Capítulo 35

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Atswa cedeu um quarto a todas nós.

Uma noite se passou e eu admito que foi bom não ter me preocupar em fugir pela manhã.

Mas ainda assim, tudo o que eu consigo pensar é em quando, e como, vou voltar.

Acordo cedo, o sol ainda não nasceu. Pego o bastão que foi deixado em meu quarto e saio, porque alguma coisa ferve dentro de mim. Esse pedacinho de calmaria, essa sensação de paz. É uma mentira.

Eu não posso me iludir.

Eu nunca vou estar segura. Ninguém que eu amo jamais vai estar seguro. A lembrança triste de Wei-Wei faz meu peito doer. Não vou deixar ninguém morrer por mim novamente.

Levo o meu novo bastão até o pátio nos fundos do templo. Luto contra um oponente invisível, usando toda a minha força, fortalescendo minhas técnicas.

E vou continuar fazendo isso. Até que chegue o dia em que Maori pagará por tudo o que fez. Vou acabar com tudo o que ele mais ama, assim como ele fez comigo. Quando eu voltar, a minha coroa vai estar coberta de sangue, enquanto a cabeça dele rola pelo salão.

Meu bastão atinge o chão com força e eu me lanço para cima com um chute no ar. Os meus pensamentos são sombrios e as minhas técnicas são perfeitas. Mas eu preciso melhorar.

Eu preciso lutar. Eu preciso continuar treinando. Cada dia. Cada minuto do meu dia. Deixou de ser uma questão de vingança e tornou-se questão de honra.

- Pare.

A voz de Celestium me fez virar abruptamente. O nascer do sol ofuscou minha visão.

- Está deixando que as sombras cresçam. - ela se aproximou. E apontou para o meu coração. - Bem aqui.

Me afasto.

- Celestium. Eu não estou te entendendo. - minto. Jacques havia me dito a mesma coisa. Mas eu não acredito.

- Há muito tempo atrás... - ela começa.

- Ah não. - suspiro.

- Nas terras distantes do Continente da Areia Vermelha, havia um oásis que hospedava vários viajantes que por ali passavam.

- Quantas histórias suas eu já ouvi? - reclamo.

- Ah cale a boca e ouça. - ela diz e eu rio. - Nesse oásis morava um velho sábio, que gostava de ver os viajantes passando e se abastecendo no poço. Um dos viajantes parou para descansar e assistiu quando um homem perguntava ao sábio: "Que tipo de pessoas vivem aqui?" E o sábio respondeu: "Que tipo de pessoas há no lugar de onde você vem?" O homem então respondeu com desgosto: "Ladrões, trapaceiros, sem-vergonhas. Homens sem honra alguma." O sábio respondeu: "As mesmas pessoas encontrará aqui."
O homem então partiu com a sua resposta. Pouco tempo depois, tanto o sábio quanto o viajante que assistia a conversa viram o homem furtar as bolsas de uma caravana.

- Aonde você quer chegar, Celestium? - cruzo os braços. Ela me diz para fazer silêncio.

- Pouco tempo depois, um outro homem que abastecia seus camelos perguntou ao sábio: "Que tipo de pessoas vivem aqui?" E o sábio lhe disse: "Que tipo de pessoas há no lugar de onde você vem?" O homem sorriu e serviu um pouco da sua água aos seus dois interlocutores. "De onde eu venho há pessoas muito boas e gentis, me custou muito ter saído de lá." O sábio respondeu: "As mesmas pessoas encontrará aqui." O homem então partiu feliz com a sua resposta. Mas não sem antes ajudar um camelo de um viajante a desatolar.

- Ceslestium. Eu não entendi. - digo antes que ela termine. Ela me lança um olhar fulminante por interrompe-la.

- O viajante também não havia entendido. Ele então perguntou ao sábio: "Como pode ter dado respostas tão diferentes para a mesma pergunta? Afinal, que tipo de pessoas vivem aqui?" E o sábio calmamente respondeu: "Aqui vivem viajantes. Eles trazem ao oásis exatamente o que há em seus corações. Pois são o lugar de onde vieram." - Ela analisou meu rosto com calma, enquanto eu pensava sobre isso . - Entendeu agora? Quando Alyah governou, o seu coração escureceu Évbad. O que você traz dentro de você é o que você dá ao mundo. - ela explica. E eu instantaneamente entendo. Abaixo a cabeça, envergonhada.

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora