Trono de Sangue

By lyrarocha

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1º Lugar nas Olimpíadas Literárias promovida pelo @DesafioEmLetras Em uma época regada de sangue e dor, gra... More

Sinopse
Prefácio
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo - 5
Capítulo 6 - Parte I
Capítulo 6 - Parte II
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 15
Capítulo 16 - Parte I
Capítulo 16 - Parte II
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21 - Parte I
Capítulo 21 - Parte II
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24 - Parte I
Capítulo 24 - Parte II
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29 - Parte I
Capítulo 29 - Parte II
Capítulo 30
Conto Especial - Feliz Dias dos Namorados
Capítulo 31
Capítulo 32 - Parte I
Capítulo 32 - Parte II
Capítulo 32 - Parte III
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35 - Parte I
Capítulo 35 Parte II
Capítulo 36
Capítulo 37 - Parte I
Capítulo 37 - Parte II
Capítulo 38 - Parte I
Capítulo 38 - Parte II
Capítulo 39
Capítulo 40 - Parte I
Capítulo 40 - Parte II
Capítulo 40 - Parte III
Capítulo 41
Capítulo 42 - Parte I
Capítulo 42 - Parte II
Capítulo 43

Capítulo 14

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By lyrarocha


Atenção! Cenas fortes abaixo. Se você é menor de 18 anos ou não possui estômago está lendo por sua conta em risco.

                                                                         *

Por todo o lugar que olhava, havia fogo e dor. Os homens gritavam de um lado para o outro. As imagens eram confusas, alternavam-se em suas lembranças. Estavam sendo atacados, as flechas vinham do desconhecido e atingiam os soldados ao seu lado. Um a um, caíam e gritavam, rugiam de agonia. Estavam todos mortos.

Sentia subir um ardor em sua perna, era o fogo o atingindo. Ia morrer também, como todos os outros, porém, lançou-se na água para se salvar. Agora, as recordações eram do sufocamento que sentiu, os braços que bateram euforicamente tentando nadar e a cãibra que lhe consumiu. Morreria de qualquer jeito. Tudo era um grande borrão. Suas vistas logo se escureceram e deixou-se afundar, esperando o sabor da morte surgir, sendo levado pelas águas do mar de Ocland.

Não sabia como havia sobrevivido e nem como fora o seu tempo pela terra desconhecida. Estes eram os seus sonhos, apenas vultos das lembranças. Imagens que se confundiam, não sabia o que havia sido real e o que era delírio. Cenas de pequenas pessoas, a pele pintada de vermelho ou azul, seu corpo sendo arrastado na terra dura, um líquido estranho sendo jogado em sua garganta e, depois disso, as imagens torturantes. Eram imaginações ou visões? Não sabia. Contudo, via ele e Evelyn se beijando, ele e Evelyn jurando amor eterno, ele e Evelyn casando-se, ele e Evelyn com um bebê nos braços...Depois... tudo caía, os muros desmoronavam, o castelo pegava fogo, Evelyn era arrancada dos seus braços, uma mão enorme puxava os cabelos dela e uma espada transpassava o seu coração.

O seu corpo foi largado desacordado nas areias da praia de Ílac e ele despertou com a água salgada do mar que tocou os seus pés. Sua carne tremia e por mais de um mês não conseguiu falar nada. Restaram-lhe apenas os pesadelos, os gritos e a dor. Os homens acharam que não teria mais volta para ele. Entretanto, com o passar dos dias, Elijah foi voltando a si, as visões haviam diminuído, até restar apenas os tormentos, estes ainda o perturbavam durante a noite.

Esse era um desses dias, todas essas recordações inundaram a sua noite, fazendo-o acordar ofegante, o corpo em choque e o suor escorrendo por toda a sua pele. O sentimento de Evelyn morrendo em suas mãos, a dor agoniante, os sons dos corpos gritando ao seu lado... parecia tudo tão verdadeiro.

Levantou-se e saiu da sua tenda, estava perto do amanhecer e ele precisava respirar ar puro. Passou a mão entre os seus cabelos e avistou ao longe um homem, olhando em direção do horizonte, onde o sol logo nasceria.

Caminhou devagar até ele, reconhecendo ser o seu General ali. Parou ao seu lado e suspirou profundamente, tendo no amigo alguém que o entenderia. Afinal, Hector foi encontrado dois dias depois que ele, também nas areias da praia, no mesmo estado quase catatônico, todavia, acrescido de um detalhe, a perna que nunca mais foi a mesma.

― Também não consegue dormir? – Hector perguntou, assim que sentiu a presença do amigo ao seu lado.

― Às vezes dormir é o que eu menos quero – Elijah murmurou, sentindo ainda o calafrio da sua pele.

― Entendo... É aterrorizante repousar sem saber se essa será mais uma noite invadida pelo terror que Ocland nos causou.

Elijah respirou fundo, compreendendo perfeitamente o que o general estava dizendo. Não queria dormir e ter os mesmos pesadelos. As imagens alternavam-se, às vezes eram lembranças, porém outras eram visões de algo que não havia acontecido. De qualquer forma, ambas causavam-lhe uma dor inenarrável.

― Você acha que sobrevivemos por alguma razão? – Hector lançou a pergunta, olhando o sol que começava a aparecer.

― Não creio que eu seja tão importante assim – Elijah retrucou com uma feição pesada. Afinal, quem ele era? Apenas uma pessoa sem importância, Hector era a única família que tinha, quando ele se fosse, seria só mais um ninguém por aí.

― Eu não acredito nisso. De alguma forma, acho que nos deixaram vivos por alguma razão. Eu ainda ouço aquela voz quando eu durmo. Aquela frase invade a minha cabeça cada vez que eu prego os meus olhos... "Ainda não é o tempo de vocês..." - O general fechou os olhos, tentando agarrar-se às recordações confusas da sua mente.

Elijah bufou, frustrado. Sabia como era louco tudo aquilo que passaram. De alguma forma, Hector havia se apegado a algo bom para tentar não enlouquecer, entretanto, ele já não tinha a mesma esperança do seu amigo.

― Isso pode ser apenas uma ilusão, Hector, você nunca saberá se isso foi real ou não. Nossas lembranças foram confusas. Seja lá o que fizeram com a gente, não queriam que nos recordássemos o suficiente para contar ao nosso povo o que tinha em Ocland. Se é que realmente pisamos os nossos pés lá.

― Pode ser... - Hector deu de ombros, pensativo. ― Mas eu ainda acredito que só estamos vivos porque eles nos permitiram. Ninguém mais sobreviveu, apenas nós.... Isso deve significar alguma coisa.

Olharam para o horizonte que marcava o nascer do sol e ficaram reflexivos. Cada um com as suas tragédias internas. A quentura da manhã já começava a aparecer e precisavam unir suas forças para sobreviver às tormentas de mais um dia.

― Prefiro não pensar nisso, Hector. Na verdade, prefiro não pensar em nada que tenha a ver com aquele lugar. É o melhor que podemos fazer para a nossa sanidade! - Elijah encerrou o assunto, preferindo tentar esquecer a agonia que havia passado durante a noite.

Foi um dia difícil, sempre que isso acontecia – o que era bem frequente – era como se Elijah voltasse ao tempo, quando Ocland entrou em sua vida. Muitas vezes preferia ter morrido a viver com os pesadelos, mesmo que não fossem tão intensos como antes. Viver a morte da mulher que amava, noite entre noites, sentir como se tudo fosse tão verídico, o matava por dentro. Isso, sem contar, quando revivia as noites da morte do seu pai, ou então, o bebê que aparecia em seus sonhos sendo lançado na toca dos animais carnívoros e devorado. Não conseguia compreender, entretanto, a dor estava ali, latejando eu seu peito.

Não houve trabalho naquele dia que desviasse a sua mente. Perdeu todas as lutas do treinamento com os seus soldados. Não conseguia se concentrar. Foi um dia difícil. E, quando a noite chegou novamente, teve medo de fechar os olhos e sofrer o mesmo dano que a noite passada.

***

A noite já havia caído e, como sempre, os temores de Alyssa voltaram. Ela demorava a conseguir engatar no sono, cada pequeno ruído era o bastante para lhe fazer estremecer. Nada havia acontecido, porém, ver o intento deturpado do seu pai sobre si, conseguiu quebrá-la por dentro. Hoje não seria diferente. Era mais uma noite, mais uma luta a ser enfrentada.

Estava embrulhada em meio aos lençóis, esperando poder dormir mais cedo que as noites anteriores. Tentava ter esperança que aquilo passaria e que, algum dia, não tivesse mais medo do seu primeiro beijo e primeiro toque mais profundo fosse com o seu próprio pai.

Apenas a sua cabeça estava desembrulhada o suficiente para que pudesse respirar. Se esforçava para não pensar em nada, todavia, era impossível não se assustar até com o barulho do vento que batia na janela.

Não fazia ideia de quanto tempo estava ali ou a quantidade de esforço que havia feito para que o sono viesse, de repente, ouviu um barulho como uma batida soar pelo seu quarto, fazendo o seu coração acelerar. Pensou ser fruto da sua mente, no entanto, as batidas ficaram cada vez mais insistentes e fortes. Enrolou-se mais ainda nos lençóis, impedindo-se de sair da cama. Não tinha força para enfrentar aquilo. As lágrimas brotavam em seus olhos e a carne tremia por antecipação. Era o mesmo barulho da noite que a aterrorizou. Ela não queria deixá-lo entrar.

Alyssa...

Ouviu o seu nome ser chamado e a porta esmurrada. Já não parecia mais um simples toque, agora era como se o corpo se chocasse tentando abri-la. Com toda a força de si, tomou coragem para se virar e olhar em direção do barulho, notando que não era da porta principal que vinha o som, mas sim, da passagem secreta. Como havia sido tola. Era óbvio que Jeffrey não usaria o caminho comum para chegar até ela, ainda mais com a sua mãe no castelo. Não podia postergar mais. Negar a sua entrada seria pior, poderia ter efeitos mais drásticos, todavia, deixá-lo entrar seria cavar a sua morte interna.

A princesa não teve muito tempo para pensar, antes mesmo que tomasse a decisão, a porta da passagem secreta foi aberta, fazendo-a dar um pulo na cama assustada. Seu coração faltava lhe sair pela boca e a sua bile se contorcia dentro de si. Apressou-se e pegou uma pequena espada, quase não usada, que ficava no canto da sua cama e apontou para a porta, disposta a fazer com que o seu pai repensasse antes de tentar tocá-la.

A porta rangeu e o barulho da poltrona sendo arrastada ecoou pelo quarto. As mãos da princesa tremiam, porém ela continuava com a espada erguida, esperando o seu algoz. Ela pôde perceber a sombra do homem surgir, passando a perna por cima do mobiliário. A escuridão não permitia distinguir muita coisa, contudo, ao chegar mais perto, devido o reflexo da luz que entrava pela janela, ela conseguiu identificar o seu invasor, já bem perto de si.

— Isaac?! O que você está fazendo aqui? Quer me matar de susto? – Alyssa só não gritou, pois não queria chamar atenção dos guardas para dentro do seu quarto.

— Você não facilitou para mim, deusa. Tive que entrar com meus próprios métodos – Isaac se aproximou da princesa com uma pequena bolsa transpassada em seu corpo. — O que pensa que está fazendo com isso apontado para mim? – interrogou-a assim que viu a espada da princesa em sua direção.

Alyssa conseguiu respirar novamente, mas o seu coração ainda estava acelerado. Abaixou a sua arma vagarosamente e passou a mão em sua testa, enxugando as gotículas de suor.

— Você é louco! Eu achei que... Achei que... - não conseguiu terminar, travou o seu corpo e seus olhos iam embargando a medida que a adrenalina abaixava.

Isaac, percebendo o que se passava na cabeça da garota, sentiu-se mal com o que fizera e correu para acudi-la. Passou os seus braços na cintura dela e a trouxe para o seu peito, a fim de tranquilizá-la.

— Calma. Sou só eu. Eu devia ter te avisado, desculpe. Eu não pensei que te assustaria. - sussurrou contra os cabelos dela, enquanto sentia as unhas da garota cravarem em sua roupa.

Ficou abraçado a ela até sentir o seu corpo amolecer e a sua respiração voltar ao normal.

— O que está fazendo aqui a essa hora da noite, Isaac? – Alyssa soltou-se e perguntou com uma voz dura, assim que se recuperou.

O rapaz olhou para a feição séria da princesa e o reflexo da luz que batia sobre ela. A camisola de tecido fino branco marcava um pouco das suas curvas e os seus cabelos longos e castanhos a deixavam com uma imagem delicada. Parecia um anjo, contudo, um anjo amedrontado, tudo por culpa dele.

— Eu prometi para você que faria a nossa estadia agradável! Eu estou aqui por você, minha deusa. – Deu um passo em sua direção, mas Alyssa espalmou as mãos no peito dele, impedindo-o que se aproximasse.

— Eu não vou ter nenhuma relação íntima com você, Isaac, vá embora! – cuspiu contra ele. Agora estava nervosa com a invasão do moreno. Como ele ousava entrar assim no meio da noite? Ela não era uma qualquer e não permitiria que ele achasse isso.

— Não é o que você está pensando, Alyssa! – O primo falou mais sério, caminhando em direção à cama e jogando a sua bolsa ao lado. — Você me confessou que tinha medo pelo que Jeffrey fez com você e, sinceramente, eu também tenho. Não vou te deixar sozinha, por isso vim dormir com você. - começou a tirar o casaco negro que adorava vestir e as botas que estava calçando.

Ia se despindo com naturalidade, deixando Alyssa chocada. Lentamente, retirou a blusa branca que usava por baixo, deixando o seu peito desnudo, dando uma visão inédita para os olhos da princesa. O peitoral forte de Isaac chamou a sua atenção, assim como o abdômen definido dele. Não estava habituada a ver a nudez de homem algum, muito menos de um tão bonito, no meio da noite, e enquanto estavam sozinhos em seu quarto. Tudo tomava a sua concentração, até mesmo os pelos curtos e negros que percorriam o caminho até o cós da calça dele. Inesperadamente, Alyssa engolia em seco e ofegava, sem conseguir negar o quanto a beleza do seu primo era convidativa aos seus olhos.

Ela tentou dizer algo, entretanto, a sua garganta estava seca. Apenas conseguiu assistir e apreciar cada movimento de Isaac, até que ele estivesse somente com a sua calça.

Logo que terminou de se ajeitar, o rapaz a olhou, e ao vê-la estática, sorriu.

— Vai ficar aí parada? Venha dormir! – Isaac estendeu a sua mão para ela, convidando-a para se juntar a ele. Alyssa balançou a cabeça saindo do seu estado e franziu o cenho, injuriada.

— O que você pensa que está fazendo? Eu não vou dormir com você! Pegue as suas roupas e vá embora, Isaac – apontou para ele com raiva, fazendo-o rolar os olhos.

— Alyssa, preste atenção. – levantou-se e caminhou devagar até ela. Mesmo escuro, a princesa podia notar cada traço do corpo dele se movimentar. — Eu disse que não ia te deixar, eu fiz uma promessa e vou cumpri-la. Eu só estou prezando pela sua segurança. Não irei te atacar. Não confia em mim? – perguntou-lhe e fez uma cara tão amável que até parecia mesmo que ele não era aquele rapaz que vivia a enchendo de gracejos.

— Não vai adiantar eu tentar expulsá-lo, vai? – suspirou e relaxou os ombros, frustrada.

Isaac mordeu o lábio, segurando-se para não rir da teimosia da prima, e parou a um passo de distância, para que ela não se assustasse.

— Não, deusa, não vai. Eu vim para ficar. Acostume-se! – estendeu a mão para ela novamente, e após alguns segundos pensativa, Alyssa estendeu a dela, deixando ser guiada por ele. — Boa menina!

— Não abuse da minha bondade! Dormir é a única coisa que faremos aqui! – ela caminhou até a cama e deitou no local onde sempre ficava, cobrindo-se com o lençol.

Isaac abriu um grato sorriso para ela e, com cuidado, sentou-se do lado oposto da cama. Não quis fazer nenhum tipo de gracejo para não assustá-la. Apenas deitou-se e recostou a sua cabeça no travesseiro, fitando o teto.

Nunca havia apenas dormido com alguma moça, no entanto, Alyssa era diferente e ele estava ali para defendê-la. Precisava focar nisso. Todavia, era difícil, ainda mais sabendo que toda aquela beleza estava ali ao seu lado. Mais um pouco e seus braços poderiam se tocar. Se ele virasse o seu corpo para o lado, poderia aspirar o cheiro delicioso dos cabelos dela.

— Boa noite, Isaac! – Alyssa sussurrou. Sua voz parecia um pouco trêmula, era o efeito da proximidade do rapaz sobre ela.

— Boa noite, deusa! – respondeu e tentou dormir, porém, sono é o que menos teria durante a noite, não enquanto os seus corpos estivessem tão perto e a tensão fosse tão palpável. Ao contrário de Alyssa, que assim que deixou passar o susto e o medo por ter um corpo masculino ao seu lado, cedeu ao descanso, sentindo-se mais segura do que havia sentido em toda a sua vida, tudo porque Isaac estava ali com ela.

***

O dia de Evelyn havia sido agitado. A volta de Helena, o cuidado com Luigi, a preocupação com Jeffrey... tudo isso bombardeava a sua cabeça. Além do mais, precisava resolver os problemas do reino. Não poderia ser negligente com o seu povo, eles não tinham culpa dos problemas que ela possuía dentro de casa.

Mais cedo, durante a tarde, havia tido finalmente a reunião com Cameron e Isaac. Pediu perdão a eles por ter postergado tanto, porém, devido às intercorrências que teve, não tinha nem cabeça para falar sobre a volta do seu primo.

O rapaz fez todo o relatório para Evelyn, tudo o que ele havia observado nos países por onde passou, os fatos a serem considerados, os pontos fortes e fracos de cada um, entre outras coisas. Enquanto narrava, o escrivão tratava de passar tudo para o papel, eram dados importantes que a rainha não poderia perder. Se um dia a guerra voltasse, precisariam saber o que poderia usar e com quem poderia contar.

Cameron olhava o garoto com orgulho, ele narrou tudo com destreza, sabendo pontuar exatamente aquilo que eles haviam conversado antes e que era importante que a rainha soubesse. No final das contas, ter perdido o filho por tantos anos não havia sido em vão. Ele teve a sua vida libertina, todavia, também cumpriu com o que havia prometido e a prova estava toda nas palavras que ele dizia e no livro de anotações que havia entregado ao pai.

Depois da reunião, Evelyn permaneceu no local até o tardar da noite. Todos provavelmente já haviam dormido, entretanto, a rainha ainda observava atentamente o papel do escrivão, estudando cada palavra contida ali. Esperava nunca ter que usar nada daquilo. Não queria saber que caso Alegrance voltasse contra ela, ela poderia usar as investidas marítimas, pois o ponto forte deles era a via terrestre, ou mesmo que Grutok possuía os melhores espiões e caso se rebelasse contra Ílac, poderia ter homens infiltrados no seu meio a qualquer momento. Eram informações importantes, porém ela queria acreditar que jamais seria preciso menear nenhuma delas. Contudo, por que o seu coração se apertava tanto? Por que algo lhe dizia que tudo ainda ficaria pior do que já estava?

Guardou o documento com cuidado em um cofre escondido. Não queria que Jeffrey pudesse ter todas aquelas informações. Passou a mão pelos seus cabelos negros, que a essa altura, já estavam bagunçados. Os olhos, um pouco avermelhados pelo sono que lhe apoderava, começavam a arder, fazendo com que ela resolvesse repousar de uma vez.

Subiu as escadas até chegar ao andar que continha os aposentos reais. Um vento frio soprou pelo corredor e um arrepio subiu por sua coluna. Não sabia o que era, mas começou a sentir-se aterrorizada, ainda mais quando, a medida que caminhava em direção ao seu quarto, não viu nenhum soldado a espreita. Pensou em ir até o quarto de Luigi, no entanto, lembrou que Sarah havia se oferecido para ficar com ele essa noite, portanto, resolveu parar no quarto de Alyssa e girou a maçaneta para conferir se ela estava bem.

Encontrou a porta trancada e deu um leve sorriso, lembrando-se da época que era um pouco mais nova que a filha e fazia a mesma coisa, porém, a sua intenção era acobertar um amor proibido, diferente da filha, que ela sabia não ter interesse por ninguém, pelo menos não até onde ela sabia...

Preferiu largar a sensação esquisita em seu peito para trás e continuou a caminhar, acelerando os passos para encontrar o aconchego do seu quarto. Quando já estava próxima, tomou um leve escorregão por causa de um líquido que havia pisado. Olhou para o chão e o seu coração paralisou ao perceber que se tratava de uma poça enorme de sangue. Levou a mão até a boca, sua carne tremendo e o aperto no peito cada vez mais profundo. Havia um rastro que não restringia-se apenas àquele local, ele prosseguia até a porta do seu quarto.

Andou vacilante, seguindo o caminho coberto de sangue, e olhou para a porta do seu aposento, que estava entreaberta, com a maçaneta coberta de vermelho, um líquido que escorria e fazia o seu rastro até o chão, juntando-se às gotas que haviam por lá.

Evelyn abriu a porta, trêmula, sem saber o que esperar do outro lado. Não sabia com o que poderia se deparar ali dentro e, por um segundo, hesitou, para poder ter tempo de orar ao ser superior, o Deus que poderia fazer algum milagre e salvá-la de encontrar um dos seus filhos mortos ali. Quando terminou de empurrar a porta, o cheiro forte de ferro alastrou as suas narinas. Era intenso e parecia estar por toda parte. Ela sabia o que significava aquilo e os seus olhos logo constataram, observando a quantidade de sangue que estava espalhada por todo o seu quarto. Era como se quisessem marcar cada canto que era seu. Os móveis estavam sujos, o chão, as paredes... Tudo. Nada havia passado ileso.

Não teve coragem de acender o candelabro ou qualquer outro tipo de luz no local. O reflexo da lua foi o suficiente para ver o estrago que havia ali. A rainha começou a correr vagarosamente o seu olhar, pedaço por pedaço do local, até dar um passo para frente e sentir algo em seu pé. Abaixou a vista e colocou a mão na boca, contendo o grito. Havia um mão ali, jogada pelo meio do caminho.

Tudo começou a rodar, o cheiro forte queimava-a por dentro e a imagem daquela mão a sua frente fazia com que quisesse desmaiar, entretanto, tinha que ser forte. Não conseguia nem ter raciocínio para identificar que mão era aquela, só soube que era masculina, isso ela conseguia perceber sem precisar chegar mais perto. Deu outro passo até a estante ao seu lado e viu a outra mão ali. Mordeu o seu próprio lábio inferior com força, uma forma para que ela não desmoronasse naquele instante.

Levantou os seus olhos até a sua cama e viu ali um corpo, que da onde estava, não sabia quem era. Só percebia que ele estava nu, sem as mãos e sem a sua cabeça.

Sentia-se enclausurada e claustrofóbica. O lugar parecia estar se fechando e o sangue a sucumbindo. Cambaleante, andou até a cama e quase caiu para trás ao reconhecer quem estava ali. Não precisava ver o rosto do defunto para saber quem era, reconhecia os traços do corpo dele.

Precisou segurar-se na cabeceira da sua cama para não cair. Seus olhos encheram-se de água e a culpa a assolou forte como um soco. Suas mãos tremiam muito, mas, mesmo assim, tocou o corpo, sentindo que já estava frio. O lençol, que outrora era branco, estava banhado de sangue, e Evelyn precisou virar para o lado rapidamente para vomitar, devido toda a cena que estava vendo.

O gosto amargo queimava a sua garganta. Uma, duas, três vezes, golfou sem parar. Não conseguia olhar para tudo aquilo, não conseguia nem mesmo erguer a sua coluna, apenas fitava o chão e trazia à boca a comida e até o que nem tinha mais em seu estômago. Suas pernas desfaleciam e tinha certeza que não teria força para se reerguer, porém, ao ouvir uma voz soar pelo quarto, tudo mudou. Olhou diretamente em sua direção e, da posição em que estava agora, conseguiu notar, mesmo bem escuro, que por todo o tempo, Jeffrey esteve ali, observando-a sucumbir diante dos seus olhos.

— Apreciando a minha obra de arte? – Evelyn ouviu a risada sarcástica dele, fazendo o ódio tomar conta dos seus olhos.

Ele levantou-se da poltrona que estava e deu alguns passos, ficando em direção da luz que irradiava o quarto, dando a Evelyn a visão plena do seu marido. Ele estava coberto por sangue, mas não parecia transtornado ou vacilante por isso. Seu braço dobrado tinha uma cabeça por cima dele e com a outra mão, ele alisava os cabelos do defunto.

O rosto estava transfigurado, não havia olhos, e a boca aberta mostrava que a sua língua também estava arrancada. Foi inevitável, uma lágrima desceu pela bochecha de Evelyn, mesmo que ela se segurasse ao máximo. Agradeceu pela penumbra ter escondido esse fato e, assim, não ter dado a Jeffrey o gosto de ver as suas lágrimas arrancadas.

— Você achou mesmo que eu deixaria que outro homem te tocasse? Você ainda não entendeu que você é minha, Evelyn? – caminhou até ela e parou bem a sua frente, oferecendo com clareza a cabeça que estava em suas mãos.

A rainha não se mexeu, temia que o mínimo movimento dela mostrasse o quanto estava afetada. Por dentro morria, queria gritar, chorar, culpar-se e até mesmo, depois, matar Jeffrey. No entanto, por fora, o melhor que fazia, era ser impassível.

— Não tem nada a dizer? A sua língua foi arrancada também? – Jeffrey a questionou e soltou uma intensa gargalhada.

As mãos de Evelyn fecharam-se, assim como os seus olhos. Abriu-os lentamente com toda a fúria que lhe alastrou, o gosto amargo queimando-a e a língua feroz tomando vida novamente.

— Eu nunca fui e nem nunca serei sua, Jeffrey – cuspiu contra ele, porém o rei apenas sorriu.

— Não é o que parece e não foi isso que o soldadinho achou depois do que eu fiz com ele. – Virou a face da cabeça em direção dela e jogou-a para cima de Evelyn de uma só vez, que pegou-a em um impulso, mas logo arremessou-a para cama, enojada.

Evelyn tremia, não teve como disfarçar. O impulso não teve como ser contido. Ela não queria segurar a cabeça de Olleon com suas mãos. Olhou para as suas palmas e viu o sangue dele sobre elas, fazendo-a ofegar e cambalear para trás.

— Tsc, tsc, tsc... É assim que trata o seu amante? – Jeffrey balançou a cabeça, mostrando-se decepcionado. — Depois dele ter lutado tanto comigo em seu nome, o mínimo que ele merecia é ter a sua cabeça sendo segurada pelas suas doces mãos, minha Evelyn. Pobre coitado! É uma lástima, sabia? Tão inocente, tão devoto, tão burro... Mas eu ensinei-lhe a lição, querida. Primeiro arranquei os seus olhos para que soubesse que jamais poderia olhar para você, depois tirei-lhe as mãos que passearam pelo seu corpo, e por último, a língua. Esta ficou para o final, pois eu queria ouvi-lo gritar. Foi uma pena ele não ter feito isso. Preciso confessar, o rapaz morreu com bravura. Não pediu clemência e nem fez escândalo algum. - relatou o assassinato frio que havia cometido. — Ah... - enfiou a mão no bolso, retirando de lá um pacotinho, ao qual estendeu a mão para Evelyn. — Pegue! – ordenou.

A rainha não se moveu, apenas olhou o emaranhado de pano que ele a oferecia. Sua mente ainda vagava imaginando a dor que Olleon havia sentido e o quanto ele sofreu, tudo por sua culpa. Era sua responsabilidade por ter se envolvido com ele. Ela devia protegê-lo, em honra e memória do pai dele, entretanto, ao contrário disso, dormiu com o rapaz, e agora ele estava morto.

— PEGUE! – Jeffrey gritou, impaciente com a recusa de Evelyn.

Ele parecia fora de si, mais do que todas as vezes. Insano, ela diria. A rainha temeu alguma reação dele, ainda mais por ela estar ali, desprotegida, sem guardas e até mesmo sem a sua espada, que devia estar em algum lugar do seu quarto, isso é, se ele não tivesse escondido.

Devagar, Evelyn estendeu a mão, pegando o pacote que Jeffrey lhe oferecia. Ele a mandou abrir e, com cuidado, ela foi desatando cada tira do pano, até abrir o embrulho por completo. Prendeu a respiração ao notar o que era e precisou ser forte para não o deixar cair.

— Esse é o meu presente para você. Para que não se esqueça do que eu te digo todos os dias, Evelyn. Nenhuma outra pessoa pode te tocar além de mim – rosnou, enquanto ela fitava o membro de Olleon em suas mãos. — Isso – ele apontou para o órgão que havia arrancado – nunca deveria ter entrado em você. A grande Rainha me decepcionou novamente. Primeiro com o meu irmão e, agora, com um soldado qualquer. Espero que tenha aprendido, pois não lhe darei outra chance de novo. Se não deixar de ser teimosa e se render de uma vez, eu prefiro te ver morta do que aos braços de outro novamente. Está me compreendendo, Evelyn? – tocou o rosto dela, deixando um rastro de sangue ali.

Ela não conseguiu responder. Em qualquer outro momento afiaria as suas palavras contra ele, entretanto, estava vulnerável ali e a astúcia era clara nos olhos de Jeffrey. Todavia, também não conseguia apenas assentir para ele, por isso, preferiu apenas encará-lo e calar-se, deixando-o que ele tirasse as conclusões que quisesse.

Jeffrey deu um passo para mais perto da sua esposa, encostando-se nela e fazendo que a sua respiração batesse em seu nariz.

— Não se esqueça do meu presente de aniversário. Você tem até lá para se entregar a mim de corpo e alma, Evelyn. Não quero mais recusas, não quero a sua língua afiada, a menos que seja dentro da minha boca. Queria muito desfrutar do seu corpo agora, mas sei que não está pronta ainda. Eu espero, querida. Não tem problema. Contudo, depois da festa, você será minha para toda a eternidade – terminou de declarar e selou os lábios dela.

Evelyn fechou os olhos com força, segurando a vontade de vomitar novamente, o nojo e o desprezo a alastravam. Por sorte, ele não aprofundou o beijo, a porta foi escancarada e um corpo belo e esguio entrou pelo quarto.

— Majestade, o senhor mandou me chamar? – Reynia entrava no quarto com uma voz sedutora, mas estancou ao notar a situação que encontrava. — O q-que e-está acontecendo? – gaguejou e deu um grito fino ao ver o sangue e os pedaços humanos pelo quarto.

O rei riu e a chamou com o dedo para que ela viesse para o seu lado. Mesmo trêmula, Reynia caminhou e quando postou-se perto de Jeffrey, ele a enlaçou pela cintura para que ela não fugisse.

— Olhe ali, menina! – apontou para o corpo e a cabeça que estava jogada por sobre a cama – Veja o que acontece àqueles que não fazem o que eu mando. Você será uma boa garota para mim, não é, Reynia? Não ousaria me trair também... - ela não soube se era uma pergunta ou uma afirmação, só sentiu o seu corpo cair ao notar que quem estava morto ali, na cama da rainha, era o seu irmão Olleon.

A moça soltou um grito e seu corpo desfaleceu, contudo, Jeffrey tampou-lhe a boca, para que sua voz não pudesse ser ouvida e segurou o seu tronco para que ela não desmaiasse. As lágrimas dela tomaram conta da mão dele e ela debatia-se com o que havia restado da sua força.

Evelyn segurou o seu choro diante daquela situação. Não gostava de Reynia, mas poderia imaginar a dor que ela poderia estar sentido. Além disso, por mais que não amasse Olleon, tinha uma gratidão e um carinho pelo rapaz, que sempre se mostrou um aliado fortíssimo a ela no castelo.

— Fiquei quieta, Reynia! Agora! – Jeffrey sacolejou a garota e falou duramente com ela.

— Você matou o meu irmão! – ela rosnou contra ele, chorando compulsivamente.

— Sim! E mato você também se não calar a sua boca! Ele teve o que mereceu, ou você acha que por ser seu irmão eu deixaria que ele tocasse a minha mulher? – falou para ela e Reynia desviou o seu olhar para Evelyn com fúria.

Sentia o ódio pela rainha aumentar ainda mais, o sentimento alastrado que só era impedido naquele momento porque Jeffrey jamais permitira que ela a matasse.

— Sempre por sua culpa... - ralhou contra Evelyn, que apenas engoliu em seco, sentindo todo o martírio apoderar dos seus ombros.

— Cale a boca! Só eu falo aqui! – Jeffrey empurrou Reynia, fazendo-a cair de joelhos no chão. Em seguida, puxou os cabelos dela para posicioná-la pé novamente, ao seu lado. Saiu a arrastando, deixando Evelyn para trás e, ao chegar à porta, virou para a sua esposa com o olhar sério e retirou do bolso uma chave. — Você vai ficar aí, Evelyn, para aprender a lidar com os seus erros. Amanhã eu venho te libertar, enquanto isso, passe a noite remoendo todas as suas ações e atitudes até aqui. Pense bem e não volte a repeti-los!

— VOCÊ NÃO PODE ME PRENDER AQUI, JEFFREY! – Evelyn gritou assim que notou que ia ficar naquele quarto fedido a sangue com o corpo de Olleon despedaçado por todo o lado.

— Ah, você vai, querida! Aproveite e procure os olhos e a língua dele. Estão espalhados em algum lugar desse cômodo. Adeus, meu amor. – Fechou a porta de uma vez, não dando tempo de Evelyn correr para tentar impedi-lo.

A rainha começou a socar a porta e a gritar para que a tirasse de lá. E, do outro lado, Jeffrey ria do desespero dela. Ela não conseguiria sair. Ele havia trancado as passagens secretas e dispensado toda a guarda. Nem se Alyssa acordasse no meio da noite com os brados de Evelyn, seria em vão. Mesmo que fosse uma solução difícil, visto que um quarto era no início do corredor e o outro no final.

— Agora venha, Reynia, enxugue essas lágrimas e morda essa sua língua. Depois dessa noite trabalhosa estou precisando de alguns momentos de prazer. – Jeffrey saiu puxando a amante pelo braço, enquanto ela tentava conter as lágrimas e a sua dor.


_________________________________________

Nota da Autora

Agora sim chegamos aos capítulos de tensão. Preparem os corações. Quero muito saber o que acharam desse final. Deixem o comentário de vocês.
Para quem ainda não tinha sacado que o Olleon era irmão da Reynia... Surprise!!!

Não deixem de dizer o que estão achando, a participação de vocês é muito importante pra mim, comentem e votem nas estrelinhas <3

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