Capítulo 38 P.O.V Jay

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Um tranco nos faz cair na parede oposta, como se estivessemos dentro de um avião em turbulência.

O labirinto do lado de fora está movendo o laboratório, mudando o setor. Estamos seguros aqui dentro mas, ao mesmo tempo, presos.

- Marco, você vai poder nos tirar daqui depois certo? - pergunto receosa.

- Sim. Não. Não posso arriscar nos teletransportar para dentro de uma parede ou para o meio daquele labirinto mortal. - ele hesita. - Mas eu posso tentar.

Vejo Linda apertar a mão de Nona com mais força.

- Dê o seu melhor para tirá -los daqui. - digo.

Continuamos correndo de mãos dadas, invisíveis graças aos poderes de Charslie.

Finalmente encontramos a porta, atrás dela, os gritos da garota pararam a quase meia hora. Eu congelo com a mão na maçaneta. Não consigo abrir a porta. Minha cicatriz formiga e queima como o inferno.

Marco abre a porta. Nós ainda estamos invisíveis, então os quatro médicos dentro da sala não nos vêem.

A garota loira está estirada na mesa como um sapo dissecado. Uma asa está esticada e a de metal está nas mãos de um dos homens de jaleco. Minha visão trêmula, desfoca ao olhar para ele. Eu me lembro dele.

"Calma, calma." A voz melodiosa e os olhos castanhos. As mãos geladas segurando meu queixo. A seringa no meu pescoço é fria, o metal encostando, cheio de algum líquido que vai me fazer querer morrer. "Isso aqui vai doer, e vai fazer você dormir, sem nem saber onde fica o seu braço." Ele ri. "Então aí a gente vai poder se divertir." A seringa entrou como mil agulhas no meu pescoço. Meu corpo foi ficando mole, sem reação, meus olhos pesavam...

Como num reflexo, solto a mão do garoto ruivo e pego uma das facas que se distribuem sobre a bancada. Os médicos se assustam quando nós aparecemos do nada e eu arremesso a faca na garganta dele. Posso ver o reconhecimento nos seus olhos. O sangue jorra manchando o jaleco e o chão brancos.

Por um segundo, quero ir ali e pisar no seu crânio, mas me detenho.

Um dos médicos corre até o botão de emergência na parede, Marco abre um portal e se teletransporta, o pega num segundo, depois corre para dentro de outro portal e o homem desaparece.

Os outros dois ameaçam fazer o mesmo mas as garras de Nona crescem e as facas de Linda surgem.

- É melhor não resistirem. - Charslie diz.

Ao ouvir a voz dele, a garota anjo vira a cabeça levemente na nossa direção murmurando algo. Depois sua cabeça cai pesadamente, ela parece fora de área e eu tenho medo que já tenham começado sua Repersonalização. Suas têmporas tem cortes profundos, o sangue se derrama pela mesa.

O ruivo está tremendo, algo me diz que ele também tem uma história com homens de jaleco branco, talvez tão ruim quanto a minha.

Pego a faca do pescoço do médico e limpo em seu jaleco. Esse é mais um rosto que nunca esquecerei, não importa por quantas repersonalizações eu passe.

- Garoto. - um deles caminha a frente, com um andar estranho. - Se soubesse o que estamos fazendo aqui...

- Cala a boca. - Eu digo para ele, apontando a faca.

Ele chuta o corpo do colega. - Acha que eu tenho medo de você? - gargalha. - Eu te criei!

Ando até ele, encosto a faca no seu rosto.

- Lembra quando você fez isso comigo? - pergunto levando a faca até o meu próprio rosto derretido e depois de volta para o dele, tirando um filete de sangue.

- Nunca vou esquecer. - ele ri. - Você - ele segura minha mão com leveza - É- a afasta - Minha - Eu não consigo matá-lo - Criação!

Eu me afasto dele. As memórias voltando a minha mente como num filme de terror. Me afasto até me encostar na parede e me encolher como um rato.

- Isso é maior do que você! - ele grita para mim. - isso - ele vai até a garota e passa os dedos sobre o sangue na maca. - É o futuro! - ele gargalha é anda em direção ao garoto ruivo. - Eu podia ter feito melhor com você, garoto. - Cada passo que dá em direção à Josh, faz o ruivo fechar os punhos. - Isso vai mudar o mundo. Vai acelerar as guerras. Vai fazer a raça humana crescer!

É então que o ruivo explode. Em questão de segundos, o menino assustado se transforma. Ele segura a mão do médico no ar, antes que o toque.

- Você não entende, garoto! Vocês nunca entenderão!

Ele agarra a garganta do médico-monstro. Os dois piscam, aparecendo e reaparecendo. O homem de jaleco engasga e tosse sangue no rosto dele.

- Eu já ouvi esse discurso. - ele diz, a voz dura, cheia de mágoa. - Eu ouvi esse discurso infernal por mais de seiscentos dias! - ele arranca o cachecol, cicatrizes grossas se estendem por seu pescoço. - Eu gritei, eu ardi, eu queimei. Eu entendo sim!

As coisas na sala começam a desaparecer e reaparecer em outros lugares, tão rápido quanto a luz, como se tudo não passasse de uma ilusão. Até mesmo o outro médico que sobrara desaparece no ar.

O homem continua engasgado nas mãos dele. Prensado contra a parede, com os olhos revirados.

- Você merece a dor. Gosta de ouvir os gritos? - ele sussurra para o homem. - Então você vai gritar... - ele bate a cabeça do médico contra a parede, o sangue escorre e espirra. - Eu sei o que é perder a minha cabeça. Minha vida. Minhas memórias. E não seria sequer punição o bastante para você. - ele cospe, uma mão deslizando até a caixa de seringas. O ruivo coloca a agulha fundo no pescoço dele. E o deixa cair agonizando. Espuma branca sai do nariz e da boca. O garoto apenas assiste.

Ele fez o que eu não tive coragem de fazer.

Quando o homem para de se mexer, o ruivo caminha até Josh e começa a soltar suas amarras.

- Não vão ajudar? - pede com a voz trêmula e as bochechas vermelhas.

Nós despertamos do torpor e corremos até ela. Calados. Sem coragem o suficiente para comentar o que houve aqui. A forma que o garotinho inocente se transformou num assassino.

O ruivo põe a garota nos braços e Marco abre um portal.

- Deveríamos explodir esse lugar. - Nona diz.

- Não.

Os soldados fantasmas me vêm à memória. Eles não tem culpa. Não podemos fazer isso com eles.

- Saiam daqui de uma vez. - falo. - Esqueçam que estiveram aqui.

Linda passa pelo portal primeiro, sem nem sequer olhar para trás. Depois, Nona, que me cumprimenta. Depois Charslie.

- O-obrigado. - ele murmura. - E desculpe por... - ele olha para trás, a bagunça e o sangue. - Isso.

- Nada que meu pessoal não consiga limpar. - minto.

Ele acena com a cabeça e sai.

- Boa sorte. - Marco entra no portal de costas e faz um sinal com as mãos para fechá-lo, os seus olhos de buraco-negro fixos nos meus.

Eles somem quando o portal se fecha. Me sento no chão. Perdi meu próprio casamento está tarde.

Mas pelo menos os meus piores medos estão mortos.

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora