Mariposas de Sangue | ⏱️

By hounselllara

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Em uma amizade um tanto improvável, Julia Klum e Heather Lung são inseparáveis desde que conseguem se lembrar... More

ᶠᵃˢᵉ ¹
𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮𝐜̧𝐚̃𝐨 (𝐏𝐭.𝟏)
ᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐨𝐢𝐬
ᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐭𝐫𝐞̂𝐬
ᴵⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐚𝐭𝐫𝐨
ⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐜𝐢𝐧𝐜𝐨
ⱽᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐬𝐞𝐢𝐬
ⱽᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐬𝐞𝐭𝐞
ⱽᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐨𝐢𝐭𝐨
ᴵˣ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐧𝐨𝐯𝐞
ᶠᵃˢᵉ ²
𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮𝐜̧𝐚̃𝐨 (𝐏𝐭.𝟐)
ˣ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞𝐳
ˣᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐨𝐧𝐳𝐞
ˣᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐨𝐳𝐞
ˣᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐭𝐫𝐞𝐳𝐞
ˣᴵⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐜𝐚𝐭𝐨𝐫𝐳𝐞
ˣⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐢𝐧𝐳𝐞
ˣⱽᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞𝐳𝐞𝐬𝐬𝐞𝐢𝐬
ˣⱽᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞𝐳𝐞𝐬𝐬𝐞𝐭𝐞
ˣⱽᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞𝐳𝐨𝐢𝐭𝐨
ᶠᵃˢᵉ ³
𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮𝐜̧𝐚̃𝐨 (𝐏𝐭. 𝟑)
ˣᴵˣ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞𝐳𝐞𝐧𝐨𝐯𝐞
ˣˣ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞
ˣˣᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐮𝐦
ˣˣᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐝𝐨𝐢𝐬
ˣˣᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐭𝐫𝐞̂𝐬
ˣˣᴵⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐪𝐮𝐚𝐭𝐫𝐨
ˣˣⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐜𝐢𝐧𝐜𝐨
ˣˣⱽᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐬𝐞𝐢𝐬
ᵃᵗᵉ́ ᵇʳᵉᵛᵉ!

ᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐮𝐦

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By hounselllara

2009, 4 anos antes da morte de Julia Klum.

No primeiro dia do último ano de Ensino Fundamental, Julia sabia que precisava se preparar com antecedência pra uma estreia digna no Ensino Médio no outono seguinte — como uma perfeita perfeccionista, ela já planejava de antemão cada mísero passo na trajetória para a próxima etapa empolgante de sua vida.

Cansada de ser apenas a aluna mais aplicada, com as médias mais altas e os sorrisos mais orgulhosos dos professores, Julia queria ser também a mais popular entre os colegas. Quem disse que nerds não podem ser grandes estrelas? Julia pretendia conquistar uma experiência de Ensino Médio melhor do que todas as outras.

Na cabeça da garota, era necessário um namorado bonitão, festas badaladas e algo para destacá-la em meio aos outros junto de sua fantástica personalidade. Talvez um cargo importante no Conselho Estudantil. Ou uma vaga na equipe de animadoras.

Não, não. Julia precisava de mais.

Através da janela do carro, ela olhou para o céu que estava tão nublado quanto seus pensamentos. Peach Hills era mesmo uma cidade tipicamente friorenta, onde nunca seria uma boa decisão sair de casa sem um casaquinho e um guarda-chuva para as eventualidades climáticas. No banco da frente, o Sr. Klum tinha os dois: O agasalho de cotelê no corpo e a sombrinha preta no banco ao lado de suas pastas.

Ele ligou a seta para a direita da avenida movimentada.

— Já estamos chegando, Jojo — avisou, olhando a filha pelo retrovisor. — Está com tudo aí?

— Urrum! — Julia conferiu a mochila novinha em folha, com orelhinhas de gato para uma volta às aulas de respeito. — Cadernos, livros, estojo, calculadora... — Ela remexeu mais um pouco, dando por falta de algo para preencher o espaço sobrando. Quando percebeu o que era, seu sorriso animado morreu aos poucos no rosto. — Oh, não...

O semblante nos olhos de Edgar não se alterou.

— O que foi? — perguntou o homem.

Julia se encolheu, e não ousou encarar o pai de volta.

— Eu esqueci meu almoço...

As conhecidas rugas de frustração apareceram entre as sobrancelhas espessas de Edgar, como apareciam diante das ressonâncias de seus pacientes, das gravatas que a esposa não era boa em passar, e das ocasionais travessuras da única filha. Julia odiava aquelas rugas. Queria que o pai se enchesse de botox igual a mãe para acabar com todas elas.

— Julia, Julia... — disse, no tom decepcionado que ela também odiava. — O que a sua mãe falou pra você no café?

Julia mordeu o interior da bochecha.

— Que não era pra eu esquecer meu almoço...

— E o que você fez? — O Sr. Klum a tratava como uma idiota.

Julia suspirou baixinho.

— Eu esqueci porque o senhor disse que ia me deixar pra trás! Não foi por querer. Sabe que não funciono bem sob pressão.

Edgar balançou a cabeça, os punhos cerrados em volta do volante.

— Se você quer mesmo ser uma médica bem-sucedida como eu, é necessário ser a melhor amiga da pressão. — Ele a olhou rapidamente pelo vão entre os bancos, enquanto solavancavam sobre uma lombada. — Acredite que ela nunca sai do seu pé quando se tem vidas alheias nas suas mãos todos os dias.

Julia cruzou os braços, a garganta ardendo com o choro reprimido.

Ela queria mesmo ser uma médica bem-sucedida como o pai, mas às vezes duvidava de que teria vocação para a carreira — normalmente, por culpa das frases que Edgar recitava como lemas de filósofos gregos. Se você quer mesmo ser uma médica bem-sucedida como eu, é necessário se habituar ao sangue. Não ter medo da dor. Estar preparada para se colocar em último lugar nas suas preocupações.

Se ele desejava motivá-la, o efeito que surtia era sempre o contrário.

— O que você diz agora? — o Sr. Klum exigiu.

O Audi preto de vidros peliculados parou bem na fachada da escola.

— Eu sinto muito, papai — Julia murmurou, olhos envergonhados fixos nos joelhos.

— E o que mais?

— Não vai mais se repetir.

Edgar concordou, como se as desculpas tivessem sido muito espontâneas, e pressionou um botão no painel do carro para os pinos das portas saltarem. Ele se esticou para beijar a filha na testa, antes que Julia arrastasse o traseiro pelo banco para sair.

— Eu vou pedir à Fred para trazer o seu almoço mais tarde — comunicou.

Julia se esforçou para sorrir, agradecida.

— Obrigada, papai.

— Por nada. E lembre-se, Julia: Falhar nunca é uma opção. Se você quer mesmo ser uma médica bem-sucedida como eu, é necessário entender que menos do que a excelência pode causar um desastre.

Puxa, Julia pensou ao pular do carro. Dois em um dia. Ela estava com sorte.

Da entrada, o colégio já exalava a ansiedade coletiva do primeiro dia, e ainda faltava uma sagrada meia hora para o tocar da campa. Apertando as alças da mochila nos ombros, Julia se sentiu minúscula ao percorrer sozinha a passarela de concreto que dividia o gramado do jardim em dois. Os estudantes eufóricos falavam alto, corriam e dividiam risadas, e ela era só mais uma se embrenhando pela multidão.

Ela tentou buscar o rosto amigável de Heather para recebê-la, mas desistiu ao quase tropeçar nas escadas para o prédio principal.

— Tênis estúpidos — a garota praguejou para os sapatos caros que esmagavam seus pés.

Ao menos, os ânimos na área interna pareciam mais calmos. Julia respirou com alívio, avistando alguns velhos colegas de classe e professores simpáticos também. Com um pouco de demora, ela finalmente esbarrou na melhor amiga de infância, que estava acompanhada de duas meninas novatas perto de uma parede de armários.

Como de costume, Heather encarnava o papel de ouvinte com maestria, dedicando uma atenção cordial para a tagarelice das garotas e tecendo comentários de tempos em tempos. Valerie Walcott e Taylor Ballinger eram primas de primeiro grau, coincidentemente da mesma idade, recém-chegadas à cidade do pêssego. Mesmo de longe e com os dois olhos fechados, era bem perceptível o contraste da risonha e espalhafatosa Taylor com a tímida e desengonçada Valerie.

Para sua própria surpresa, Julia imediatamente gostou delas.

— Bom dia! — Ela sorria largo ao se aproximar.

Heather virou, ao passo que as primas só esboçaram sorrisos confusos.

— Ah, Julia, oi. Que bom que você chegou. — Com uma mão nas costas da amiga, Heather a empurrou para frente. — Taylor, Valerie, essa é a minha melhor amiga. Julia, essas são Taylor — apontou primeiro para a loira pequena, mirrada, com um arbusto de cabelos na altura dos ombros — e Valerie. — Depois para a menina de olhos caídos e aparelho nos dentes. — Elas estavam meio perdidas por aqui.

Julia acenou com a cabeça.

— Olá, meninas. É um prazer conhecê-las.

— O seu cabelo é lindo — sussurrou Valerie, encantada, as írises percorrendo toda a extensão das madeixas negras de Julia.

— E os olhos também. — Taylor curvou os lábios.

— Ah, obrigada! — Julia alisou a franjinha, o ego deliciosamente inflado. — Vocês são muito gentis. E sinceras.

Heather conteve a risada. As habilidades sociais da amiga conseguiam ser piores do que as suas de vez em quando.

— Elas têm aula de Espanhol na sexta também — disse. — Provavelmente vamos ficar na mesma sala.

— Que legal! Assim podemos nos conhecer melhor. — Julia bateu palminhas, e avançaram as quatro pelo corredor. Ela imaginou que podia treinar com as primas os atributos indispensáveis para alcançar uma popularidade merecida, como seu carisma e a sua "gostabilidade". Com Heather o exercício não funcionaria, pois a amiga não desperdiçaria a chance de caçoá-la eternamente. — De onde vocês vieram?

Valerie desenhou no ar um arco com a mão.

— Viemos de uma cidade pequena e meia-boca na Califórnia que ninguém conhece. Só o que trouxemos de bom foi o bronzeado.

— Trocaram seis por meia dúzia — Heather sussurrou.

— Riverlake — Taylor disse, pressionando contra o peito o fichário. — É tudo bem precário por lá. As escolas são péssimas, os estabelecimentos nem se fala, e todo mundo age como protagonistas de um livro mal escrito. Suga a energia de qualquer um. — Ela bufou.

— Que horror. — Julia riu melodiosamente, apesar de ninguém ter contado uma piada. Heather a direcionou uma careta, os óculos dançaram no nariz. — E o que estão achando de Peach Hills?

As primas anuíram em sincronia com as cabeças.

— É tudo bem melhor — disse Valerie, doce.

— Mais vivo — Taylor acrescentou. — Vocês precisam nos apresentar seus pontos favoritos da cidade qualquer dia desses. Ainda não vimos tudo.

— É uma ótima ideia! — Julia esganiçou o tom sem querer.

Heather indicou o seu armário, onde queria guardar algumas tralhas extras antes da aula, e elas interromperam a caminhada. De costas para o trio, que agora engajava em uma conversa sobre as expectativas para o ano letivo, Heather escondeu outra careta em sua cabine organizada, e torceu para que Julia não estivesse planejando incluir Taylor e Valerie na relação.

As garotas eram bacanas, é claro, mas Heather tinha bastante preguiça de se amigar com pessoas inteiramente novas.

Mais amizades significavam mais datas de aniversário para decorar, mais pais e adultos para agradar, mais gostos, desgostos e peculiaridades para descobrir. Quem sabe se Taylor curtia filmes de romance e manhãs de verão. Talvez Valerie tivesse medo de sapos e fosse fã de alguma banda...

Heather engoliu um grunhido.

Os sábios conselhos de Heloise sobre ser mais receptiva para novidades e moderar na insociabilidade reverberaram em seus pensamentos. Todo agosto era a mesma ladainha. Não seja tão antipática, querida, a mãe dissera naquela manhã, prendendo os cabelos da filha em um coque de bailarina na sala. Você é um bicho do mato ou uma garotinha linda com qualidades incríveis para oferecer?

Heather cuspira uma gargalhada sem dó.

Eu diria que depende muito da situação, mamãe.

Ela não estava nada afim de saber mais do que os nomes das duas novatas, mas se virou para elas mesmo assim.

—... E vocês souberam daquele tal grupo de elite que só entra gente importante? — Taylor perguntava, como quem não quer nada.

Julia não foi capaz (e nem mesmo tentou) de disfarçar o interesse.

— Grupo de elite? — ecoou, maravilhada.

— Urrum. Se chama The França... The Frango...

The Francium — Valerie auxiliou.

— Isso! The Francium. Disseram que é uma garota do primeiro ano que lidera tudo. Ártemis, eu acho. Ela está começando a fazer muito sucesso...

— Elite, você falou? — Julia continuava questionando. — Elite, tipo... endinheirados?

Heather se encolheu, e bateu a porta do armário.

— Também. Mas o que conta mesmo é a influência. Tipo, se você é popular e interessante.

Julia volveu os olhos acesos para a melhor amiga de escanteio, esperando que ela correspondesse seu sorriso entusiasmado. Sem entender, Heather só sacodiu os ombros.

— O quê? Eu não serviria nem para o esgoto de um negócio desses.

— Não diga besteira. — Julia a puxou pelo pulso para voltarem a andar. — Nós teremos meses para nos preparar e ganhar nossa entrada. — Ela esticou o pescoço pálido, mirando Valerie e Taylor na outra ponta do alinhamento. — Todas nós, ouviram? Vamos ser parte disso e marcar nossa presença em tudo de melhor que o futuro tem para oferecer!

Heather franziu o nariz em desacordo, mas Valerie se adiantou:

— É um tiro no escuro, pra falar a verdade. Parece que não dá pra simplesmente pedir pra entrar ou algo assim. São os membros do grupo que selecionam cada um a dedo. E tem uma festa de iniciação em que eles avaliam se você realmente se encaixa ou não.

Heather estava ultrajada.

— Eu nunca vi tanta estupidez por metro quadrado.

— Estúpido, nada! — Julia deu pulinhos toscos no lugar. — É genial! Uma festa de iniciação, puxa vida. Como é que eu nunca tinha escutado sobre eles antes?

— Provavelmente porque os caras estão presos nos séculos retrógrados dos nossos antepassados.

Julia riu, contornando os ombros da melhor amiga com o braço.

— Você e suas palavras difíceis... — Ela ajeitou a haste dos óculos de Heather carinhosamente. — Não esquenta. Aposto que vai acabar gostando depois.

Não, Heather sem sombra de dúvidas não iria. Não existia qualquer possibilidade em qualquer universo paralelo de ela de fato simpatizar com uma proposta completamente ultrapassada que já fedia a podre há quilômetros de distância. Julia a conhecia melhor do que aquilo.

Heather estava até meio decepcionada — embora não precisamente chocada — pelo entusiasmo exagerado da melhor amiga.

Ela obviamente adorava Julia, mas nunca fizera vista grossa para os seus delírios de grandeza e sua tendência a uma soberba impressionante — infelizmente, a garota espelhava até os defeitos do pai em si mesma, ainda que em menor escala. E Julia ou o Sr. Klum nem eram criaturas desprezíveis, mas Heather precisava cavar fundo sob as grossas camadas de empáfia para encontrar um par de corações razoáveis.

— Qual é o objetivo do grupo, afinal? — ela perguntou às primas. — O que eles fazem?

— Algo com projetos voluntários para arrecadar fundos para a caridade? — Taylor franziu o nariz, incerta.

O espanto engelhou a testa de Heather, mesmo com certa desconfiança.

— Viu, Heather? Eles fazem boas ações! — Julia cutucou a melhor amiga na costela.

— Está mais com pinta de autopromoção, isso sim...

Julia revirou os olhos, irritada.

É certo que Heather sempre fora meio lelé, mas já beirava o anormal que a melhor amiga não quisesse nem agarrar um ingresso de ouro para um Ensino Médio privilegiado, no alto da hierarquia escolar. Era uma vantagem conquistável com um pouco de esforço, o destaque ideal que Julia procurava. Sem aquilo, Heather ficaria apenas com seus quebra-cabeças e sua fascinação questionável por borboletas.

E Julia acreditava que ela merecia mais.

O sinal do primeiro período disparou, dissolvendo o quarteto em duplas diante de uma bifurcação no corredor. Valerie e Taylor agradeceram Heather por ter lhes mostrado a localização do Laboratório, e se despediram com acenos e combinados de um reencontro no almoço.

Enfim sós (ou nem tanto, considerando a horda de alunos espremendo-se pelas paredes), Heather e Julia seguiram em um silêncio pesado para a aula de Inglês.

Depois de sete anos de convivência, não era mais necessária qualquer discussão para uma anunciar que estava zangada com a outra. Para Heather, porém, a expressão de quem comeu e não gostou no rosto de Julia não tinha sentido nenhum. Quem deveria estar zangada era ela.

— Sabe, Heather — Julia iniciou, atirando a bolsa em uma das vagas nos assentos frontais. Heather segurou um suspiro. E lá vamos nós... — Para uma garota tão nova, a sua mente consegue ser incrivelmente fechada às vezes.

Um ruído de deboche deslizou por entre os lábios de Heather, que se sentou na cadeira logo atrás.

— Me desculpe se eu, como um ser humano decente e impopular, acho um grupo só para populares meio idiota.

— Ei, eu sou um ser humano muito decente. Na maioria das vezes. E tão impopular quanto você — Julia argumentou, com a pose de uma santa ao admitir seus pecados. — Mas, quando eu não for mais, vou arrastar a sua bunda murcha comigo, seja por bem ou por mal.

Heather crispou a testa para a prepotência descarada da garota.

— Eu não quero ser popular, Julia. Minha bunda murcha está bem como está.

Ugh. — Julia tombou a cabeça dramaticamente. — Isso não é a sua fobia social não diagnosticada falando, é?

Heather tirou da mochila o caderno ainda com cheiro de novo.

— Não, sou eu. E eu, Heather Katherine Lung, não tenho qualquer interesse em qualquer nível de popularidade agora ou daqui vinte anos. Onde assino?

Julia se virou por uns pacíficos minutos para arrumar os materiais enquanto a Sra. White não aparecia, resmungando malcriações para as canetas coloridas e os lápis de centenas de dólares.

— Não sei porque você dificulta tanto as coisas. — Ela lançou uma encarada ressentida à amiga pelo canto do olho.

— Ah tá. — Heather riu, e escreveu a data no canto da folha. 24 de agosto de 2009. O dia em que Julia Klum pirara de vez em todas as batatinhas. — Me perdoe por dificultar que você me obrigue a algo que eu claramente não estou afim. Mais um pouco e já posso chamá-la de Julio...

— Quem? — Julia uniu as sobrancelhas.

Heather sacodiu uma mão.

— Esquece, Julia. Será que você pode só respeitar a minha escolha? Como sua melhor amiga, eu nem deveria ter que implorar.

Julia inflou de ar as bochechas, liberando tudo de uma vez em uma longa lufada.

— Você tem razão — ela disse para Heather, baixo. Para a sorte das garotas, a facilidade em se desculpar e reconhecer os erros era uma virtude que a idolatria pelo Sr. Klum ainda não corrompera. — Desculpa. Eu só queria que nós continuássemos juntas em tudo.

Heather amoleceu os ombros rijos.

— E nós vamos, ué. Não precisamos nos separar só porque você vai ser popular e eu não.

Contanto que Julia mantivesse a sua essência e ainda se lembrasse de Heather, elas permaneceriam juntas. Certo?

— Certo? — Heather perguntou para confirmar.

— Certo — Julia assentiu, sem toda a confiança que sua amiga gostaria —, mas... — Heather estremeceu com um nó na garganta. — Você vai perder toda a diversão. Não vai ser chamada para as mesmas festas, ou andar com a mesma turminha descolada, ou...

— Se estiver tentando me instigar — Heather cortou, gentilmente —, devo informar que não está conseguindo.

Julia projetou o lábio inferior num bico, acrescentando ao seu olhar de cachorrinho abandonado uma languidez patética.

— Você pode só dar o braço um pouquinho a torcer? — Ela afastou o dedo indicador e o polegar sutilmente para representar o pouquinho ao qual se referia. — Eu prometo não forçar mais a barra. E admita que seria legal espiar o mundo fora da zona de conforto só para variar.

Heather torceu o canto da boca, de novo em desacordo.

— A zona de conforto é confortável, Julia, sabia disso? Sair dela é o inverso de conforto. É um prego enferrujado espetando a sua bunda.

— Por favorzinho? — Julia grudou as mãos em forma de prece.

Heather virou os olhos para o teto, rapidamente pesarosa de não ter batido as botas em seu sono naquela madrugada.

— Tudo bem, dar o braço um pouquinho a torcer. Nada superior a isso.

Sua amiga celebrou com um gritinho, enlaçando Heather pelo pescoço para um abraço desajeitado por cima dos encostos das cadeiras.

— Você é a melhor amiga do mundo, Hezzie!

Ah, Deus, Heather pensou, ao ter os óculos praticamente ejetados da cara pelo aperto de Julia. A garota usara o apelido que, diga-se de passagem, quase nunca antecedia nada de bom.

NOTA DA AUTORA:

Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!

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