidade.
Ficamos em silêncio por um tempo, enquanto eu sentia que um dos maiores choros da história estava prestes a explodir a qualquer momento dentro de mim...
– Então é verdade? – eu finalmente perguntei. – Vocês sabiam que ela poderia morrer se eu nascesse?
– Sim! – disse com desespero. – Claro que sabíamos. Nós fizemos tudo corretamente, fizemos todos os exames e tratamentos, mas sabíamos dos riscos e mesmo assim resolvemos enfrentá-los. Sua mãe era assim, como você, que enfrenta tudo sem medo... Você era a nossa única chance de ter uma filha e, Amanda, a sua mãe te queria mais do que tudo nessa vida. Eu nunca te contei isso, porque nunca me passou pela cabeça que você pudesse se sentir culpada... Isso nunca se passou pela minha cabeça.
Explodiu.
Me agachei ali no chão da cozinha enquanto todo aquele choro preso saía.
Finalmente entendi o que aqueles meus muros que eu havia quebrado minutos atrás, separavam de mim: paz.
Eu não tinha paz há anos, imaginando que eu havia roubado toda a juventude dos meus pais, dizendo que eu era um monstro por já nascer causando tristezas... E de repente meu pai diz que eles já esperavam a possibilidade da minha mãe morrer no parto e mesmo assim decidiram que eu nasceria de qualquer forma.
"A verdade é que eu nunca estive preparado para esse dia. Sempre imaginei que se uma catástrofe acontecesse eu lidaria bem com a situação, pois eu já a esperava" agora até esse trecho do diário do meu pai fazia sentido. Eles já sabiam da possibilidade. E mesmo assim escolheram que eu nascesse.
Senti seus braços me envolverem enquanto eu continuava agachada no chão.
– Meu Deus, eu sou um péssimo pai... Eu devia ter te contado isso antes, mas não imaginei que você se sentia assim... E-eu te amo, filha. – ele sussurrou. – Você não tem noção do quanto. Nunca, jamais, duvide disso.
[Notas finais escritas enquanto eu ainda estava postando a história semana a semana:]
OLAR!
Primeiramente fora vocês sabem quem.
Segundamente FELIZ DIA DAS MULHERES A TODAS AS MINHAS LEITORAS. Hoje é um dia muito especial para comemorar as vitórias alcançadas por nossas antepassadas, mas também é um dia para ter a consciência de que ainda há muitas batalhas pela frente. Como eu já disse às meninas do grupo: não há nada que não possamos fazer enquanto estivermos todas juntas!
Bom, espero que gostem do capítulo! Acho que faltam mais 2 capítulos pro livro acabar e o especial do Pedro (que eu fiquei de postar há anos). Como ainda eu não escrevi esses capítulos, pode ser que eu demore um pouco.
Pra todos que estão me perguntando: Sim, "Novembro" vai ser publicado pela editora Duplo Sentido Editorial ainda esse ano! Mudarei algumas coisas do livro, mas a essência será a mesma. Assim que eu tiver mais novidades da edição e tudo mais eu vou avisando por aqui mesmo...
Caramba! 950 seguidores aqui! Nunca me senti tão popular! hahahahah Obrigada por me seguirem e colocar Novembro na sua lista de leituras <3
IMPORTANTE: estou meio insegura com esse capítulo. Se vocês gostaram, digam. Mas se não gostaram, digam também pra eu poder saber! Soltem o verbo.
BEIJOS!
Marine.