0.5| lógica e pistas

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26 de fevereiro de 1961
10:30
igreja do desterro ‹

− o senhor esteja convosco. ― o padre giovanni falou, tateando a barba hirsuta com a destra enquanto sua canhota repousava sobre o púlpito.

− ele está no meio de nós. ― a igreja disse, num coro não muito uniforme.

− corações ao alto. ― disse o italiano.

− o nosso coração está em deus. ― a igreja continuou.

− demos graças ao vosso nome. ― giovanni continuou, esperando a frase tornar-se completa por meio dos devotos.

− é o nosso dever e a nossa salvação. ― a igreja falou.

12:09

› casa da família choi/biblioteca ‹

yerim fora guiada por passos lentos e cambaleantes até a biblioteca. yeojin a seguia, e seus dedos mindinhos estavam quase se entrelaçando.

a garota de tapa-olho observou que o forro estava quase inteiramente desmontado, e era possível ver o caibro de madeira negra que sustentava as telhas rijas de barro da época de brasil colônia.

não seria difícil se matar usando o caibro que sustenta as telhas. ― yeojin pensou. ― o teto não é tão alto, não existe tarefa dificulta caso tenha que se pendurar uma corda lá.

yerim tateou um porta-retrato de madeira áspera, estendendo-o para que a de fios curtos o visse: havia um retrato, de um homem pouco decrépito, de bigode e sobrancelhas hirsutas, tão grisalhas quanto o cabelo bem penteado para a direita. tinha bugalhos estatalados e encovados; como se, a julgar pelos olhos estivesse assustado e doente.

a menina sabia que ele era barão: o barão choi. yerim sorriu mansa ao que suas órbitas pousaram na foto em preto e branco, que datava da década de 40. supunha que o homem, nascido a cerca de 1869, odiava os escravocratas: alforriou muitos e era, de certa forma, um homem altruísta e caridoso. porém, criara um filho inescrupuloso e de certa forma prepotente, que decidira criar yerim na coreia até que ela tivesse três anos; assim, ela não seria como o avô que tanto amava.

− o barão... foi ele quem foi assassinado na sua frente, choerry? ― yeojin questionou.

− sim... quer saber como? ― choerry sorriu, um sorriso um pouco lasso e melancólico.

− quero. talvez possamos se basear nisso para descobrir o que aconteceu com ele. ― yeojin queria sorrir para confortar a amiga, mas sabia que era errado sorrir por causa da morte dos outros.

− tudo começou em agosto de 1950, eu tinha uns 5 anos... ― yerim narrou.

yerim lembrou-se de estar brincando de pique-esconde com yeojin, haseul e uma prima de yerim que tinha oito anos na época, cho miyeon.

seu avô, homem sisudo, estava lendo um livro na biblioteca, sentado atrás de sua escrivaninha, quando a pequena choi entrou.

− eu pedi para me esconder na biblioteca e ele deixou, recomendou que eu me escondesse no armarinho embaixo da cristaleira. as taças de vidro refletiam a luz do sol das quatro e meia da tarde. estava quente, por mais que estivéssemos no inverno. ― yerim comentou.

choi amemorou-se de ter visto, através de uma fresta na porta do armarinho onde seu corpinho minguado se escondia, uma mulher, empregada da casa que ela não reconhecia, oferecer ao barão de n. sra. do desterro, um chá de camomila.

surpreendentemente, o velho começou a passar mal. muito mal. em poucos segundos ele caiu no chão, lacrimejando.

− ele me disse: “yerim, não saia daí.” em coreano. ― a choi disse. ― ele perguntou para a empregada, austríaca, o que ela tinha posto naquela maldita camomila. “arsênico”, ela disse.

yerim friccionou o queixo com os dígitos, e recordou-se de a mulher ter dito que estava se vingando pelos escravocratas e senhores que perderam os escravos. o barão de n. sra. do desterro ouviu aquilo tudo, ainda consciente. o vô da choi amaldiçoou os escravocratas antes de morrer, e disse: “yerim, se vingue por mim.” antes de morrer. mas como não morria, a mulher asfixiou-o com um saco plástico.

− na hora me dei conta do que estava acontecendo e agarrei-me no pescoço dela. ― yerim continuou, com semblante minguado. ― minha prima veio correndo bem rápido, com a mãe dela. só que a austríaca fugiu antes. chegaram a levá-lo para o hospital, e eu e a baronesa ficamos um tempão chorando perto da cama dele. aí ele morreu.

yerim relembrou-se de ter pedido para o delegado joão césar, pai do atual delegado inácio luís von müller, para prestar testemunho. ele deixou, mas riu da choi e a chamou de mentirosa. nunca prenderam a austríaca.

− não acreditam em crianças. ― yerim falou, neutra. ― tomara que o joão batista e toda a família dele morra e queime no inferno. eu quero vingar meu avô, yeojin. eu quero vingança.

− que horror, yerim! ― yeojin falou. ― mas por um lado, você está certa. fico triste pelo seu avô.

− pois é... minha prima e você foram as únicas que acreditaram em mim. ― yerim libertou dos lábios um suspiro lasso.

− nem a baronesa acreditou?! ― im indignou-se.

− não... ― yerim segurou uma lágrima, olhando para o teto para que esta não escapasse. ― eu lembro das sevícias que tive que aturar depois de ter dado aquele depoimento e ter sido acusada de mentir. eu juro pela minha vida que não menti!

− sevícias?! te maltrataram, yerim?! ― yeojin quase se engasgou com a própria saliva.

− sim. meus pais nunca foram as melhores pessoas do mundo... eu odiava ver as equimoses em meus braços e pernas, ter que escondê-las com mangas longas e meias-calças, não poder me sentar com conforto por causa de ferimentos nos jarretes. ― yerim cobriu seus lábios com a destra. ― eu não gostava dos cocorotes, nem dos açoites, murros, e golpes de palmatória. nem de ficar sem comida por um dia ou de ouvir gritos e murros na mesa de jantar, yeojin... ouvir os baques que meus joelhos faziam no chão, ou de aceitar tudo calada em tom obnóxio.

− sinto muito por nunca ter sabido que você passou por tudo isso... eu me sinto horrível! ― sem dizer muito, yeojin abraçou yerim.

− não precisa... ― yerim escondeu a cabeça no ombro de yeojin.

− sinto falta do homem velho de barba e sobrancelhas hirsutas, com bugalhos caídos e bom em dissertar, muito ponderoso. ― yerim murmurou, enquanto lágrimas gotejavam de seus olhos. ― fui eu quem fiz o necrológio dele.

− entendo. ― yeojin abraçou a choi.

− estou curiosa, quero ver como hyejoo está. ― yerim murmurejou, e yeojin sentiu yerim apoiando seu corpo no da im.

− ela foi internada na quarta, certo? ― disse yeojin.

13:09
› hospital santa cruz ‹

yerim e yeojin correram, errantes e babélicas, depois de saberem que hyejoo estava internada no quarto 195, da ala de pneumologia.

adentraram o aposento, e viram uma cena, de certo modo, deprimente: chaeyoung e mina estavam dormindo, a son mais velha estava deitada no sofá, em uma posição totalmente desconfortável; e mina sentada no chão, com a cabeça nas pernas da filha. ambas pareciam preocupadíssimas e muito exaustas. hyejoo não parecia dormir, se yerim e yeojin deduzissem, tomariam como conjectura a son mais nova estar desfalecida.

yeojin olhou para o chão: havia algumas embalagens de antidepressivos e calmantes no chão. yerim contemplou tristemente o rosto de hyejoo, sentindo-se culpada pelo que yeojin veio a dizer. a pele alva de hyejoo estava sendo deturpada por nódoas de sangue, presentes no seu pijama e no edredom branco.

ambas suspiraram, em mútua melancolia.

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nossa senhora do desterro | yeorimजहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें