Henry

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    Não me lembro muito bem do que aconteceu depois que fui para o quarto. Terminei uma garrafa e whisky que já estava pela metade. Eu precisava de algo que me tirasse a imagem da Olivia sobre meus dedos enquanto pedia mais. Não deu muito certo, mas me lembro de me masturbar no banheiro.
    Acordei com o sol bem no meu rosto. Eu estava pelado e minha cabeça doía um pouco. A tela do meu celular dizia ser 10 da manhã e não sabia exatamente com que cara olhar para a garota que provavelmente estaria me esperando na cozinha. Na praia algumas pessoas aproveitam o sol para curtir um mar, e tudo que eu desejava era um remédio para a porra da minha cabeça.

    No momento em que entrei na sala, alguém chamou meu nome. Me virei e me deparei com meu pai no sofá com uma xícara entre os dedos, as sobrancelhas levantadas e um sorriso nos lábios. Porra. Eu tinha me esquecido que ele estava aqui.
- Noah. - A expressão dele se iluminou ao me ver. - Pensei que já tivesse saído. Blair e Olivia foram dar uma volta. - Ele explica.
    Dei de ombros e servi um pouco de café do bule que estava na bancada. Estava quente e eu sabia que aquilo me daria ânimo para uma conversa que eu não estava nem um pouco a fim de ter.

- Quantas vezes? - Pergunto e me viro para ele.

- Quantas vezes... o quê? - Ele muda de postura para me escutar.

    A xícara está esquentando minhas mãos e gosto da sensação. Mas rio da cara de bocó que ele faz. - Quantas vezes vou ter que pedir que não me chame de Noah.
Mase me olha surpreso.

- Mas é seu nome. Sua mãe e eu escolhemos... - A risada amarga que solto o faz parar.

- É, porra, mas é exatamente por isso que não gosto que me chame assim. Não gosto de olhar para essa sua cara de inocente filho da puta e me lembrar das vezes que ela me chamava e você não me deixava vê-la.

- Nós precisamos ter essa conversa. - Mase diz atrás de mim, me seguindo até onde estou.

    O problema é que quando penso em tudo que vivi, a confusão toma conta de mim. Meu instinto é odiar o cara parado atrás de mim enquanto espera que eu olhe ao seu chamado, mas tudo que consigo sentir é raiva. Uma dor no peito por olhar para ele e viver tudo que eu não gostaria nunca de ter vivido.

    A ironia é que não consigo expulsa-lo da minha vida por simplesmente ser tudo que eu tenho como família. Any era minha irmã mas estava construindo sua própria definição de família, mas eu o odiava e não deveria quere-lo perto de mim. Meus olhos ardem e sinto uma mão quente no meu ombro descoberto.

- Você não pode me culpar por ela ter sofrido tudo aquilo. Acho que já passou da hora de você por para fora tudo que te irrita.

    Cerro os dentes e espero que ele não repita o que acabou de falar, porque se não...

- O que foi, caralho? O que quer eu diga? Que você fodeu minha infância? Parabéns, papai, porque você fodeu. - Chama-lo de papai o deixa desconsertado já que poucas vezes fiz questão de dirigi-lo como pai. - Quer eu te dê parabéns por ter abandonado ela quando ela mais precisou? Parabéns. Ou prefere que eu lembre da vez em que você transou com sua amante no quarto de vocês enquanto ela passou três meses em uma cama de hospital?

    Em questão de dois passos estou de frente para ele. Minhas lágrimas egoístas se misturam com suor que cai do meu cabelo. Meus punhos estão tão rígidos que poderia quebrar um pedaço de madeira.
    Ele nunca fez questão de ser um bom pai e muito menos um bom marido. Me convenceu a ser um adolescente normal quando o mundo parecia nublado; ele só não tinha notado que eu jamais seria alguém normal como os filhos de seus amigos. A verdade é que estava nublado não o mundo mas dentro de mim. Ele deixou com que eu segurasse a barra quando as coisas se complicaram, deixou com que tudo se resolvesse sozinho quando na verdade não percebia que eu estava lá tentando salva-la de seus demônios. Que porra de pai ele era?



Meus dedos tocaram os fios pretos de seu cabelo com leveza. Ela era linda, como uma princesa em seu castelo encantando. Era impossível que olhassem para ela e vissem que por dentro estava machucado. Que seu coração havia se perdido quando dois homens a tocaram como se ela fosse um simples objeto de prazer. Eu odiava a ver assim. Era dia de terapia e estávamos sentados próximos ao jardim onde doutora Angelina a atendia.
Seus olhos estavam opacos, mas nem sempre foram assim. Ela costumava sorrir e ter o olhar mais bonito de todos. Minha mãe era a mulher mais linda que eu um dia iria conhecer e eu viraria o mundo de ponta cabeça para que ela fosse feliz.
- Está chegando o dia. - Ela me olhou de canto de olho e segurou minha mão enquanto se ajeitava no cardigã verde que vestia. - Seu aniversário de quinze anos. Meu menino está virando um homem.

- Mãe... - resmunguei intimidado.

Faltavam três dias para o meu aniversário e neste ano seriámos apenas nós dois. Meu pai estava viajando com a secretária para o México, ele dizia estar muito ocupado e sinceramente eu gostava quando ele não estava por perto. Ela parecia mais... feliz.

Toquei de leve sua mão gelada. Ela estava linda, eu fazia questão em arruma-la com vestidos caros que comprava escondido do meu pai após a aula. Ele devia isso a ela. Era como se eu pudesse sentir que concertei algo, já que sua alma já estava quebrada. Meus olhos marejaram quando percebi que ela estava chorando. - Mãe... - chamei e ela me olhou. Seu sorriso era triste.

- Não se sinta culpado por minha causa, Noah. Você é meu melhor amigo. - Seus dedos bagunçam de leve meus cachinhos. - Se quer me ajudar de alguma forma, é que jamais seja o que você sabe que é errado. Está embaixo do seu nariz.
Ele ficou em silêncio e deitei a cabeça em seu colo. - Minha vida pode não ter muito sentido agora, mas você é tudo que eu tive de melhor nela.
Eu amava o cafuné que ela fazia. Amava seu colo e amava quando ela dizia que o mínimo que eu, um garoto de quatorze anos, estava fazendo por ela. Por nós, era incrível.

- Nunca tenha dúvidas sobre o que foi para mim. Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe... e o pouco que faço como viver, é o que você me proporciona.

Não importava o que o mundo traria para nós. Eu seria completo por ter dado minha mãe a oportunidade de ter uma vida.



- Você não pode me culpar por ter seguido minha vida. E sinto muito, mas não pode tentar salvar a Olivia para tentar vingar sua mãe. Ela era uma maluca.
    É como se tudo ficasse escuro. Não consigo enxergar e nem ver nada que acontece depois, apenas fecho a mão contra o nariz do meu pai. De novo. Ele da um pulo para trás, e sangue escorre pelas narinas. Ele me olha e sinto que passei dos limites mas tudo que consigo sentir é satisfação.

    Minhas veias pulsando e meu coração acelerado. A adrenalina corre pelo meu corpo como um atleta olímpico em competição. Quero me sentir culpado mas me sinto orgulhoso de ver meu pai provar de seu próprio veneno.

- Nunca mais chame minha mãe de maluca.

    Sem olhar para Mase, parto para o corredor. Eu preciso sair dessa casa o mais rápido possível.

    Meus pés tocam o acelerador do carro e quanto mais anda, mais sinto vontade de correr. É, aquilo estava me dando prazer. Maluca, ele chamou minha mãe de maluca. Ele quem era um doente filho da puta.
    Meus dedos seguram o volante com tanta força que poderia arranca-lo do lugar. Não sei quando começa a chover, mas as gotas estão caindo pesadas, da mesma forma que meus olhos insistem em chorar. Passo com um tiro por um cruzamento e não vejo quando o carro atinge em cheio a porta do passageiro. Paro e olho no retrovisor, estou sangrando.

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