𝚃𝚠𝚎𝚗𝚝𝚢

Começar do início
                                    

Portanto, uma das grandes razões para continuar com tudo isso, é a vida dos sonhos que planejei no auge de minha adolescência, e estava tudo ali, bem na pontinha dos meus dedos, ao meu alcance. Porém, com os grandes sonhos vem o medo da queda, e o meu maior medo era deixar escorregar meus desejos por entre meus dígitos.

Mesmo que tudo estivesse em seu devido lugar, como livros em uma estante perfeitamente organizados e categorizados, era claro que, em algum momento, teria alguém que os tiraria e bagunçaria. Acabaria por misturar as ordens, os temas, tamanhos e cores, deixando para trás uma confusão.

Par mim, abandonar Yesung era seguir em frente, por fim, ir embora e me reconhecer mais uma vez. Finalmente, podia impor minhas palavras e pensamentos, encarando o mundo como o ser humano que sou e aproveitando todas as sensações prazerosas que eu tinha. O direito de degustar da vida era surreal, como se eu estivesse por fim saindo de uma tempestade. No entanto, e como todos, ainda precisava de um guarda-chuva, uma proteção, caso a chuva voltasse. 

E aquela maldita carta foi a chuva torrencial.

A semana que se seguiu ao recibo do papel, que julguei ser uma maldição, foi completamente tensa. O clima estava pesado e o ar cada vez mais rarefeito, como se eu tivesse escalado a maior montanha do mundo sem oxigênio nenhum. Aquele piso de cimento se desmanchando aos poucos e poucos, deixando o chão similar a uma areia movediça. Me senti como se tivesse voltado para os primeiros dias, onde, a qualquer instante, sentia que Yesung poderia aparecer magicamente dentro do quarto — um medo totalmente irracional e descabido, claro.

E a todo o momento, eu me tentava lembrar de minhas palavras, de que não o deixaria se intrometer mais em minha vida. Mas ele estava lá, revirando todas as estantes com livros, os jogando, amassando e rasgando as páginas delicadas e tão bem cuidadas. E, cada vez, ficava mais difícil distinguir as palavras de que eu seria forte e nada aconteceria.

Até onde sei, viagens no tempo ainda não foram cientificamente possíveis, portanto, todo o nervosismo e preocupação de Jungkook, o qual evitava demonstrar qualquer expressão relacionada a raiva, ou que fosse supostamente capaz de me assustar, me fez lembrar dos primeiros dias. Quando lhe fui pedir o sal, ou quando me deu o moletom, até mesmo em seu open house, que havia sido meses atrás.

Aquilo me entristeceu.

Jeon era cauteloso, às vezes fazia as coisas sem pensar, porém, sabia muito bem como pegar no colo e cuidar — era isso o que havia feito comigo até certo ponto. Sei que, quando abriu a ridícula carta, sua mente já devia ter criado oito possibilidades diferentes em que Yesung pudesse aparecer para estragar tudo de vez, até porque ele fez questão de se sentar comigo no sofá e me indagar como eu me sentia sobre toda aquela situação, visto que eu preferi me manter calado a semana toda.

Sequer com Lisa consegui me abrir, a qual eu já preferia chamar de amiga do que terapeuta. Na minha cabeça, fazia mais sentido evitar mencionar o ocorrido e esperar que as coisas se assentassem novamente em um simples piscar de olhos. Não queria pensar — porém, já pensava — no facto de que Yesung poderia ter planos na sua mente perturbada. Ele poderia estar me seguindo — ou, pior, talvez seguindo até Jungkook, pelas ruas, ou observando a varanda do 315. Meu receio era que ele estivesse armado, bêbado, sendo capaz de sumir junto comigo ou até magoar Jungkook. Eu sabia que ele era doente, mas até onde ele conseguiria ir?

Normalmente, essas ideias me invadiam quando o céu estava mais negro que a própria cor, onde nem as estrelas eram capazes de brilhar em tanta escuridão. Os pequenos sons me assustavam, fosse uma única moto passando pela rua deserta, ou passos de pessoas pelo corredor. Meu cérebro automaticamente relembrava dos passos pesados de Yesung, minha consciência repescando do fundo de meus pensamentos a maneira em como ele batia a porta logo que entrava ou saía de casa, e envia sinais para que meu corpo se atentasse. Novamente, noites mal dormidas por conta deste infeliz, noites em que eu me permitia chorar com medo, tendo os braços de Jungkook me acolhendo de maneira cautelosa e sutil, aguardando que eu me acalmasse.

Apartamento 316Onde as histórias ganham vida. Descobre agora