Capítulo VI

96 3 0
                                    

VI

 

 

 “— A senhora acredita, D. Amélia, na atração irresistível, que impele duas almas entre si,

e as chama fatalmente a se unirem e 
absorverem uma na outra?...

Eu acreditava nessa força misteriosa, mas ainda não tinha chegado o momento de experimentá-la em mim,

de sentir em meu ser este elo divino que prende as almas através do tempo e da matéria.”

José de Alencar, A Pata da Gazela

 

“Montevidéu, 12 de Julho de 1866

 

D. Amélia,

 

Eu te amo pois não proclamas tuas virtudes nas praças;

eu te amo pois te quero mostrar no íntimo a valorosa aura que escondes por debaixo do fulgor de estrela quando refulges nas galas;

não me enganas com os desprezares muitos que impões te proteges como podes — a mentira social te amedronta, portanto, te admiro;

eu te amo e se, quando me vires, me amares também, apesar de eu ser quem me tornei, serei todo teu e viverei para te fazer toda felicidade.

Perdoa-me se, com meu pedido, te condeno à minha companhia, mas, se o peço, nesse arroubo esperançoso de egoísmo, sim, egoísmo é que me resta essa sede insaciável de amar e ser verdadeiramente amado.

E foi somente numa estrela, na mais graciosa das estrelas que conheci, que vi a cura de minha desventura...

Seja, Amélia Mascarenhas, a minha esposa.”

 

Teu,

Fabrício”

 

Ela estreitou afetuosamente a missiva contra o peito.

Aquelas palavras a capturaram!

O que tinham Fabrício e ela? Que juras haviam eles trocado, quê haviam vivido de especial, a exemplo de Filipe e Ana, para que ele houvesse escrito palavras quais essas?

Não poderia ser compreensível para ela, que tinha lhe dito ásperas palavras naquela última carta. Fez de tudo para afastá-lo! Contudo, ao que parecia, quanto mais fazia para demonstrar que não queria um relacionamento, mais ele parecia querê-la! Estava evidenciado em todos os olhares, em cada palavra não dita, mas entredita e agora... Nessa última carta confessada. Por quê?

Ela não compreendia!

Guardou aquelas palavras emocionantes e resolveu que nada havia a fazer a não ser, nada falar. E esperar pelo que ia acontecer. Dentro do pequeno baú estava as cartas, o cacho de lilases e, que ela poderia colocar ali para compreender que não poderia fugir de algo que estava traçado pelo próprio tempo?

 “Ana, eu quero escolher o que vai direcionar minha vida. Não quero que escolham para mim. Não quero ser escolhida. Quero tomar banhos nos rios, e não ter hora para acordar nem dormir. Quero me desprender desse relógio interno que vive em mim. Quero esquecer que é necessário lembrar. Quero passar pela vida, qual uma rajada de vento. Desviando indiferente aos obstáculos, desfrutando etérea aos encantos. Quero... Ah, eu quero a liberdade! Liberdade! Mas, como, minha amiga, se temo tanto? Para ser livre há de se ser corajosa. Tu disseste que se lê em meus olhos que amo Fabrício, mas esta é uma sugestão das situações. Se houvesse outra pessoa, novos assuntos e pequenas circunstâncias, também não se poderia dizer que nascia para tal pessoa? Não te iludas, amiga Ana, os anos não me irão dobrar. E não me chames louca. A lucidez é relativa.”

Graciosa [Em Andamento♡]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora