Capítulo II

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II

Amélia recebeu serena a notícia. Estava prometida em casamento. Como se fosse algo que já soubesse, embora de nada suspeitasse. Seria algo que já esperava? Talvez. Não a desagradava, como dissera anos atrás. Contudo causava-lhe estranheza. Por onde andaria o noivo? Que nunca mais souberam notícias... Seu corpo estava mudando, parecia que sua mente também. Suas mamas há pouco chatas, doíam. Intumescidos, os seios despontavam. Mês a mês ela ia toda se transformando. Sentia tonturas, às vezes. Sua disposição para brincadeira mudava. As crianças menores interessavam lhe menos. Não que não continuasse amando-as como antes. É que agora não sentia vontade de se misturar a elas. De sujar-se de lama. Gostava apenas de observá-las. Tudo estava mudado em sua vida. A noite sentia calores. Mesmo quando fazia frio. E frio, mesmo quando fosse calor. O quadril avolumava e a cintura afinava. Queria fazer outros penteados e já a interessava muito passar longos períodos no toucador, algo que antes a entediava.

Ficava contente quando a modista aparecia para mostrar tecidos e novos modelos parisienses à mãe. Passou a participar desses momentos e D. Maria Laura sentia orgulho da filha que dia a dia via transformar-se numa linda moça. Sua coleção de leques e calçados cresceu.

A única coisa que não mudava era a impressão que o noivo tinha deixado nela. Lembrava-se de cada detalhe. Uma manhã acordou a pensar nisso. Por isso, durante a aula de francês, exigiu da tutora:

— Quero poesia nas lições de literatura!

Adeline baixou os óculos de leitura para a ponta do delicado nariz. Analisou bem sua pupila e, sorrindo discretamente, o que surpreendeu Amélia, posto tão séria fosse, anuiu.

— Já mudou a voz de Mademoiselle. Está na hora.

“É quase moça!” — Pensou, nostálgica, a professora francesa. — “Era quase um bebê quando começamos e logo... ah, logo casa e esquece desses anos que dividimos. Como todas!”

Assim, Adeline lembrou-se num relance o rosto de cada pupila que educara. Poucas, na verdade. Entretanto, foram trabalhos esmerados, bem feitos. Amou cada uma. Esquecida por todas. Amélia lhe parecia especial, mas, no fim do dia, quando se despediam, ela pensava em seu coração. “É como as outras Sinhazinhas!”

Quase dois anos se passaram e não conhecendo outra literatura se não a que a tutora lhe proporcionava, Amélia desconhecia por completo os poetas que faziam o coração das moças dos salões da corte, que nos saraus arrancavam suspiros àquelas almas românticas. Shakespeare, Homero e os inconfidentes das Minas Gerais eram o repertório preferido de Madamme Adeline e não aborrecia Amélia. Porém, tudo ia mudar, outra vez.

Primeiro viu o movimento estranho na casa. Mexiam em seu quarto e, por mais que perguntasse o que acontecia, não lhe diziam. Via D. Maria Laura abatida, embora nada mais abalada que isso. Ao menos, era assim que pensava.

Depois veio o pai uma tarde e despejou a notícia que a encheu de euforia.

— Fabrício vem te ver na primavera. Está ansioso para ver como você cresceu.

— Então nos casaremos para logo?

Dr. Crisóstomo riu.

— Não, meu anjo! Que despropósito! Você ainda tem mais para crescer... Parece tão ansiosa!

— Não senhor, de modo algum. Apenas vi... o abatimento de mamãe... e... queria saber.

— Isso é outra coisa — ele franziu o cenho, escondendo também algum sofrimento.

Graciosa [Em Andamento♡]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora