Capítulo 33

941 177 26
                                    


A cidade não tem portões ou muros enormes. Quando vamos entrando, a placa da capital brilha alguns metros acima, as pessoas passam por nós usando muitos colares e pulseiras, artefatos e pequenas estátuas de seus deuses. Elas observam à mim e às Guardiãs com curiosidade.

As ruas são limpas, os prédios são altos, brancos e dourados. As luminárias são leves e finas, como lanternas de papel, flutuando sobre o chão. A arquitetura é rústica e moderna ao mesmo tempo. Cada casa, cada prédio, tudo tem uma decoração minuciosamente detalhada.

No centro e ao final de uma grande praça dourada, eu posso ver o templo. Atswa deve estar ali. O templo é lindo. Um lugar grande, com duas formas abobadadas douradas aos lados, lembra os grandes palácios árabes da antiguidade, dos tempos de antes das Grandes Tempestades.

Quando estamos às portas do templo, dois soldados nos param.

- Essa área do templo é restrita às sacerdotisas. - a soldado informa. O uniforme dela é vermelho e a sua arma continua na cintura, sem nos ameaçar. - Vocês podem prestar seus tributos aos deuses no templo de Aelin Ama. Onde os nossos cidadãos o fazem.

- Obrigada, mas não estou aqui para ver os deuses, e sim ver Atswa. - explico.

- Não é permitida a entrada de estrangeiros no templo. - o outro soldado informa muito mais agressivo.

- Tenho assuntos importantes a tratar. Venho de Évbad. Ela sabe quem eu sou. - retruco.

- Ray... - Celestium põe a mão no meu ombro.

- A Suma-Sacerdotisa não tem nenhuma ligação com Évbad ou Mondian. - o soldado diz sem emoção. - Seus assuntos não são de nossa responsabilidade.

- Eu preciso falar com ela. - digo com urgência. - Digam que Rayrah Scarlett está às portas do templo. Digam que eu estou aqui e vejam o que ela vai fazer.

- Se a senhorita não se retirar agora, seremos obrigados a te expulsar. - a soldado diz com a mão sobre a espada na cintura. Me preparo para sacar Red Fox.

De repente, a enorme porta branca e dourada do templo se abre atrás dos guardas.

- É preciso silêncio para que sejam feitas as orações. A deusa vai dar um soco em vocês. - uma voz reclamona mas ainda com tom brincalhão sai de lá. Mas antes que termine a frase, ela se torna uma exclamação de espanto.

Atswa sorri depois que o espanto passa. Ela tem os cabelos castanhos soltos, brilhantes e macios. Os olhos que são iguais aos cabelos, estão rindo para mim calorosos. Ela usa roupas translúcidas que me lembram Torpse.

Corro até ela e a abraço.

- Ray, você cresceu rápido. - ela acaricia meus cabelos. - Parece que anos se passaram desde que a conheci na Base. Eu soube de muitas coisas. Como uma certa garota ser na verdade a princesa de Évbad. - ela aquesce. - Venha, vamos entrar.

Faço um sinal para Celestium que as Guardiãs fiquem do lado de fora.

Entro com Atswa. Por dentro tudo é ainda mais lindo. As estátuas são enormes, chegando quase ao teto, esculpidas e detalhadas. No teto, uma abertura em forma de estrela de doze pontas deixa que a luz do sol entre e ilumine o centro do templo com um grande raio amarelo.

- O que você veio fazer aqui? - A Sacerdotisa é direta. - Faz tanto tempo...

Ela põe a mão sobre o meu rosto. Nos vimos apenas uma vez em toda a minha vida mas sinto muito carinho por ela. Como se nos conhecêssemos há muito tempo.

Na primeira vez que a vi, soube que podia confiar nela. Ela quis me comprar de certa forma e hoje em dia eu rio disso. Mas talvez tivesse sido melhor, ter me tornado uma sacerdotisa, do que ter passado por tudo o que passei com Alyah e Hill.

- Desde a primeira vez que te vi, eu senti algo te rodeando. - ela confessa. - Como se você fosse muito mais do que aparentava ser. - ela olha no fundo dos meus olhos esmeraldas, o castanho misturando-se com o verde. - Eu estava certa, não estava, Ray?

- Eu não sei, Alyah. - a abraço. De repente sentindo o peso enorme em meus ombros que estava escondido. - Tantas coisas aconteceram... - soluço. - Por um momento pensei que pudesse ser... - os soluços saem pela minha garganta, como se eu estivesse engasgada por muito tempo. - Mas agora não sei mais... Eu... Atswa, eu perdi tudo o que eu tinha...

Ela me envolveu num abraço terno, me dando seu ombro para as lágrimas.

- Shhhh. - ela me faz um carinho lento nos cabelos, enquanto me ouve contar. - Respira.

Não consigo chorar, apenas soluçar. Explico tudo, tudo o que houve desde que saí da Base. Até mesmo as coisas que ela já sabia. Conto como Kadash me sequestrou, como fui parar em Évbad, como descobri ser filha de Alyah, como treinei no bosque e conheci William, como tentei consertar as coisas e piorei tudo. Contei como Maori tomou o Palácio e contei com muita dificuldade sobre os meus dias na Prisão de Vidro. Como escapei de lá e fui parar no Vingança da Princesa Perdida, contei sobre como falhei na minha missão com Prometheus e que Kadash estava vivo e que fizeram algo horrível com ele. Contei cada detalhe que me trouxe até aqui.

- Eu não sei o que fazer... - sussurro, depois de muitos soluços sem nenhuma lágrima. - É por isso que estou aqui.

- Rayrah Scarlett. - o sorriso dela é pequeno e caloroso, como um botão de flor no nascer do Sol. Era como se aquele sorriso minúsculo segurasse o meu coração num abraço. - A deusa não foi boa com você.

Contar tudo o que houve nos últimos tempos foi como limpar um sótão velho. Tirar as coisas do lugar. Coisas velhas, cheias de poeira e com teias de aranha. Muitas teias.

- Atswa. - digo baixinho. - Todos que eu amava me deixaram ou morreram. E só há uma única coisa no mundo que me faria sentir que a droga da minha vida valeu a pena. E eu não sei como fazê-la.

Atswa levantou meu queixo com delicadeza. - Tiranos surgem. - ela começou, como se mudasse o rumo da conversa com um puxão de leve. - Nem sempre é necessário orgulho e ganância. Às vezes, apenas uma pitada de poder, com uma dose mínima de loucura. - ela descreve. - Mas nascemos para nos tornarmos o que nos tornamos. O futuro é incerto, mas o destino é imutável.

Meu olhar confuso encontra o dela. E ela explica.

- Sua vida, Rayrah, foi uma guerra enorme, e ela ainda não acabou. Durante muito tempo, as batalhas foram contra você mesma. Mas agora, que há um oponente maior e real, você não sabe como vencer. - ela esclarece. - Seu oponente, vai ser um tirano naquele trono.

- Eu sei disso. - digo. - Mas não entendo aonde quer chegar.

- No seu peito bate o coração de uma guerreira, Rayrah. - ela me segura pelos ombros.

- Na verdade, no meu peito bate o coração de todo mundo. - solto uma risada ao acaso. Ela me olha fulminante por interromper, contendo um sorriso.

- E enquanto esse coração bater, todas as suas lutas terão valido a pena. - ela segura meus ombros e quase me chacoalha. - Eu sei que você encontrou novos motivos para continuar lutando. - ela se refere às Guardiãs. - E agora também tem à mim.

- Mas Atswa, eles me querem morta!

- E é por isso que você tem que viver. - ela sorri calorosa. - Venha. Você e as suas Guardiãs precisam conhecer a cidade.

Eu não sei se estou no caminho certo. Mas agora eu estou segura e tenho quem realmente pode me ajudar.

Não sei onde Lince está. Nem se Marco, Nona e Linda estão vivos. E Kadash... não vou perdê-lo como perdi Wei-Wei.

Atswa está certa. A minha batalha está acontecendo; agora.

E eu não vou ter medo.

Vou me preparar. E crescer.

Então vou lutar.

°
°
°

Vamos ter uma reviravolta top

Aguardem

Beijinhos espero que estejam gostando.

Nossa menina está crescendo!

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora