IV

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" Sonhei, entre visões da noite escura,
com a alegria morta, mas meu sonho

de vida e luz me despertou, tristonho,
com o coração partido de amargura.

Ah! que não vale um sonho à luz do dia
para aquele que os olhos traz cravados
nas coisas que o rodeiam e os desvia
para tempos passados?
"

— Edgar Allan Poe.

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VOLTAVA IMPACIENTE PARA CASA, quando ainda faltava dois quilômetros para chegar no ponto final. Resmungando baixo a cada passo em que dava, fitando a pista vazia e levando a sua bicicleta com as duas mãos, que com certeza não usaria mais.

" Eu não sei mais, o que é real ou não."

Aquela frase havia ficado em sua cabeça, assim como Rubi pondo o seu cabelo com mechas rosas para o lado, observando o rio abaixo, capaz de pular nele de novo. Mas... O que foi tudo aquilo? Perguntou-se, refletindo. Depois de alguns segundos percebeu que ela realmente queria se matar. Então, não tinha sido uma salvadora de fato, e sim uma intrometida. Nunca deveria ter saído de casa. Nunca.

Achava que deveria ter ido com eles. Mas não! Não poderia voltar tarde demais para a casa dos Fraser, se sua mãe acordasse de madrugada e avistasse a sua cama vazia? Seria burrice voltar pela manhã.

" Eu não sei mais, o que é real ou não."

Grunhi baixo, com a frase que se repetia com desobediência em sua mente, segurando os pulsos na bicileta com mais força. Firmando os passos com rapidez, respira fundo. Seria melhor evitar aqueles hábitos noturnos, sempre acontecia algo imprevisível. Algo terrivelmente inédito.

Vira a sua cabeça para trás quando ouve galhos se quebrando na floresta. Rolando o seu olhar pelos arredores, o que encontrava era apenas o vazio da mata e o barulho incessante dos insetos e morcegos.

Deixa a sua bicileta em pé apoiada, ficando no meio da pista, parada, não sabia o que estava fazendo. Mas ficou inerte na mesma posição, observando as copas das árvores que haviam folhas tão imensas capazes de cobrir o céu cheio de estrelas a noite, como se a estivesse sufocando-a naquela prisão sem saída. Abraçando-a com força até ela não poder ver mais nada.

— Olá?! —  a coisa mais idiota que poderia fazer, questionar se havia alguém ali. Mas fez mesmo assim. Engole o seco, escutando as árvores se mexerem. Um ser pulava entre elas, segurando-se pelos troncos, e fazendo-as balançar mais do que o normal, causando um farfalhar de folhas amedrontador. Dá passos inteiros para trás, de segundo em segundo, olhando para a direita e para a esquerda, para se certificar de que nada mais macabro ainda aparecia ao seu lado, em um passo de mágica.

Pega a bicicleta, iniciando a andar com ligeireza, apreensiva, e quase correndo para que aquele ser vindo da floresta não a alcançasse. Poderia ser um animal. Quebrou essa certeza quando escutou risadas por detrás dela, o som de bengala as acompanhando, todas elas se calam, e apenas o som daquela maldita bengala permanece.

Para aonde vai? — a voz atrás dela saiu totalmente aveludada, como se houvesse uma mistura de vozes masculinas e femininas, contidas em uma só. Várias pessoas falando ao mesmo tempo.

Enrijecendo o seu corpo, para a bicicleta. Não adiantaria correr agora, nem gritar. Tudo isso seria em vão, e só pioraria as coisas. Então vira para detrás, encarando com a feição esbugalhada para o homem de casaco preto e chapéu cor de vinho. Ele segurava um pêndulo de um relógio antigo e de bronze, balançando-o lentamente para os dois lados. Produzindo um som de tic-tac. TIC-TAC. TIC-TAC. TIC-TAC. Era esse o som que ele fazia, na mão pálida e morta do homem, em bom e alto som.

Maligne: Cheios De Sangue (Concluída)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora