Nós, em uma casca de noz!

بواسطة SanCrys

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❝Meu avô sempre me dizia, que estranhos são amigos que você ainda não conhece.❞ Uma história sobre amizade, e... المزيد

Filho pródigo
Garota das meias listradas
A História Sem Fim
*Carpem Diem* 🌞
Vitaminas, pensamentos e o Caderno dos Milagres
Quem avisa, amigo é.
Sobre más companhias e teimosia juvenil
Um abismo chama outro abismo
Recordações vazias como em uma fotografia antiga
Corações discordantes
O orgulho vem antes da queda
O bater de asas de uma borboleta
O menino que gritava ❝lobo❞
Corra, John, Corra!
Sentença de um garoto traído
❝Como lágrimas na chuva❞
O que ainda restou de mim
A milagrosa lista dos desejos
Um pouco de esperança não machuca
Uma teoria chamada John
Câmbio, desligo!
Efemeridade do tempo
O Universo em uma caixa de papelão
Unicórnios antes dos garotos
Pó de estrelas mitigadas
Incandescente poder da cura
Déjà vu
Todas as coisas cooperam para o bem
Bom amigo
Para você, daqui a 30 anos!
Lembranças guardadas em uma garrafa de Coca-Cola
*Memento mori*
Não diga que eu não falei das estrelas
Há sempre o amanhã
*Ad astra*
Muito obrigado, Mary Marshall

J.A.W.

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بواسطة SanCrys

Na quarta-feira seguinte, eu já havia conseguido a proeza de decorar o nome de todos aqueles inúteis da minha classe, e cada sala de cada devido prédio. Só não sabia, o nome dos integrantes do grupinho que insistia em manter a atenção fixada em mim. Os nomes destes não me vinham à memória. O que realmente importava era que o ritual tosco de apresentação havia cessado.

Na casa de Robert, as coisas caminham como uma lesma sobre uma folha molhada. Quase não falo com ninguém quando chego da escola — exceto Lucy. Mas nesse caso, é somente para dar bronca nela para não mexer nas minhas fitas cassetes. Faltei toda a baboseira de "acompanhamento psicológico" durante uma semana e para minha grata surpresa, pensei que Susan fosse me dedurar para Robert. De jeito algum cairei no truque dela. Ela deve estar esperando o momento certo para atacar, fingindo-se de "madrasta boazinha". Hunf!

Na aula de biologia, a professora nos orienta a fazer a primitiva tarefa de dissecar sapos. Não acredito que ainda somos obrigados, depois de tanto tempo, a fazer isso. Encaro, com uma imensa vontade de vomitar, o sapo morto, aberto, e estirado sem dignidade alguma diante de mim. Meus outros colegas de classe não se importam em zombar e cutucar o cadáver do anfíbio com seus bisturis. A professora anda até ao quadro e rascunha algumas coisas com o giz, e explica o quão importante é a aula de dissecação. Em outra época, na minha antiga escola, acabei por sentir pena dos sapos que virariam experimentos nas mãos dos estudantes, e soltei-os no jardim da escola. Óbvio que eu fui punido por aquilo, mas não me arrependo do que fiz.

Ao invés de estudar os órgãos do sapo, faço um desenho caricato da professora. Grande boca que dispersa palavras por minuto, e olhos extremamente raivosos. Divirto-me com isso. É uma maneira de fazer essa aula enfadonha correr. Mas, não demora muito para que ela descubra minha pequena travessura ao arrancar a folha de papel de minhas mãos, e sentencie uma frase aos berros para mim.

— VÁ PARA A DIREÇÃO AGORA MESMO!

Sob os olhares de divertimento dos meus colegas, vou para a sala do diretor como a professora ordena. Apanho minha mochila, pondo-a em minhas costas.

• • •

Assim que retorno da sala do diretor — após ter de digerir um discurso para lá de clichê sobre me comportar melhor —, dou-me conta de que a sala de aula encontra-se vazia e vejo-me sozinho cercado por mesas abandonadas por seus respectivos donos. Todos estão no refeitório, divertindo-se a comer hambúrgueres e tomando refrigerantes diet

O refeitório está repleto de alunos divididos em seus devidos grupos. Entrar em um deles nessa altura do campeonato, é praticamente impossível. Como se eu precisasse andar em grupinhos... Acabo por comprar uma lata de refrigerante e um sanduíche natural. Bebo a contragosto o líquido açucarado e enlatado. 

Vou para o lado de fora da escola. Limpo o concreto do banco com resquícios de  folhas secas e sento-me. Já deveria ter me acostumado com o clima e com todo esse cinza que domina os céus, mas acontece que sinto falta do calor do sol, da areia quentinha e do azul do mar.

— Então, você é de Miami?

Um garoto de bandana preta com desenhos de caveira, que se opunha aos cabelos castanhos arrepiados, de olhos escuros e maliciosos, e rosto com espinhas razoáveis sorri para mim. Veste uma jaqueta esportiva, em vermelho e branco, as mesmas cores do time da escola. Era ele, quem me analisava ao longe com seu grupinho, poucos dias atrás.

— Los Angeles — respondo sem erguer minha cabeça para o indivíduo que questionou-me.

— Isso explica a pele bronzeada — disse o garoto de jaqueta esportiva escolar, sentando-se ao meu lado. — Um cara descolado como você não deveria ficar sozinho.

— Possivelmente — dou uma mordida no meu sanduíche.

— Não fala mais com os amigos, Johnny?

— Desculpa, mas não te conheço. — limpo minha boca com o dorso da mão.

— Sou eu, cara — abre os braços, quase caindo do banco. — William Carson, mas você pode me chamar de Billy!

— Billy?

— Estudamos juntos no jardim de infância. Ah, qual é? — Billy murchou seus lábios em um biquinho de falsa tristeza. — Vai dizer que foi só eu, que reconheceu você, tantos anos depois?

Semicerrando meus olhos e forçando minha mente a dar alguma pista daquele estranho garoto, surge imagens do cara à minha frente, em uma versão menor e banguela com uma camisa verde com estampa de caminhão de bombeiro.

— Billy... Billy Carson?!

— É! — foi tudo que disse.

— E por que diabos estava me espionando na sala de aula?

— Ora, eu não queria te assustar, fazendo uma recepção desagradável.

— Falhou miseravelmente, Carson — engulo o restante do açúcar gaseificado da lata.

— Lembrou enfim, garotão. Chega junto, galera — acena e mais pessoas aproximam-se de nós. — Fiz o Johnny se lembrar.

Para minha sorte — ou não — os tais amigos que Billy chamava para perto, eram os mesmos que antes me observavam em silêncio na classe. Apertaram minha mão, sorrindo a todo instante como se fôssemos velhos e felizes conhecidos. 

Uma garota com argolas verdes, e cabelo castanho e muito rebelde, abre um sorriso largo demais para mim. 

— Sou Rachel, irmã desse cabeça dura, também conhecido como Billy — pisca um dos olhos maquiados com sombra cor-de-rosa para mim.

Gozado. Não lembro de Billy ter uma irmã mais nova. Minha memória é uma porcaria mesmo.

— E essa aqui é a Karen. — Rachel puxa o braço da amiga. Karen é a garota é uma garota magra, de pele pálida e cabelos muito rebeldes. Usa maquiagem de forma exagerada, extravagante, eu diria.

— E aí? Tudo beleza? — leva a mão em minha direção. — Estudo Química, Geografia e Álgebra contigo — aperto a mão dela. Parece que lambuzou as mãos em uma aquarela. — Acabei de sair da aula de Artes.

— Lembra quando ateamos fogo na lixeira da creche, Johnny? — Billy lança a cabeça para trás em um riso rasgado.

— Vocês fizeram isso? — Rachel enrola uma mecha curta entre os dedos.

— Eu era pequeno — defendo-me. — Como raios vou lembrar disso?!

Creio que quando saímos de um lugar, nossas memórias se dispersam, varridas pelo vento. As lembranças que construir quando pirralho em Paradise parecem ter sumido de minha mente.

— Nós éramos imparáveis! Aí você mudou para outro estado e me deixou na mão — Billy morde o lábio inferior discretamente.

— Não esquenta. Vou congelar aqui em Paradise mesmo.

— Acho que fui o único a não ser apresentado. Sou Peter Grant. John, se você quiser passear pela cidade... — um deles começa a falar, um garoto chamado Peter, um moreno de baixa estatura e de cabelo espetado com muito gel.

— Olha, não me levem a mal, mas o que um bando de caipiras ingênuos tem a me mostrar? — indago, embora sem querer ser malicioso, mas acabo soando atrevido.

Peter mantém sua boca aberta, como um paspalho.

— Uau, John — Peter rir. — Muito cruel isso.

— Qual é a sua próxima aula? — Rachel pergunta para mim.

— Horário livre. Teremos uma palestra no ginásio de esportes, alguma coisa sobre bullying — eu sibilo.

— Com o professor Irwin? — Peter indaga e eu assinto. — Esse cara é meio esquisito.

Odeio palestras muito mais do que odeio Álgebra. Além de não conseguir concentrar-me nas palavras do palestrante, geralmente fico com sono e nada aprendo. Uma bela porcaria de tempo desperdiçado.

— Nossa! Estávamos indo para lá agora mesmo. Sabe, sou do segundo ano, mas parece que toda a escola foi obrigada a assistir essa bendita palestra — Rachel fala, bufando em seguida.

— Vocês estão querendo se atrasar para a palestra do professor esquisitão? — Billy nos avisa. — Senhoritas e senhores, andemos para os portões do conhecimento! — diz em uma voz grossa e galhofeira.

— Melhor a gente ir — Rachel toca em minha mão, com toda a intimidade possível, levantando-me do banco. — Não estou a fim de perder pontos. 

Billy coloca o braço ao redor do meu pescoço, quase sufocando-me, fazendo-me caminhar trôpego ao seu lado.

• • •

A entediante palestra demora-se a passar, como qualquer outra matéria lecionada por um professor leigo. Ele constrange-se, enrola a língua, gagueja como uma criança que está sendo alfabetizada. Mal conseguir prestar atenção ao que Irwin dizia, apenas sei que havia um aluno segurando cartazes com desenhos mal rabiscados, enquanto ele enrolava-se em suas explicações. Tudo isso se torna mais enfadonho para mim, pois estou sentado na arquibancada, acompanhado de duas garotas que insistem em não prestar a atenção nas palavras do professor — Karen masca chicletes como a boca aberta, e Rachel está rabiscando corações em seu caderno — e tem um cara atrás de mim, entediado com a palestra.

Bullying é um comportamento agressivo e repetitivo que é intencionalmente prejudicial e que ocorre entre pessoas em uma relação desigual de poder — o professor Irwin recita.

 Billy, atrás de mim, dá tapinhas no meu ombro.

— Dá pra acreditar nesse momento de baboseira? — ele sussurra, inclinado sobre mim.

— Isso pode incluir agressões físicas, verbais, sociais ou emocionais, e geralmente é caracterizado pela intenção de causar dano, intimidação ou constrangimento à vítima. O bullying pode acontecer em várias formas e em diferentes contextos, como na escola, no trabalho, e em outros ambientes sociais — o professor continua.

— Essa palestra sem graça tá me dando sono — Billy diz mais uma vez para mim. 

 — É importante abordar o bullying de forma séria e tomar medidas para preveni-lo e interrompê-lo, já que pode ter sérios impactos na saúde mental e no bem-estar das vítimas. Se você estiver passando por uma situação difícil, em que esteja sendo coagido por colegas de sala de aula, por favor, converse com os professores e com seus pais — Irwin finaliza.

Assim o professor Irwin dá por encerrada a palestra nada interessante sobre como devemos agir no escola e evitarmos o bullying, por fim, todos são dispensados da escola.

— Caramba, eu pensei que fosse morrer de tédio — Billy estica os braços. — Que papinho mais besta esse de bullying. Tenho certeza de que o professor Irwin tinha o traseiro chutado quando ele era estudante. Não vou mentir, se ele tivesse a minha idade, eu mesmo o jogaria na lixeira. Hey, Johnny, está livre agora?

— Acho que sim...

— Tem carro?

Aceno com a cabeça.

— Acompanha a gente até o arcade? É o lugar onde a turminha descolada, ou seja nós, sempre se reúne.

— Eu não sei onde fica esse lugar.

— É só seguir o mestre — Billy aponta para si mesmo.

Eu queria recusar, mas pessoas carismáticas e cheias de si como Billy Carson fazem pessoas como eu, se sentirem um verdadeiro mané quando são dispensadas. Outra vez, acenei com a cabeça.

 • • •

Sigo Billy e seus amigos, que dirige um impecável Impala em um preto reluzente, e sinto-me envergonhado pelo meu Lada de portas com beiradas enferrujadas e motor barulhento.

A única loja de jogos existente em toda a Paradise, nomeada carinhosamente de Insane Dreams, nos acolhe com seus escassos fliperamas, neons piscando no letreiro mal arrojado do lado de fora e nos pôsteres pregados por quilômetros anunciando os lançamentos do ano passado. Entre as máquinas de Tetris e 1942, as crianças parecem querer apenas jogar o monocromático Asteroids.

É um lugar bem arrojado, além do quê, eles também tem uma locadora de jogos, e uma área onde vendem milk-shakes

— Droga, esqueci a minha carteira no armário da escola — Billy, outra vez, coloca o braço ao redor do meu pescoço. — Pete, me empresta algum dinheiro? Quero comprar um milk-shake para o meu novo melhor amigo, o Johnny.

— De novo? Sabe que já está me devendo cinquenta dólares, né?

— E quem está contando, bobão?!

Se eu fosse ele, eu não emprestaria dinheiro. Isso meio que estraga as amizades. Peter abre a carteira e retira uma nota de vinte dólares.

— Meu homem — Billy abre um sorriso torto e um tanto malicioso, pegando a cédula da mão do outro — Chocolate ou baunilha? — dou de ombros, não me importando com o sabor, enquanto ele vai em direção ao balcão de milk-shake.

Reconheço a máquina com o jogo Galaga, e meio que instintivamente, ponho uma ficha e começo a jogar. Sou só eu e minha pequena nave, em um infinito céu escuro, a derrotar várias naves alienígenas, com formatos diversos (para mim, elas possuem a forma de uma abelha), enquanto o som peculiar do jogo preenche minha audição. 

Não vejo o tempo passar, e concentro-me totalmente no jogo, e nem quero saber que horas são. Vejo como um desafio, chegar ao máximo que posso.

Faço, com folga, 322.270 pontos, ficando em primeiro lugar, ultrapassando as antigas pontuações que era 240.000 que pertencia a um tal de CAR, e outra que era 150.566 que era do PET.

O jogo pede-me para colocar três letras, assim, consolidando a minha vitória.

Sem pensar duas vezes, insiro as letras J, A, e um W.

— JAW? — a voz de Billy aparece atrás de mim, sugando o milk-shake em canudo com listras vermelhas e brancas. — Você ficou um tempão jogando, até esqueci do seu milk-shake. Ei, Pete, parece que o Johnny deixou você em terceiro lugar. 

— Ah, fala sério! Passei meses tentando chegar naquela pontuação — Peter resmunga, parecendo verdadeiramente chateado. — Valeu mesmo, cara!

— Você era o PET? — eu questiono, sob o olhar raivoso de Peter. 

— Se servir de consolo, Pete, também perdi o meu lugar — Billy diz, embora não esteja chateado como Peter. 

Suponho que CAR seja a abreviação de Carson.

— Mas por quê JAW? — Karen aparece, também com um milk-shake em mãos, muito curiosa. — É por causa daquele filme com o tubarão assassino⁷? Minha mãe morre de medo desse filme.

— Não, é porque são as três primeiras letras do meu nome — explico a todos eles, terminando de vez a confusão.

— Jaw... gostei! — Billy diz, ufano. — Vou te chamar de Jaw daqui para frente.

Relaxo os ombros, massageando meu pulso direito. Eu não deveria ter exagerado no jogo. Observo, pela fachada de vidro da loja, Mary do lado de fora, acompanhada por um garoto. Sim, Mary, a garota maluca que sobe em árvores para resgatar gatos e que usa meias listradas, estava agora entregando para cada pessoa que passa na rua, um folheto azulado. Percebo seu estilo e sinto que ela não deve ser o tipo de garota que se importa com a opinião alheia. Veste uma calça jeans folgada na cor cinza, usa uma camisa gigantesca e abarrotada em azul escuro, com mangas compridas que cobre as suas mãos, cuja estampa da camisa está escrito Blue Monday⁸, apesar de hoje ser quarta-feira. O cabelo amarrado de qualquer jeito, em um penteado lateral. O garoto ao lado dela, que a ajuda na tarefa, era o tal do Jake Benson.

Mesmo não querendo, sinto-me curioso acerca dos papéis que ela entrega.

— O que ela está fazendo? — pergunto sem interesse algum.

— Por que a Mary está distribuindo folhetos? — Rachel torce os lábios, como se estivesse possuída por nojo. — Não vai querer saber, gatinho.

— Coisas de mané. — Karen ri de forma escandalosa.

— De alguma forma, estou curioso — insisto.

— Hoje é quarta-feira. O dia em que ela enche o saco das pessoas para irem à Igreja. Ela é meio obstinada nessas coisas da crença dela, saca?! — Rachel faz o favor de explicar-me. — Eu também faço parte da comunidade religiosa local, mas não obrigo ninguém a nada.

— Ela também faz essas coisas na escola — Billy fala, fazendo ruído no copo já vazio de milk-shake. — Uso os folhetos dela para atirar como bolas de cuspe nos perdedores.

— E por que isso? — me dou ao luxo de perguntar, mesmo tentando esquivar-me de minha abelhudice. — O diretor permite esse tipo de coisa?

— Claro que permite. Mary é a queridinha do diretor e dos professores — enquanto Rachel falava, observo Mary ainda distribuindo os folhetos como se fossem convites para uma festa muito importante — Ela sempre faltava as aulas por causa da doença dela, e por causa disso, ficou reprovada. Então no meio desse ano, ela retornou.

— Espera um pouco... Doença? — questiono para Rachel. — Que doença?

— Sei lá — Rachel mordisca a ponta do canudo de seu milk-shake. — Alergia, eu acho. A Mary é super doentinha.

— Mas no nosso grupinho é mais conhecida como Pastorinha. — Karen completa desnecessariamente, fazendo o sinal da cruz. — Amém.

— Karen! — Rachel eleva sua voz, repreendendo a amiga.

— Ela é pegajosa. Irritante. — Karen tira o chiclete da boca e o enrola no dedo indicador. — Toda perfeitinha.

— Tem inveja da Pastorinha, Karen? Você sabe que é melhor do que ela — Rachel diz, um tanto maliciosa para Karen.

— Fala sério — Karen faz uma imensa bola de chiclete. — Por que eu teria inveja dessa garota patética? A Pastorinha se veste tão mal. Mal posso ver o vestido horroroso que ela vai usar no baile de formatura.

— Como serão os passos de dança dela? — Rachel cochicha, maldosamente.

— Para dançar, ela precisa arranjar um par, coisa que é no mínimo improvável. Quem seria o coitado pedante para levá-la ao baile? A Pastorinha vai ter que se contentar e dançar com uma ovelha.

— Acho que o idiota do Jake deva querer convidá-la ao baile — Billy deduz.

— Ele é um tremendo de um puxa-saco — Karen diz, entre risadas. — A Pastorinha e o carneirinho.

Karen realmente me irrita.

— Por que não para de chamá-la assim? — digo em meia-voz, apertando meus punhos.

Karen olha-me de forma inquisidora, compartilhando de um sorriso malicioso e enigmático com Rachel.

— Olha só isso, amiga. — Karen continua com sua escandalosa risada de hiena. — Parece que nosso amigo californiano gostou da Pastorinha.

— Não liga para ela, John. — Rachel dá de ombros. — A Karen é exagerada às vezes.

— Eu sou sincera, fofa. A Pastorinha não vale a pena.

Os comentários de Karen chegam a ser mais azedos que os de Rachel. 

— Nem pense em falar com a Mary — Rachel finca suas unhas no dorso da minha mão. — E nem mesmo ouse em aceitar qualquer tipo de coisa vinda dela.

— Ou ela vai querer abduzi-lo para a religião dela. — Karen estoura a bola de chiclete. — Ela é muito insistente. Quando cola em alguém, adiós liberdade. Ela vai lhe entregar folhetos e lhe fazer lavagem cerebral. Mary leva muito a sério esse negócio de igreja.

Como se o destino tivesse um humor distorcido, Mary acaba por me ver através da porta de vidro da loja, e acena para mim, vigorosamente. Ela continua a acenar. Desvio meu rosto abrasado, deixando-a no vácuo.

— A Pastorinha com certeza já deve estar a fim de você, garotão. — Billy pisca para mim. — Deve ser o perfume que você usa que é tão atraente. Vai dá uma chance da Pastorinha conhecer o céu mais de perto, Jaw?

Billy realmente vai insistir nesse apelido.

— Estão loucos? — minha voz sai na defensiva. — Nem conheço essa tal Mary, como posso gostar dela?

— E por que ficou todo estranho? — Rachel arqueia uma sobrancelha para mim, desconfiada. — Parece que você não gosta quando a chamamos de "Pastorinha".

— Porque eu não gosto de falar mal das pessoas pelas costas. — falo, baixinho, sentindo minha dignidade debaixo dos meus pés.

Abaixo minha cabeça, fingindo dar atenção ao meus tênis sujos de lama. Espio de canto de olho, Mary e o tal do Jake sumirem. No fundo, uma curiosidade me corrói lentamente por dentro para saber quem é de verdade, a garota que resgatei de uma árvore. 

— Bom que se dane! — diz Billy. — Vamos quebrar esse clima ruim?

Anda até a jukebox de madeira vermelha em formato arredondado com alguns adereços luminosos e escolhe o primeiro disco. A jukebox ultrapassada emerge uma música que é muito conhecida e familiar para mim. O quarteto alegria começa a cantar loucamente "Don't Stop Me Now" do Queen, mesmo não importando-se com as pessoas que jaziam no recinto. E mesmo com todos cantando-a a plenos pulmões e o mais desafinado impossível, recuso-me a participar desse espetáculo vexaminoso.

Através da porta de vidro da Insane Dreams, vejo Mary adentrando a farmácia.


˚ . ˚ . * ✧🌌🌠✧˚ . ˚ . *

💫Nota 7: O filme do tubarão assassino que Karen se refere é "Tubarão" ou "Jaws" no original, lançado em 1975.

💫Nota 8: Blue Monday (segunda melancólica) na camisa de Mary é uma referência à música do grupo New Order, música esta lançada em 1983.


Fato divertido: o apelido de John, Jaw, tem dois significados engraçados por detrás. O primeiro, é a junção das três primeiras letras de seu nome e sobrenome — Jonh Alejandro Walker. E Jaw também significa "mandíbula" em inglês. Beijos de cereja.

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