Henry

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      Olho pela janela e observo o homem sem camisa estampado na parede do prédio ao lado. É ridículo que tenhamos que trabalhar obrigados a ver um sarado nos encarando enquanto resolvemos um crime.

A porta bate e volto a realidade de que estou na sala do chefe. Um investigador nunca fica feliz em ser convidado para uma reunião particular com seu superior; muitas das vezes você matou pessoas demais, fez merdas demais, foi processado ou...não.

— Me desculpa chamar o senhor até aqui, mas precisamos mesmo resolver isso agora. — Hector senta-se atrás da mesa e pega uma pasta. Posso garantir que a adrenalina corre solta pelo meu corpo quando ele me olha e sorri — senhor Stevens.

— Sim — Tento sorrir, mas é óbvio que minha mandíbula insiste em tremer.

— O escritório está uma loucura, tantas coisas. Tantos papéis. Está servido? — Ele levanta e enche uma taça de algo incolor e sem rótulo.

— Estou trabalhando, e não quero ser processado por combater bêbado, ou até mesmo perder meu posto. — Me ajeito e brinco com a ponta do casaco que esconde meu joelho.

— Está certo. Bom, senhor Stevens, deve está sabendo sobre a crise que nos encontramos. Os investidores cortaram rendas que ajudavam a pagar dividas do escritório.

— Sim, fiquei por dentro disso.

Éramos de Myrtle, todos sabiam o que acontecia na cidade, e quando seu trabalho está prestes a perder seu salário, você é o primeiro a saber.

— Várias coisas estão sendo cortadas e infelizmente. — Ele coça a garganta. — Infelizmente alguns investigadores serão demitidos. Sinto muito mas...

— O quê? — E naquele momento, eu sabia que a sensação estranha estava certa. — Não pode demitir um investigador.

— Vamos dar um jeito. Senhor Stev...

— Henry, me chame de Henry.

— Certo, Henry, não podemos manter o trabalho do senhor. A administração fez um apanhado e de todos aqui, seus trabalhos são os menos utilizados ultimamente. Apenas no escritório. Seus trabalhos são muito uteis ao batalhão... — Ele faz uma pausa quando se lembra do que aconteceu.

— Como assim? Posso te apresentar todos os meus...

— Não sou apenas eu, Henry. Sinto muito. — Ele aperta os lábios e o máximo que posso fazer é aceitar que estou na rua.

....

Quando você tem 7 anos, na sua cabeça a vida ainda vai ser muito legal com você, aos 12 sua primeira namorada termina com você. Com 21, você descobre o que é ser adulto e puta merda, a vida chuta a sua cara e não espera que esteja preparado para ela. A não ser que seja uma criança fodida como Henry Noah Stevens. Quando seus pais são dois fodidos tentando se manter vivo. Quando sua mãe se torna uma boneca que não fala, não anda e não vive.

A vida para alguém como eu, ela está sempre metendo o foda-se, e sinceramente, já me acostumei com isso.

— Merda. — Chuto um pedaço de folha enquanto tento entender que perdi o meu emprego. Fodido. É essa porra da palavra que me resume — O que ele queria? — Ashley entra na pequena cafeteria do hospital onde trabalha.

— Fui demitido, Ash. Demitido. Estou na rua. — Levo a mão na testa tentando entender o que acabou de acontecer.

— Ele não pode demitir você, Henry. É o melhor daquele escritório. — Ela se aproxima e seu cheiro doce atravessa o pequeno espaço.

— Não é bem assim que a administração pensa. — Reviro os olhos e olho para a garota ruiva parada logo ali, de ombros caídos incrédula como eu. — Estou ferrado.

— Não, não está. Você é Henry Stevens e qualquer outro escritório sensato irá perceber que sua presença é essencial. E você continua sendo policial. — Ela se aproxima e posso sentir suas mãos acariciam meu braço e descansar seu rosto no meu ombro. — Ela pressiona o lábio quando percebe a cara que faço.

— Melhor eu ir — Me viro para ela. Ash é uma mulher linda. Somos amigos desde que fui parar no hospital depois de tomar um tiro que quase tirou minha vida. Não posso imaginar o que teria sido de mim sem suas mãos magicas em um bisturi. Ou em outras partes do meu corpo que fiz questão de apresenta-la mais tarde.

— Promete que vai tentar se contentar com o batalhão? Eles vão relevar. A culpa não foi sua. — Ela segura minha mão quando levanto para ir.

— Não — Rio. — Eu não prometo. Porque a culpa foi minha. — Ela sorri triste e nas pontas dos pés se aproxima me dando um leve beijo nos lábios, sou obrigado a afasta-la quando meu celular toca e é James que pede para que eu o encontre o mais rápido.

Bombeiros e policias já estão em atendimento quando chego no local. Desço do carro e ando até o cara baixinho de farda que bloqueia a passagem.

— O que aconteceu? — Pergunto me aproximando do carro amassado contra a arvore.

— Um idiota bebeu demais e pelo o que parece atrapalhou a moça no acostamento. Ela teve muita sorte do tapado conseguir desviar um pouco. — Ele lê algo no celular. Olho ao redor e observo levarem uma jovem para dentro da ambulância. Lugares como esses me levam ao passado, posso me lembrar da minha mãe estendida no chão exatamente como quando aquele imbecil que um dia chamei de pai, tentou mata-la.

— O que ela estava fazendo agora sozinha aqui? — Pergunto. Olho ao redor, a noite está fria e a estrada deserta além de nós. A mulher sendo atendida é jovem demais. Bonita demais. Posso perceber mesmo pelo sangue que espalha por todo seu rosto. — Para que você me chamou? Sabe que eu não faço mais parte disso...

— Eu sei. Mas ninguém sabe o que, ou quem seja. Ela não tinha documentos e nem nada que pudesse nos dar uma dica. — James me encara antes de apertar os lábios. — Tomara que ela não morra. — Ele olha para a estrada — Eu sei que não deveria ter te chamado, mas é o melhor que nós tínhamos. Talvez pudesse ajudar.

— Ajudar? Sabe por que eu fui afastado, né? Você se lembra. — Bufo irritado.

— A culpa não foi sua. — Ele da um tapinha no meu ombro.

— Não posso ajudar. — Dou mais uma olhada na jovem sendo levada para a ambulância. — Boa sorte.

TruthWhere stories live. Discover now