Capítulo 56

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Passo a noite pensando sobre todas as coisas que aconteceram nos últimos anos. Não consigo fechar os olhos. A discussão com Linda me deixou cansada, e triste. Eu sabia que ela não estava bem, mas não sabia que me culpava tanto.

Me levanto para desanuviar os pensamentos, caminhar parece bom. Saio, sempre lançando um olhar para o Medalhão de Arasabeth antes de passar pela porta. Nunca mais o usei. E espero não precisar fazê-lo tão cedo.

Desço as escadas do templo, e vou até o pequeno jardim atrás dele, onde há uma lápide solitária.

- Oi. - murmuro para o túmulo com as mãos nos bolsos. - Wei-Wei.

Pedi que a colocassem ali, perto de mim, no único lugar que posso chamar de lar agora, mas não admiti que seria para conversar com ele quando pudesse. Não há um corpo, pois ficou em Évbad e os soldados devem tê-lo enterrado em uma vala qualquer, sem amor, sem honras. Mas aqui, eu fiz o que pude por ele. Sua lápide está num lindo jardim, com a visão das estrelas. Imagino que Wei-Wei adoraria essa cidade, a luz e a vida.

Me sento no chão ao lado da lápide. Não há nada escrito. Nada faria jus.

- Hoje foi um dia difícil. Se tivesse conhecido Linda, saberia que é mais fácil abrir a cabeça dela com um machado do que com um argumento. - sorrio triste. - Espero que ela possa me perdoar. Espero que você possa me perdoar também.

A lápide não responde.

- Tem um exército de duzentos mil soldados marchando pra cá pelo sul. - Aperto as mãos. - Nossos informantes rebeldes nos disseram que eles chegarão em quatro dias, ou menos. E isso me assusta. Tenho medo de perder isso. Estou tentando, de verdade. Proteger essa parte boa que restou do mundo é o mínimo que posso fazer. Eu quero levar isso para Mondian, para Évbad. Quero ver crianças rindo nas ruas e pessoas que não odeiam as próprias vidas. Eu e você crescemos num mundo cruel, e nunca conhecemos nada diferente. Me convenceram que a vida era uma guerra. Mas você sempre tentou dar seu melhor. - sorrio levemente e uma brisa quente passa pelos meus cabelos, eu quase posso sentir olhos cor de chocolate sobre mim. - Eu vivo dizendo a mim mesma que vou proteger esse lugar a qualquer custo. Mas ultimamente fiquei em duvida. William me falou sobre Kadash algum tempo atrás. E me contou sobre um destino pior que a morte. - Um arrepio passa por mim e eu me abraço. - Tenho medo... Me pergunto se meu ódio se esgotou e eu realmente me tornei uma covarde. Quero que essa guerra tenha um fim. Quero meu príncipe gelado ao meu lado e que nós dois possamos ver esse mundo bom. - sussurro. - Eu o amo, Wei-Wei. Eu sei que você o odiava, e por um tempo, eu também. Mas saber que posso perdê-lo como te perdi... - um soluço corta minha frase. - Não sei se posso aguentar mais disso. Sinto falta dele. Preciso dele. Não posso deixá-lo ir. Eu já te perdi, e eu não suportaria... Mas tenho medo, de precisar escolher entre meu amor e meu povo. Uma coisa não deveria estar tão distante da outra. O que você faria, Wei-Wei? - eu queria chorar agora, mas o desespero parece tomar o lugar das lágrimas. - Essa é minha última chance, e minha luta final. - Coloco algumas pedrinhas sobre a grama rala em frente a lápide, formando o desenho de um relógio. - Sou uma bomba-relógio. - uma risada curta e baixa. - Eu costumava dizer isso o tempo todo, mas hoje não sei mais.

Deito no chão, com o coração apertado. Sentindo necessidade de mudar de assunto.

- Josh está melhorando. - digo a ele. - Ela vai ficar bem, agora que tem Charslie ao lado dela. Ele é gentil, e bom, e ela vai ficar bem. Quando passarmos por tudo isso, não sei como as coisas serão, mas sei que eles terão um ao outro, espero que isso te conforte. Ela tem vindo aqui, não tem? - Nenhuma resposta. - Falado com você também. Queria saber sobre o que conversam. Queria que você estivesse aqui, teria feito as coisas melhores. Queria ter sido mais forte e te protegido. - dessa vez, uma lágrima escorre pela minha bochecha. - Eu juro que nesse mesmo dia, daqui a um ano, eu vou estar te contando sobre como nós passamos por isso e nos curamos, e sobre um mundo que podemos chamar de lar.

De repende, o desenho do relógio pareceu certo. E o fantasma de um sorriso tomou meu rosto.

Eu estava pronta. Ver meus amigos foi reabrir uma ferida, mas também foi tratá-la para que se curasse melhor. E eu vou cumprir aquela promessa.

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora